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Assim como fiquei empolgado até a tampa para ver o filme do Homem de Ferro depois que o Robert Downey Jr. foi anunciado como o intérprete de Tony Stark, devo admitir que a nova versão do Hulk para as telonas, desta vez produzida diretamente pela própria Marvel, passou a me cativar deveras assim que o Edward Norton foi selecionado para o papel do alter-ego do Gigante Esmeralda – e, de brinde, ainda convidaram o sujeito para mexer no roteiro. O cenário não poderia ser mais promissor: Norton é assumidamente nerd até a alma, leitor de gibis como você e eu, mas também já provou, tanto em produções independentes quanto em blockbusters, que é um ator de primeiríssima categoria. Bruce Banner está mesmo em boas mãos.
Mas (e tinha que existir um “mas”, ou este texto não teria razão para existir) isso não quer dizer que eu odeie a versão anterior, dirigida pelo chinês Ang Lee. Muito pelo contrário, aliás. Acho um excelente filme inspirado em quadrinhos, uma adaptação competente e, antes de tudo, cheia de personalidade, com o toque particular do cineasta transparecendo em cada frame. Só aquela edição ágil e claramente inspirada na diagramação dos gibis já mereceria uma menção honrosa pela inteligência. Eu sou a prova viva de que, para gostar e/ou apreciar a versão de Norton e do diretor Louis Terrerier, não é necessário odiar o trabalho de Mr. Lee (que não tem nenhum parentesco com o Stan, pelo menos não que eu saiba). Até porque, apesar de tratarem do mesmo personagem, as propostas são BEM diferentes.
Terrerier é um especialista em filmes de ação, como já mostrou no derramamento de adrenalina que atende pelo nome de Carga Explosiva. Neste O Incrível Hulk, a idéia é trazer um pouco mais da pancadaria clássica das HQs, misturada ao clima sombrio e quase triste das perseguições solitárias da série de TV – por sinal, retomado com maestria por Bruce Jones em sua passagem como roteirista dos quadrinhos do herói. Perfeito, não? No entanto, esta jamais foi a intenção de Ang Lee. O que ele dirigiu foi um drama. Muito bem, por sinal. Um drama, não um filme de ação. Sacou a diferença? E esta foi visivelmente sua intenção desde o início. Portanto, nunca entendi muito bem aqueles fãs que se sentiram “traídos” pela visão do cineasta.
O que Ang Lee fez, na verdade, foi uma versão moderna de O Médico e o Monstro, retomando o estilo dos clássicos filmes de terror da Universal focados em personagens como Drácula e o Lobisomem. Seu Hulk representa a luta interna de um homem dividido entre a razão e selvageria, encarando seus próprios demônios internos, exteriorizados na forma de uma enorme e incontrolável criatura verde. Ok, devo admitir que a frustração daqueles que nunca leram os quadrinhos, mas acompanhavam religiosamente o seriado setentista, é plenamente justificada – além do tom da trama ser bem diferente, o Hulk é um ser desproporcional, monstruoso, bem diferente do Lou Ferrigno com o corpo pintado e que servia de outro lado para a transformação sofrida por um saudoso Bill Bixby. Mas ouvir os fiéis leitores de gibis dizendo que Lee foi desrespeitoso com o personagem é, antes de tudo, uma bobagem sem tamanho.
O estilo psicológico de se falar sobre o Hulk que Lee preferiu utilizar tem duas fontes de inspiração, e a primeira delas é a própria gênese do personagem, ainda cinzento, cortesia de Stan e seu parceiro habitual, Jack Kirby, ambos inspirados diretamente nas linhas soturnas do livro de Dr.Jekyll e Mr.Hyde, o homem cheio de virtudes que se transfigura completamente e está no limiar de tornar-se um vilão de características reprováveis. Lee (o Ang) beberia ainda no arco de histórias desenvolvido por Peter David na década de 90, no qual o autor entra de cabeça nos problemas de divisão de personalidade de Bruce, causados especialmente pelos abusos morais e pelo tratamento violento de seu pai – devidamente incluído no filme, representado de maneira genial por um Nick Nolte com a maior pinta de cachaceiro. Desta história original, apenas para relembrar os xiitas com pedras e paus nas mãos, surgiria a faceta do Hulk conhecida como O Professor, mesclando Banner, o sacana Hulk cinza (o Sr.Tira-Teima) e o selvagem Hulk verde.
Isso ainda é pouco? O que dizer, então, da sensacional seqüência de perseguição no deserto, na qual o Hulk enfrenta sozinho os helicópteros e tanques de guerra do General Thunderbolt Ross, relembrando os melhores e mais clássicos momentos de sua trajetória na Nona Arte. Até os poderes que o pai de Bruce Banner consegue na segunda metade do filme são claríssimas homenagens a vilões B conhecidos pela maior parte destes mesmos fãs reclamões, como o Homem-Absorvente e o elétrico Zzzax.
Agora, se o seu único argumento para dizer que não gostou do “Hulk” de Ang Lee são as críticas ao formato do Verdão em CGI, sinto muito, mas isto é uma questão total e completa de gosto pessoal. Eu, particularmente, achei que funcionou direitinho, do jeito que tinha que ser, atendendo devidamente à proposta de filme que Lee pretendeu fazer, com peso e tridimensionalidade suficientes para fazê-lo minimamente crível. Vamos ser sinceros: estamos falando de um homem com mais de 3 metros de altura, todo verde e com as calças roxas rasgadas. Acredito que a equipe de efeitos especiais do filme conseguiu ser o mais realista possível dentro destes parâmetros. Parem de exigir realidade onde ela não precisa existir.
(por favor, vamos evitar comentários relativos à cena envolvendo os poodles irradiados com raios gama. Ela pode ser meio dispensável e até ridícula, é verdade, mas é inteiramente tirada dos próprios quadrinhos – mais especificamente, de um arco chamado Dogs of War, escrito em 2001 pelo ótimo Paul Jenkins)
É claro que, enquanto ator, eu prefiro mil vezes ver o Norton do que o Eric Bana como o cientista mais nerd da Casa das Idéias – e olha que nem achei a atuação do Bana ruim, muito pelo contrário. Mas, se eu fosse tão fã do Hulk como sou do Homem-Aranha, devo admitir que ficaria muito satisfeito em ter disponíveis duas boas versões cinematográficas absolutamente diferentes do meu personagem favorito. Seria mais ou menos como ter uma boa equipe de criação sucedendo a outra no título mensal do herói, entende? Um bom trabalho não invalida o outro. É por isso que digo: por mais pentelho que você seja, daquele mesmo tipo que me atormentava diariamente nos comentários da finada A Arca, tente dar uma chance ao Hulk do Ang Lee. Você não vai se arrepender. Quer dizer, pelo menos eu acho que não. E se você se arrepender, azar o seu. Eu continuo gostando do filme. E ponto final. Não é mais simples assim?