Meninos em Fúria é o resultado da parceria entre Marcelo Rubens Paiva e Clemente Tadeu Nascimento para contar as origens do movimento Punk no Brasil; mais especificamente em São Paulo. Para isso, o autor de Feliz Ano Velho (1982) e o líder dos Inocentes intercalam relatos autobiográficos.
Rubens Paiva contextualiza e explica toda a conjuntura para o ingresso do Punk no Brasil: repressão da Ditadura Militar, o desencanto com a MPB e outras manifestações culturais como a Jovem Guarda e o Rock Progressivo, maior conscientização dos jovens das periferias e até certo desprezo pelos movimentos intelectuais de esquerda da época. Há um desenho claro do que era culturalmente relevante no Brasil enquanto o Punk estourava na periferia.
Clemente é o personagem principal do livro. Conta sua história desde os tempos de escola, detalha a infância no bairro do Limão e quando começou a tomar gosto por bandas como Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Focus, MC5, Stooges e New York Dolls. Ele traz bastidores da formação da primeira banda Punk do Brasil: Restos de Nada (que viria a ser um dos embriões dos Inocentes junto com outra banda, a Condutores de Cadáver).
Os relatos passam pelos primórdios da carreira dos Inocentes, o relacionamento com o mainstream e outros ícones do Rock Nacional do eixo Rio-São Paulo-Brasília, bem como detalhes da vida pessoal de ambos os autores.
PÂNICO EM S.P.
O livro vale pelo contraste de vozes. Enquanto Marcelo insere a perspectiva do estudante de comunicação da USP/aspirante a escritor de classe média, Clemente expõe a realidade dura da periferia e da violência entre gangues. Interessante como a vida de ambos cruza: um na condição do fã “cadeirante doidão” dos Inocentes e o outro como pioneiro e liderança dos Punks.
A situação política do Brasil era a pior possível. A repressão legitimada pelo aparelho estatal não poupava ninguém. Lembrando que o Regime Militar perseguiu e tirou a vida do pai de Marcelo e o movimento estudantil era fortemente reprimido. Clemente viveu o risco triplo de ser punk, negro e da periferia. Ainda bem que conseguiu escapar vivo das tretas internas do próprio movimento e dos conflitos com a polícia para contar história.
Meninos em Fúria se torna leitura essencial não só para os curiosos e amantes do Rock Nacional. Também é um excelente relato sobre a história recente do Brasil e serve como um bom presente de natal para aquele seu amigo ou familiar que resolveu exaltar a Ditadura Militar com toda uma fanfic baseada em crescimento econômico, moralidade e ausência de corrupção.
Não há como dissociar o contexto de outrora com o que ocorre no Brasil versão 2016. O texto impõe esta reflexão. As contradições do período da redemocratização pareceram perdurar até a promulgação da Constituição de 1988, mas parece que ainda não aprendemos nada e não superamos uma cultura autoritária que se confunde com a história do nosso país.
Estamos diante de incertezas e instabilidades no espectro político, mas Meninos em Fúria serve como o relato de uma geração calejada no testemunho do pior que o Estado Brasileiro poderia oferecer. Viveram isso, resistiram e sobreviveram com dignidade.
Os tempos são outros, mas se o autoritarismo e o arbítrio se reinventam debaixo do véu da democracia, este livro é a prova de que podemos aguardar novas formas de resistência cultural.