O Preço do Amanhã

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É incrível a influência que o nome de um ator ou diretor tem na divulgação de um filme. Steven Spielberg, por exemplo, teve no suspense e terror seus primeiros sucessos, o que fez com que o fofusco E.T. O Extraterrestre fosse inicialmente divulgado como um filminho de medo (procure os primeiros pôsteres divulgados, parece até paródia).

Agora me diga você, caridoso delfonauta, o que você pensa ao ver o pôster aí do lado e o nome de Justin Timberlake no elenco? Romance mela-cueca, certo? Pois acredito que você vai se surpreender ao saber que O Preço do Amanhã é uma ficção científica de ação. E das boas!

TEMPO DE VIDA

No mundo de O Preço do Amanhã, tempo é dinheiro. Literalmente. Aqui as pessoas nascem com um relógio no braço. Quando elas fazem 25 anos, atingem maturidade biológica e o relógio começa a contagem regressiva. A partir daí, têm um ano de vida, pois, ao atingir zero, abotoam o paletó. Assim, as pessoas trabalham em troca de mais tempo de vida, e pagam todas as suas contas justamente com o tempo que lhes resta. Enquanto tem gente que vive um dia de cada vez, outros têm décadas, alguns até séculos. Obviamente, como em qualquer sociedade dividida por classes, isso gera tensão e crime.

Justino Lagomadeira é Will Salas, um pé-rapado que se acostumou a nunca ter mais de 24 horas restantes no seu relógio. Um dia, ele ajuda um sujeito que tem anos de sobra e é presenteado com um século de vida. Enquanto ele vai até o bairro dos ricos (chamados no filme de “fusos horários”) sentir um gostinho da vida boa, a polícia resolve investigar a transação e começa a perseguir nosso herói.

FUSO HORÁRIO

Assim como nos países da nossa sociedade, para atravessar uma fronteira existem barreiras com as quais nem todo mundo pode arcar, e é justamente para isso que elas estão lá. Exatamente como na realidade, tem um monte de gente esbanjando enquanto outras têm menos do que o suficiente para continuarem vivas. Ou vai dizer que você nunca deixou uma comida estragar na geladeira por pura falta de organização, mesmo sabendo que tem gente passando fome?

A quantidade de bens que a nossa sociedade produz é mais do que suficiente para todos viverem dignamente, mas o sistema é organizado para aqueles que têm muito tenham cada vez mais, enquanto os que têm menos terão cada vez menos. Essa é uma discussão bastante presente neste filme, e é o que o torna tão especial.

O primeiro ato é repleto de diálogos que servem para apresentar seu mundo como uma metáfora para o nosso. Depois começa a ação, culminando em algo que poderia ser chamado de Robin Hood para a nova geração.

Em outras palavras, O Preço do Amanhã transborda críticas sociais e metáforas relativas à nossa própria forma de vida e faz isso sem deixar de ser divertido em nenhum momento. Esta combinação é dificílima de ser encontrada fora dos dos filmes de zumbis, e é um tremendo ponto a favor para este filme.

Você quer explosões, perseguições de carro e momentos emocionantes, em que os heróis terão que se virar com alguns poucos segundos de vida? Pois terá isso em abundância e estilo. Mas também terá um subtexto bastante interessante se topar pensar um pouquinho.

TIME IS MONEY! OH, YEAH!

Imagino que alguns críticos vão dizer que não é explicado no filme como surgiu essa história de relógios e como a sociedade se organizou usando tempo como moeda corrente. E, de fato, não é. E, de fato, chega a ser engraçado quando o cara come em um restaurante e a garçonete fala que a conta é “oito semanas”. Mas assim como fazemos com o mundo mágico de Harry Potter, o que temos aqui é um outro mundo, não o nosso e, embora este desenvolvimento até fosse desejável, devemos aceitar a premissa, a sua “fantasia”, para podermos curtir, como acontece em qualquer outro filme.

Também não dá para ignorar a hipocrisia de um filme com esta mensagem ter sido criado por um monte de gente milionária. Inclusive é algo que já falei muitas vezes por aqui sobre o cinema nacional: o fato de nossos filmes só falarem de diferenças sociais, mesmo todos sendo dirigidos por herdeiros de bancos ou de outras grandes empresas. Infelizmente, isso é algo que precisamos aceitar, desta vez na sociedade real: só quem tem dinheiro a rodo consegue criar e fazer sua criação ser vista. E seria bem menos pior se os filmes nacionais que quisessem abordar o tema “sociedade de classes” fizessem isso com a excelência de O Preço do Amanhã.

Não se trata de um filme perfeito, no entanto. O pai do protagonista, por exemplo, tem suas ações referenciadas múltiplas vezes. Ele era um lutador, um herói, ambos? E qual foi realmente seu fim? O longa faz todas essas perguntas, mas nunca as desenvolve ou responde. Se é para ser assim, nem precisavam ter falado do cara, pois o público espera que essa sementinha de história se desenvolva em algum momento. Se não, por que plantá-la?

Acima de tudo, no entanto, O Preço do Amanhã merece ser exaltado pelo que realmente é. Um filme excelente e deveras interessante, com uma história criada originalmente para o cinema, em um mundo onde praticamente todos os blockbusters e ficções científicas são remakes ou adaptações de outras mídias. É exatamente por filmes como este que eu me apaixonei pela sétima arte: criativos, divertidos, inteligentes e, acima de tudo, feitos para o cinema, não adaptados.

É refrescante vermos um blockbuster planejado desde o início tendo o cinema em mente. Desta forma, não se deixe brochar pelo pôster mela cueca ou pela presença de Timberlake no elenco. O Preço do Amanhã é o melhor filme do ano. E não digo isso porque este ano está fraquíssimo em bons longas (e está). Mesmo que estivéssemos em um ano excelente, com certeza estaria entre os melhores, com grandes possibilidades de ser o melhor. Faça um favor a si mesmo e não perca!

CURIOSIDADE:

– O diretor e roteirista Andrew Niccol também roteirizou O Show de Truman. É até estranho pensar que o ator que hoje só faz porcarias como esta já esteve em coisas realmente legais, né?