Preparei o meu player com carinho para começar a escrever a matéria que você, delfonauta, está lendo. Misturando músicas do Angrae do Megadeth, a minha intenção era entrar no clima da mudança recente que aconteceu para as duas bandas, mas no fim percebi que valia mais a pena me concentrar no que escrever e não no que ouvir. Pois bem, apenas contei essa historinha para acabar logo com o temível primeiro parágrafo e mostrar que sim, eu também fiquei feliz com a entrada do Kiko no MegaDave.
Porém, não posso deixar de falar que toda essa história me provocou questionamentos e muito tempo de reflexão. Passada aquela primeira euforia que todo mundo sentiu quando viu que um brasileiro estava em uma das melhores bandas de Thrash Metal do planeta, pipocaram textos e comentários internet afora a respeito do que isso significaria. E, entre textos bons e ruins, vi que muitos viam a entrada do guitarrista como algo que alçasse o Metal Brasileiro a um novo patamar. E está aí algo que eu discordo.
MUDA MUITO PARA O KIKO, MAS QUASE NADA PARA O METAL NACIONAL
Eu entendo que comemorar a ida do Kiko para o Megadeth seja muito mais uma questão de orgulho nacional do que da salvação do Heavy Metal no Brasil. É legal ver um brasileiro em uma das maiores bandas de Metal do planeta, mas não vai ser isso que vai fazer as pessoas procurarem conhecer o Metal Brasileiro ou que vai abrir as portas para as bandas nacionais lá fora – ou o mundo todo passou a ouvir o Nevermore depois que Chris Broderick entrou para o Megadeth?
Criar uma carreira internacional, como o próprio Kiko sempre mostrou, depende de profissionalismo. Exportar seu produto e conseguir vender sua imagem internacionalmente tem muito mais a ver com desenvolver redes de contatos do que com de fato ser o melhor. Obviamente, eu não estou dizendo que basta tocar qualquer coisa para criar uma carreira internacional, mas quero mostrar que não será apenas a sua música que te levará a ser mundialmente reconhecido.
Um grande exemplo disso é Edu Ardanuy. O guitarrista do Dr. Sin é um guitarrista tão bom quanto Kiko, mas o que explicaria este último ter uma carreira internacional sólida e o primeiro não? Oras, tudo depende de como você se porta no mercado. O Angra, bem ou mal, sempre esteve na vitrine internacional. Seja fazendo turnês internacionais nos mais diversos países, seja gravando DVDs para revistas de guitarra, a banda sempre estava em evidência. Alguns acham que isso é apenas coisa do empresário, mas não é. O empresário tem contatos, mas não é ele quem faz a música, e se a banda não quiser construir uma carreira internacional, não vai ser o empresário que vai fazer isso sozinho.
Não quero com isso desmerecer Edu Ardanuy, muito pelo contrário: a carreira dele no Brasil é absolutamente sólida e seu nome é unanimidade seja no Rio ou no Tocantins. Contudo, o que quero é mostrar que para se atingir determinados objetivos na carreira você precisa se posicionar para tal – ou você acha que Kiko Loureiro trocou o endorsement das Guitarras Tagima pelo da Ibanez porque o trabalho da empresa japonesa era melhor?
E é claro que isso se aplica às bandas também. As bandas brasileiras que daqui a uns anos aparecerão internacionalmente são aquelas que estão trabalhando para isso, e um grande exemplo é o Noturnall. A banda do Thiago Bianchi, logo no primeiro trabalho, já estava trabalhando com Russell Allen. Gravaram clipes nos states, chamaram o vocalista para gravar o disco e o DVD da banda e já agendaram turnê conjunta com o Adrenaline Mobe com o Republica. Independente de a banda ser boa ou não, o fato de ela estar em evidência não aconteceu à toa.
