Esse é um assunto que eu sempre quis abordar nesta coluna, e até já dei uma palhinha sobre isso aqui. Contudo, depois da publicação desta notícia é que realmente me animei em escrever. Na verdade, é possível que você esteja lendo isso meses depois, mas juro que foi escrito no dia seguinte. 😛
Curiosidades delfianas à parte, antes de mais nada quero deixar claro que, como em qualquer outro texto delfiano, o que vou apresentar aqui é minha opinião, e esta foi baseada no meu conhecimento do estilo e das influências de cada banda (e, considerando que eu tenho mais de 1000 discos de Metal, abrangendo todos os vários estilos, diria que tenho algum conhecimento).
Outra coisa que precisa ser falada é que o que está sendo discutido aqui não é a qualidade de nenhuma banda, nem mesmo gostos pessoais, mas apenas suas influências e o que as ajudou a forjar seu estilo. Assim, é errado pensar que eu não gosto de Black Sabbath. Aliás, eu gosto de muita coisa dos caras, só não vejo neles nada que realmente tenha sido o pontapé inicial para o Heavy Metal.
Portanto, se você é um daqueles imbecis que comentou que só um site que adora Gamma Ray discordaria da influência do Black Sabbath para o Metal, antes de mais nada fique sabendo que o DELFOS não é uma pessoa e, portanto, não tem gostos, nem uma linha editorial que obriga as pessoas que escrevem a falar bem ou mal de determinados estilos. Assim, temos o Cyrino que gosta de Rock Alternativo, eu, que curto um Heavy mais tradicional e o Guilherme, fã de coisas mais extremas (e, não por acaso, que tem no Sabbath sua banda preferida). E todos convivemos pacificamente com liberdade total de opinião em nossos respectivos textos.
Da mesma forma, se você é um daqueles idiotas trues que, quando estão na casa de um amigo e alguém coloca algo que não te agrada, você cruza os braços, faz bico e faz questão de mostrar para todos seu desagrado com aquele estilo de música, saiba que todo mundo te considera uma pessoa extremamente chata e esse texto também não é para você. Por fim, se você também é true a ponto de considerar como verdadeiro Heavy Metal, apenas coisas mais extremas, clique aqui e aprenda a agir como um ogro enquanto os outros discutem civilizadamente neste espaço.
Os parágrafos acima podem parecer desnecessários, mas quando você mexe com os metaleiros, é sempre bom deixar tudo bem claro e se livrar de leitores desnecessários desde o início. Assim, eles podem abrir um tópico em algum fórum me mandando ouvir pagode e dizendo que pararam de ler logo no início e nos salva tempo e paciência por aqui. 😉
Tenho tanta coisa a dizer sobre isso que provavelmente vou esquecer algo. Porém, a primeira coisa a fazer, então, seria definir o que é Heavy Metal. Isso pode variar dependendo da pessoa ou da época, mas eu vou assumir aqui como Heavy Metal, o Heavy Metal tradicional. Thrash, Death, Doom e afins são subgêneros que trouxeram influências diferentes para o que já existia.
Ao mesmo tempo, Heavy Metal Melódico é um gênero que só é diferenciado aqui no Brasil. Lá para os estrangeiros, bandas como o Stratovarius são Power Metal, Speed Metal ou simplesmente Heavy Metal. Essa ojeriza que os trues costumam ter pelo estilo, acusando-as de acabar com o Metal ou de ser música de menininha também é um fenômeno brasileiro, normalmente encontrado em adolescentes inseguros e cheios de espinhas que consideram o Manowar o ápice da macheza.
Portanto, como eu definiria o Heavy Metal puro? A meu ver, é um som que exibe certa técnica instrumental sem se tornar chato ou pedante, além de dar vontade de bater cabeça. Um Heavy Metal puro costuma combinar de forma bem satisfatória peso e melodia, além de alguma velocidade. Influências de música clássica ou de outros estilos de cultura erudita (em especial a literatura) também são bem-vindos. Algumas bandas que acredito se encaixarem bem nesta minha definição são o Iron Maiden e o Accept.
