Juan dos Mortos

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Juan dos Mortos é uma inspiradora história sobre superação. Isso porque o filme saiu no mundo inteiro no início de 2011, e inclusive foi destaque aqui no DELFOS na clássica sub-sub-sub-seção filme bizarro do dia. O tempo passou, quem queria assistir pegou um avião para a Argentina e muita gente esqueceu dele.

E assim, de repente, chega o convite para a cabine. “Nossa senhora, este filme vai estrear aqui agora?”, pensei com meus botões. E a resposta para a minha pergunta, amigo delfonauta, é sim, ele vai.

Vou deixar a sinopse de hoje a cargo do próprio diretor. Diz aí, Alejandro: “Os cubanos sempre reagem do mesmo jeito em situações difíceis. Primeiro, nós tentamos ganhar dinheiro. Depois, tentamos sair do país. É isso que os protagonistas do filme fazem”.

A situação difícil a que o diretor se refere, caso você não tenha um poder de dedução muito desenvolvido, é o apocalipse zumbi. Quando os miolentos finalmente aparecem em Cuba em busca de “sesos” (miolos em espanhol), Juan e sua patota resolvem abrir uma empresa que mata seus entes queridos por um preço módico.

HUM… SESOS…

Juan dos Mortos começa bem devagar, e demora muito para de fato demonstrar que é uma comédia. No entanto, ele vai melhorando exponencialmente ao longo da projeção. Para você ter uma ideia, enquanto assistia fui imaginando a nota que ele levaria. Começou com 2,5 e, como você pode ver, acabou fechando em 4,5.

Como todo admirador do cinema Z sabe, o gênero surgiu quando George A. Romero fez A Noite dos Mortos Vivos como uma forma de apresentar o medo dos estadunidenses em relação às culturas externas, mas principalmente o comunismo.

Estes comentários políticos estão presentes em toda a obra Z do Romerito, mas com a popularidade que o gênero ganhou desde Extermínio e, especialmente, desde The Walking Dead, acabou se tornando uma característica um tanto esquecida. E este é justamente o ponto mais forte de Juan dos Mortos. Seu humor é inteligente e quase sempre político. Desta forma, o seu aproveitamento das piadas e da história em geral estará diretamente relacionado ao seu conhecimento da relação entre Cuba e os Estados Unidos.

Se você é um amante do cinema Z, provavelmente já viu aquela piada clássica em que um caipira fica reclamando dos “zumbis comunistas”. Pois Juan dos Mortos inverte isso. Aqui os zumbis são chamados de coisas como “dissidentes”, “imperialistas” e “iconoclastas”, entre outros apelidos igualmente engraçados. Afinal, como se trata de um longa cubano (ainda que com participação espanhola), aqui os capitalistas são os inimigos.

É engraçadíssimo prestar atenção na forma como o governo cubano divulga o apocalipse zumbi e, assim como essa, existem muitas outras piadas que ficam em segundo plano, recompensando apenas os espectadores que prestarem atenção. Não deixe de olhar para o fundo, coisas pichadas na parede e detalhes do tipo, pois há excelentes piadas e comentários políticos nesses detalhes.

Independente de piadas, vale a pena prestar atenção na direção, pois Alejandro Brugués manda muito bem, com planos belos e criativos. Tem até um plano sequência! Aliás, a qualidade técnica é tão alta que, ao contrário do que pode parecer pelo título e circuito no qual o filme estreia, o que temos aqui não é, de forma alguma, um filme de baixo orçamento. A julgar pelo visual e pela quantidade de patrocinadores, eu diria inclusive que Juan dos Mortos foi abençoado com um orçamento do qual George Romero talvez só tenha conseguido se beneficiar em Terra dos Mortos.

IÉCATI… SESOS…

Porém, se o subtexto político e as piadas são afiadíssimas, o mesmo não pode ser dito da história. Em todas as cenas de ação, os personagens se movimentam e agem como se fossem personagens de videogame. Isso é legal, e bastante engraçado, mas demonstra que tanto os personagens quanto o filme em si são cientes do que rola na cultura pop atual. E ainda assim, quando eles encontram um zumbi pela primeira vez, ficam pensando se ele é um vampiro ou um possuído. Eles até tentam enfiar uma estaca no coração. Se eles são tão cientes da cultura pop, como não sacaram imediatamente que estavam diante de um miolento?

O parágrafo anterior pode ser uma picuinha minha, mas há também grandes furos. Este primeiro zumbi, em especial, não foi mordido por ninguém. Aparentemente, morreu de morte natural. Isso demonstra que Juan dos Mortos segue as regras do Romero, em que todo presunto volta da morte, não apenas aqueles mordidos por zumbis. No entanto, tem alguns personagens que morrem sem nenhum dano no cérebro e não voltam. A narrativa dá a entender que apenas os mordidos estão infectados, mas se esquecem dos zumbis que aparecem sem terem sido mordidos por ninguém. A impressão que dá é que houve alguma indecisão na hora de escolher as regras que seguiriam, o que é corroborado pela existência dos zumbis lentos romerianos e pelos rápidos pós-Extermínio.

Apesar do início lento e de alguma falta de cuidado no roteiro, ainda assim Juan dos Mortos é um filme recomendadíssimo para fãs do gênero. É divertido, é engraçadíssimo e, principalmente, é político. E seu país de origem faz com que sua mensagem política seja bastante diferente do que costumamos ver no cinema Z. Então, caso você ainda não tenha arrumado uma cópia na terra dos hermanos, não perca a oportunidade de assisti-lo agora, seja com os compatriotas do Maradona ou com os do Pelé.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
juan-dos-mortosPaís: Cuba / Espanha<br> Ano: 2011<br> Gênero: Comédia Z<br> Duração: 100 minutos<br> Elenco: Alexis Díaz de Villegas, Jorge Molina, Andrea Duro e Andros Perugorría.<br> Diretor: Alejandro Brugués<br>