Fracked é o tipo de jogo do qual o VR precisa. Trata-se de um FPS single player, com história, atores, cenas de ação pintudas e uma campanha completa. Infelizmente, embora ele seja muito bonito e tenha uma excelente jogabilidade, parece não ter sido suficientemente testado.
Não me refiro a bugs no estilo Cyberpunk 2077. É pior que isso. Fracked é um jogo de VR que me fez passar MUITO mal. Inclusive, fazia um bom tempo que um lançamento não me deixava tão enjoado. Achei até que, depois de alguns anos da tecnologia, os desenvolvedores haviam aprendido todos os truques para evitar isso. Mas vamos começar falando do que ele faz bem.
IMPRESSÕES FRACKED
Fracked é, sob todos os aspectos tirando esse do enjoo, um jogo muito legal. A primeira coisa que você vai perceber é quão bonito ele é. Seus gráficos cel shaded são caprichados e detalhados, cheios de cores vivas, e lembram bastante o Borderlands.
Por ser um jogo de tiro em VR, a primeira comparação que vem à mente é o excelente Blood & Truth. Fracked não tem o orçamento de um first party da Sony, mas compensa com muita criatividade. Em muitos aspectos, ele consegue ser até melhor do que Blood & Truth.
FRACKED E A CRIATIVIDADE DE UM NOVO COVER SHOOTER
Um exemplo? A forma que você recarrega as armas aqui é muito mais confortável. Você não precisa pegar um pente novo no cenário ou no seu cinto. Você aperta um botão para jogar o pente atual fora, e daí basta fazer o movimento para enfiar um novo. Em seguida, movimente o cano e a arma está pronta para atirar. É mais complicado do que simplesmente apertar um botão, mas é também bem rápido quando você se acostuma. E como a velocidade do carregamento depende apenas da sua própria velocidade em fazer os movimentos, é bem emocionante quando seu pente acaba bem na frente de um caboclo. Quer outra coisa legal? Se liga como você vê a quantidade de munição restante no pente.
Outra coisa muito criativa foi a forma de usar coberturas. Outros jogos de VR exigem que você se abaixe para se esconder e estique o pescoço para ver fora dela. Aqui a solução é bem mais prática e funciona bem melhor. Você deve, com a mão que não estiver com a arma, segurar um muro e fazer um movimento com ela, como se fosse “levantar o muro” para te cobrir. Isso faz o personagem abaixar. Para olhar por cima, basta segurar e “empurrar para baixo”. É difícil de descrever com palavras, mas funciona realmente muito bem. O único problema é que ocasionalmente você pode tentar se esconder atrás de paredes que não servem para isso, e o jogo não deixa claro quais funcionam e quais não. Isso vai causar mortes, e daí entramos no principal problema.
DIFICULDADE DE FRACKED
Como manda o padrão do gamedesign atual, Fracked é um jogo MUITO difícil. Ele tem opções de dificuldade, mas pelo que pude perceber, a diferença entre elas é que o fácil coloca uma mira laser na sua arma e o difícil tem permadeath. Todo o resto, como sua vida e a dos inimigos, parece ser igual não interessa qual você escolha.
Os checkpoints são EXTREMAMENTE distantes. Você passa por uma área que deduz ser um checkpoint, morre na próxima sala e pensa que vai voltar dali? Não, você vai voltar do que poderia ser uns três ou quatro checkpoints atrás. Isso já é um problema grave em qualquer jogo, mas em VR você realmente não quer ficar repetindo as coisas. Especialmente se ele te dá vontade de vomitar. E, infelizmente, este é o caso de Fracked.
ENJOANDO EM FRACKED
Fracked tem algumas opções tradicionais de conforto, como diminuir o campo de visão enquanto se movimenta. Porém, elas não compensam as muitas regras de VR que ele quebra. Por exemplo, é sabido que chegar muito perto de uma parede em VR causa desconforto. Só que Fracked é um cover shooter. E por mais que a jogabilidade das coberturas seja legal, isso significa que você vai passar boa parte do tempo encostado em uma parede.