Quem costuma colocar o Black Sabbath como os pais do Heavy Metal parece acreditar que a principal característica do gênero é ser sombrio. Agora, cá entre nós, quantas bandas de Heavy puro são sombrias? Boa parte delas, aliás, é bem divertida. A mania de fazer questão de ser sombrio é coisa dos estilos mais extremos, e esses sim têm influência do Sabbath. A meu ver, a ex-banda de Ozzy é simplesmente lenta demais para ser precursora do Heavy. Eles são pesados, mas são lentos, e a maior parte das bandas puras do estilo não é lenta. Pelo menos não por definição (afinal, é claro que todos fazem músicas lentas eventualmente).
Aliás, querer classificar toda a música pesada como sombria é tão absurdo quanto dizer que tudo que é Melódico é alegrinho. Afinal, só alguém muito ignorante classificaria o Sonata Arctica como alegre. Isso é coisa de quem nunca ouviu nada além dos Keepers do Helloween (esses sim, são alegres a ponto de chegar a ser até meio bobo – e nem por isso são menos Metal ou menos tremendões). O mesmo vale para os estilos mais pesados. Por acaso o Anthrax ou o Tankard são bandas sombrias? Cacilda, os caras são tão descompromissados e divertidos quanto o Edguy. E são bem mais pesados que a banda do Tobias Sammet. Lembro até de um episódio em que o Anthrax participou da sitcom Married With Children. Isso lá é sombrio?
Assim, estabelecemos que o Heavy Metal não é sombrio como um todo. Isso depende apenas do caminho que cada banda opta por seguir e, assim como podem existir bandas mais leves e deprês, também pode existir uma turminha pesada que curta algo com bom humor (Kraf Dinner, do Annihilator, vem à mente).
Agora que definimos isso, você provavelmente quer saber quais são as bandas que eu considero como as precursoras do Metal? Bom, escolhi cinco delas. Confira aí embaixo:
– Queen: Isso mesmo, por mais que muita gente não seja macho para admitir isso, a excelente banda de Freddie Mercury tem uma influência muito grande em boa parte dos grupos metálicos. Também pudera, eles sempre tiveram belíssimas melodias e corais caprichados. E quem acha que os caras não tinham peso nunca ouviu Ogre Battle ou a mais recente Princes of the Universe (onde, aliás, a voz de Mercury lembra até a de Ralf Scheepers).
– Scorpions: Pouca gente sabe que os primeiros discos do Scorpions estão entre as coisas mais pesadas lançadas naquela época. Esqueça a fase mais Hard Rock alegrinho pós-Love At First Sting pela qual a banda ficou mais conhecida e ouça coisas dos primeiros discos, como He’s a Woman, She’s a Man. O que você vai ouvir está muito próximo do que seria chamado de Heavy Metal nos anos seguintes, sobretudo pelo peso das guitarras, pelos riffs bangueáveis e pelos experimentos com música clássica.
– Deep Purple: O Purple nunca foi tão pesado quanto o Scorpions, mas talvez seja a banda do início dos anos 70 que chegou mais próximo do que viria a ser Heavy Metal. Jon Lord trazia a música clássica nos teclados e o Ritchie Blackmore contribuía com melodias, solos e riffs pesados, bonitos e cabulosos.
– Rainbow: Os discos Rising e Long Live Rock’n’Roll tinham todos os elementos metálicos que o Purple apresentava, e ainda foram acrescidos dos vocais de Ronnie James Dio (que posteriormente seria considerado a típica voz do Heavy Metal, classificação com a qual concordo plenamente). Para completar, as letras ainda trazem uma temática mística, outra característica comum no Heavy Metal.
– Uriah Heep: Tido por muitos como um Deep Purple menos famoso, o Uriah foi uma das primeiras bandas de Rock Pesado (e fora do Progressivo) a tratar de temas fantasiosos inspirados por mitologias antigas e livros do gênero.
