Você não aguenta mais o cinema nacional, com sua repetição infinita da temática “favela/nordeste/criminosos”? Queria ver algo diferente? Digamos, com mais cérebro? Que tal um autêntico filme de zumbis made in Brazil?
Pois é, regozije-se, caro delfonauta! A oportunidade chegou com Mangue Negro, um filme Z totalmente nacional, independente e, acredito eu, o primeiro longa de mortos-vivos da cinematografia tupiniquim, feito com pouca grana, elenco desconhecido e litros de sangue, como todo exemplar do gênero deve ser.
A sinopse não poderia ser mais simples. Defuntos voltam à vida e saem de dentro do mangue para atacar a vila mais próxima, que se resume basicamente a duas cabanas no meio do mato. Cabe ao simplório Luís abrir caminho entre os mortos ambulantes à base de machadinha (hell, yeah!) e salvar sua amada Rachel enquanto tenta achar um jeito de se declarar para ela.
Essa história de tons meio românticos, meio cômicos, me lembrou Fome Animal, clássico absoluto do gênero e um dos meus longas favoritos de todos os tempos. Já o estilo de direção, criando muito com poucos recursos, e o design das criaturas estão mais próximos do primeiro Evil Dead. O diretor Rodrigo Aragão até recorre ao uso constante de fades, uma das marcas registradas de Sam Raimi no filme em questão.
Mas, deixando as comparações de lado, o longa apresenta qualidades e defeitos em medidas iguais. Primeiro, vejamos o que tem de bom. Apesar da história batida, o filme tem um senso de humor muito bom, tão necessário a esse tipo de filme e que combina bem com a ambientação da história. É bem brejeiro e os diálogos são bem construídos. Só é uma pena que os zumbis não falem “miolos, miolos”. Ia ficar ainda mais engraçado.
Os efeitos especiais e de maquiagem, feitos pelo próprio Rodrigo Aragão, são o outro ponto forte. Não são apenas bons, são excelentes e deixam muita superprodução comendo poeira. As maquiagens dos zumbis são ótimas e bem variadas. Há animatrônicos bem realistas e até detectei uma cena que me pareceu ser em stop motion. E, se de fato for, também ficou ótima.
Ou seja, no quesito criaturas em putrefação e banhos de sangue, a produção está bem servida, com o fator gore batendo forte. Mas como disse, há problemas, e a maioria de ordem técnica, o que não seria nada de mais, se não chegassem a atrapalhar a apreciação da história. Mas chegam.
O que mais me incomodou foi a fotografia. Filmado em digital, me parece que a câmera não era das melhores, então a qualidade da imagem (ainda mais numa tela de cinema) é ruim, toda pixelada. A iluminação também não colabora, com uma variação enorme de cena para cena. Há tanto cenas estouradas demais por causa do Sol quanto sequências tão escuras que mal dá para entender o que está acontecendo.
A edição também apresenta problemas. É meio confusa em determinar o tempo das ações (há cenas diferentes que acontecem ao mesmo tempo e a montagem não mostra isso de maneira clara) e dá uma atrapalhada no andamento da história, deixando a narrativa meio quebrada. Vale falar também do elenco, que é irregular, mas esforçado. O porém é que o pior ator do conjunto é justamente o protagonista Luís. Eu o teria trocado pelo gordão que xaveca a Rachel no começo e é a cara do Bussunda!
Contudo, são problemas comuns a iniciantes (esse é o primeiro longa do diretor) e a uma produção de baixo orçamento. O que vale ressaltar é a louvável iniciativa de fazer um filme desses com a cara e a coragem num país onde a noção de cinema não sai daquele triunvirato temático lá do começo da resenha.
Torço para que outros filmes do gênero sejam produzidos em terras brasilis. Mangue Negro, como uma primeira tentativa, atinge um resultado satisfatório, que merece ser conferido e prova que é possível fazer cinema fantástico de bom nível no país. Basta querer.
O filme faz parte do SP Terror – Festival Internacional de Cinema Fantástico que acontece em São Paulo de 25 de junho a 2 de julho no Reserva Cultural. Ele será exibido nos dias 27 de junho, às 17h30 e 30 de junho, às 21h30.