Mas o pior mesmo é que, quando você não está em arenas de tiroteio com dúzias de inimigos, está escalando. É uma coisa meio Uncharted, que visa trazer emoção através de ações roteirizadas, como plataformas que quebram quando você segura nelas. E se você já escalou em VR, sabe que isso é muito propenso a causar enjoos. Tem uma opção no menu para desativar as escaladas, mas eu fiz isso e não reparei nenhuma diferença.
Basicamente, no tiroteio eu até consigo me aguentar bem, embora sem o mesmo conforto de um Resident Evil 7 (para citar outro jogo de tiro com movimento livre em VR). Mas quando era obrigado a escalar algo, eu sabia que chegaria no outro lado segurando o vômito. E algumas fases começam com longas escaladas, e isso é grave por um motivo muito claro.
QUERO PARAR DE JOGAR. E AGORA?
Embora tenha checkpoints nas fases, Fracked só salva o progresso quando você termina um capítulo. Então se você começar passando mal, como acontece quando uma fase inicia com escalada, vai ter que aguentar até terminar. E as fases chegam a durar 60 minutos, dependendo do quanto você morrer. O jogo causar enjoo seria menos grave se você pudesse simplesmente salvar e parar de jogar imediatamente caso se sentisse mal. Infelizmente, Fracked exige que você suporte o sofrimento no mínimo até o fim da fase.
Assim, minha rotina com o jogo era sempre igual. Eu começava a fase. Me empolgava com os gráficos e com a jogabilidade bacana. Aos poucos começava a passar mal. A suar frio. A ficar com vontade de vomitar. Queria parar de jogar, mas não podia, ou perderia tudo que joguei. Então continuava até o final da fase, torcendo para ela acabar logo, e sem me divertir nem um pouco.
Além disso, estava jogando para review, antes do lançamento. Então não era o caso de jogar no meu tempo, uma fase por dia, ou a cada dois dias. Eu mesmo comecei a me forçar a jogar, terminar um capítulo, ir deitar um pouco para me recuperar e, quando me sentisse melhor, voltar para fazer mais uma.
POR QUE EU FIZ ISSO COMIGO MESMO?
Com essa minha pressão autogerada (e que fique claro que fiz isso por vontade própria, não por pressão da editora que nos forneceu o código nem nenhum outro motivo), eu fiquei mal o sábado inteiro. Afinal, sempre que me sentia um pouco melhor, voltava para o jogo, na esperança de terminá-lo a tempo de ter um review completo a tempo para o fim do embargo.
A patroa começou a falar “esse jogo tá te fazendo muito mal”. E estava. Eu comecei a pensar “por que estou fazendo isso comigo mesmo?”. E daí resolvi parar de jogar. Completei cinco das oito fases da campanha. Não acho que a minha opinião mudaria, mas é por causa disso que você está lendo um texto que tem no título a palavra “impressões”, e não “análise”.
Se Fracked permitisse salvar os checkpoints e parar de jogar a qualquer momento, já seria muito mais suportável. Se a opção de desativar a escalada funcionasse, provavelmente eu aguentaria jogá-lo por muito mais tempo. Porém, do jeito que está, simplesmente não dá para recomendar. Ele faz muitas coisas muito bem, e a realidade virtual precisa de mais jogos “completos” como este. Mas não adianta nada se ele faz o jogador vomitar.
Em tempo, aí embaixo tem um gameplay estendido do jogo. Essa fase realmente está na campanha, com o mesmo level design, mas o vídeo tem uma certa edição para parecer mais bem feito. Coisas comuns no jogo, como sua mão atravessar paredes ou ficar voando no meio da tela enquanto você se movimenta não acontecem aí. Ainda assim, vale a pena assistir, e sonhar com o que Fracked poderia ser se tivesse sido testado com um pouco mais de cuidado.