Além dos motivos acima, essas costumam ser as bandas que mais vejo os músicos de Heavy Metal citarem como influência quando perguntados sobre o assunto.
Tendo estabelecido isso, vamos fazer uma comparação. Pense em uma música que represente bem o estilo do Black Sabbath, depois uma que seja a cara do Deep Purple. Pronto? Agora pegue uma canção que seja 100% Heavy Metal.
Para comprovar minha teoria, escolhi três clássicos absolutos que, a meu ver, representam bem o todo de onde foram retirados: Black Sabbath, do primeiro disco da banda de Tony Iommi, por ser lenta, pesada e sombria. Highway Star, do Purple, por ser pesada, rápida e ter belos solos e melodias. Para representar o Heavy Metal, escolhi Screaming for Vengeance, do Judas Priest. Ela foi a eleita simplesmente porque acredito que todos vão concordar que mostra o gênero em sua cara mais pura, sem pender para o melódico, nem para o mais extremo, mas ao mesmo tempo apresentando peso e melodia em doses cavalares.
Façamos a comparação. Ouça Black Sabbath, Highway Star e Screaming for Vengeance. Pronto? Pois agora se imagine num daqueles testes de QI e escolha a que não faz parte do grupo. Qual é a mais diferente entre as três? A não ser que nossa forma de interpretar as vibrações sonoras seja incrivelmente diferente, você há de ter eliminado a Black Sabbath, certo? E por quê? Ora, justamente porque ela é lenta e sombria demais em comparação com as outras.
Ok, você pode argumentar que minha escolha foi tendenciosa, pois eu escolhi duas músicas rápidas para contrastar com aquela cantada pelo ex-Príncipe das Trevas. Bom, eu selecionei essas justamente porque, a meu ver, o Heavy Metal como gênero é rápido. Mas não seja por isso. Vamos então escolher três músicas cadenciadas nos três grupos. Selecionei Sweet Leaf, do Sabbath, Smoke on the Water, do Purple e, representando o Heavy Metal, Balls to the Wall, do Accept. Acredito que não preciso me repetir quanto aos motivos da escolha, certo?
Novamente, “ouvamos” as três. Qual se destaca mais? Ora, pois, quem diria? Não é que novamente a banda do Tony Iommi parece fora do contexto? E por quê? Novamente porque ela é lenta e sombria demais! Nem Balls to the Wall nem Smoke on the Water são sombrias. Pelo contrário, são faixas para cantar junto, acompanhar com palmas e bater cabeça, como qualquer boa canção de Heavy Metal. Já a do Sabbath parece trilha de filme do Zé do Caixão (e não digo isso de forma negativa).
Ok, você ainda pode argumentar que nem tudo do Sabbath é tão lento, e isso é a mais pura verdade. Os caras têm músicas que não só são muito mais animadas, como realmente podem ser consideradas Heavy Metal, e até cito um exemplo perfeito: Mob Rules. Agora se você fosse mostrar para alguém qual é o estilo da banda, uma única música que resuma toda a criação do Black Sabbath, você mostraria algo rápido como Mob Rules ou algo mais lento e sombrio como Black Sabbath? Acredito que estamos de pleno acordo que a segunda opção seria uma escolha mais acertada.
Dizer que o Black Sabbath influenciou o Heavy por causa de suas poucas músicas mais aceleradas é como dizer que são os precursores do Punk por causa de Paranoid. Até porque muitas das características que formariam o Heavy já podem ser parcialmente ouvidas em obras do Jimi Hendrix ou até dos Beatles. Só que as cinco bandas que citei alguns parágrafos atrás uniram essas características até então discrepantes em seus próprios estilos.