O FATOR ANGRA
Até o fechamento desta matéria a única informação que havia a respeito da situação do guitarrista vinha do empresário Paulo Baron. O empresário disse que Kiko se mantinha no Angra e que apenas gravaria o álbum novo do Megadeth,o que seria a situação ideal para que o Angra não fosse prejudicado. Contudo, mesmo que Kiko fosse efetivado na banda de Thrash Metal,isso não necessariamente seria um problema – ainda que a princípio pareça.
Kiko já deixou claro que não deixará de cumprir com os compromissos agendados até então com o Angra, o que já é de praxe. Porém, pensando em termos de tempo, é perfeitamente plausível unir tanto Angra quanto Megadeth, e para isso basta que o álbum de uma seja intercalado com a turnê da outra.
Compor e gravar um álbum não toma tanto tempo e pode ser feito ainda que você tenha compromissos diversos. Fabio Lione, por exemplo, não passou seis meses em estúdio para gravar suas partes no Secret Garden – a parte pesada de ficar no estúdio acertando os detalhes não era dele, e também não será do Kiko quando ele gravar o disco do Megadeth.
Além disso, veja só: o novo álbum do Rhapsody of Firejá está sendo gravado e o Angra tem turnê agendada até o fim do ano. Talvez o panorama de estar gravando o álbum com uma banda e ter que fazer turnê com outra pareça uma situação ruim, mas Fabio Lione mostra que é algo possível. Além disso, o que mais temos são exemplos de projetos paralelos e carreiras-solo (a do Kiko mesmo é um grande exemplo) que conseguem ser mantidas em alto nível mesmo sendo intercaladas com a agenda da outra banda. Ou seja, é algo perfeitamente plausível.
Uma outra possibilidade seria que Kiko, devido ao trabalho no Megadeth, não pudesse se dedicar como antes ao Angra. Poderia se pensar que a distância entre um álbum do Angra e outro, a partir desse momento,fosse um pouco maior do que o normal para que Kiko pudesse dar conta, mas também não é algo que eu daria como certo. Ainda que o Kiko tenha um papel primordial na confecção dos álbuns, eu não seria tão arrogante de dizer que ele não poderia dividir nenhuma tarefa com Rafael ou Felipe. Isso tem a ver com a divisão interna da banda, e é algo tão singular que apenas eles poderiam falar a respeito.
O foco é que, ainda que surgisse uma situação em que Kiko não pudesse dar o mesmo apoio ao Angra que outrora deu, a última coisa que aconteceria é o Angra ser prejudicado por isso – como por exemplo pensar que Kiko começasse a não fazer os shows e fosse substituído. Ora, bandas não são times de futebol, que contam com reservas fixos, e nem nos times de futebol os jogadores se ausentam das partidas sem um bom motivo (ou na maioria das vezes, pelo menos). Éclaro que ele não passaria a ter um reserva fixo só porque está no Megadeth.
E já que falamos de como ficaria o Angra caso o Kiko não conseguisse lidar com a situação,será que haveria a possibilidade de ele sair da banda? Eu diria que, apesar de absolutamente improvável, não é algo que seria impossível de acontecer. Kiko é a alma do Angra, mas não é a única – Rafael Bittencourt é tanto quanto ou até mais importante do que ele.
Assim como David Ellefson saiu do Megadeth, Kiko também poderia sair, ainda que seja algo extremamente improvável. E, apesar de parecer, dizer isso não é nenhuma polêmica: se Andre Matos, que também era a cara e a alma do Angra nos primeiros discos, se mostrou substituível, por que Kiko não o seria?
O QUE O FUTURO RESERVA PARA KIKO?
Se o próximo disco do Megadeth fará jus à qualidade dos músicos envolvidos, só saberemos quando ele for lançado. Da mesma forma, não há como saber como o futuro do Angra se desdobrará daqui para frente, ainda que declarações futuras possam dar algumas pistas.
Kiko Loureiro conta com a torcida de toda uma nação. Todo e qualquer músico brasileiro está na expectativa para que dê tudo certo para o guitarrista, seja dentro ou fora do Metal. Agora, se vai dar certo ou não, apenas o tempo dirá.