O Sabbath flertou com o estilo das outras bandas que “iniciaram” o Metal, assim como flertou com o Punk na Paranoid, mas é errado dizer que esses gêneros representam a totalidade (ou mesmo a maioria) da obra dos caras (o que acredito que faixas como Black Sabbath e Sweet Leaf fazem). Deep Purple e Rainbow, por outro lado, já estavam, de uma forma geral, muito mais próximos do que viria a ser chamado em breve de Heavy Metal.
Contudo, a influência do Black Sabbath para a música pesada existe sim, e apareceu principalmente ao mesmo tempo em que o Metal começou a ganhar subdivisões. Com o surgimento do Metal Gótico, do Doom, do Death, Thrash e Black, realmente se tornou comum sentirmos o dedo da turminha do vocalista fanho. Porém, a única banda mais próxima do Heavy Tradicional onde eu sinto uma forte influência do Sabbath é o Savatage. E, considerando que eles começaram como uma banda de Thrash, isso até contribui para a minha teoria. Ah, e eles também têm visivelmente influências de musicais da Broadway, mas ninguém diz que Andrew Lloyd Webber é o criador do Metal por isso.
Por causa de tudo isso, eu até consigo entender porque os estadunidenses costumam citar o Sabbath como a origem de tudo. Por um lado, eles nunca mostraram entender o que realmente é Heavy Metal (é só ver quão comum é citarem bandas como Van Halen e Poison como representantes do gênero).
Por outro, o Heavy Metal puro, o tradicional e original, nunca existiu realmente com força lá. Foi um fenômeno mais europeu, especialmente inglês (NWOBHM e tal) e todos nós sabemos como os EUA não olham para o resto do mundo. Quando as bandas pesadas realmente deram as caras na terra do Tio Sam, foi com grupos como Exodus e outras coisas mais pesadas que realmente tinham influência sabbathiana.
Porém, aqui no Brasil não temos desculpa. Nós temos acesso e conhecemos o Heavy Metal europeu antes de conhecer o Thrash estadunidense (afinal, ele surgiu antes), então, a meu ver, ficar repetindo que o pai de tudo é a ex-banda de Ozzy é repetir o que os estadunidenses mandam sem analisar os fatos de forma imparcial e por conta própria. Ou, na melhor das hipóteses, é mostrar que você é um daqueles manos que só vêem valor no Metal Extremo e negam o título de Metal para qualquer coisa que tenha melodia. E sabe como é, radicalismo é burrice, e o Metal não se limita ao Extremo. Se depois de ler até aqui, você ainda discorda, analise seus gostos. Muito provavelmente, você só ouve coisas estadunidenses e, sobretudo Thrash e Death, e por isso acredita que o Sabbath influenciou tudo, quando na verdade, seu universo de análise é que está sendo limitado. Talvez seja hora de tentar conhecer um pouco de Metal Tradicional. Você não vai se arrepender. 😉
Afinal de contas, o Sabbath é só um primo de segundo grau do pai (no caso, o Hard setentista das bandas supracitadas) que xavecou a mãe (em faixas como Mob Rules) e teve alguns filhos meio estranhos, incompreendidos e mais jovens (o Metal extremo). Em outras palavras, primeiro veio o Heavy, e depois suas subdivisões. O Sabbath é influentes para o Rock e para o Metal extremo, sim. Não nego isso. Para o Heavy Metal original, puro e simples, nem tanto. Definitivamente não o suficiente para entrar no seleto rol dos criadores.
Espero com esse texto ter conseguido esclarecer porque não vejo o Black Sabbath como o criador do Metal, já que parece ser algo que os delfonautas querem saber faz tempo. Como todos podem ver, nada tem a ver com as bandas que eu gosto ou de algum tipo de perseguição contra o Sabbath, até porque eu curto a banda. É uma explicação puramente lógica, baseada em semelhanças estilísticas que qualquer um pode ver se conseguir se despir de ideologias fanboys. Acredito que qualquer pessoa que ouça e reconheça o valor em todos os gêneros de Metal há de concordar comigo. E, se não concordar, paciência. A gente pode continuar sendo amigo mesmo assim. 😉