Atomic Heart é um jogo cujo desenvolvimento acompanhei com bastante interesse. Gosto da sua temática, mas convenhamos que o timing do lançamento foi péssimo. O jogo conta uma história em um mundo no qual a União Soviética se tornou a maior potência. Depois da Segunda Guerra Mundial, eles elaboraram alta tecnologia, e isso permitiu que se tornassem um dos países líderes do nosso planeta.
Isso faz com que, por motivos da própria história, haja bastante glorificação da União Soviética, da pátria mãe, como eles chamam. Não é nada muito diferente do que vemos em games tradicionais sobre os EUA. Mas a coisa se agravou bastante quando começou a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, na qual o mundo deu as mãos ao considerar a Ucrânia como vítima.
Isso fez com que a temática de Atomic Heart ficasse um tanto polêmica. E a falta de comunicação política da desenvolvedora Mundfish não ajudou neste aspecto, pois há informações de que o governo russo participou de alguma forma do financiamento do jogo. Para piorar, a data de lançamento (amanhã, 21 de fevereiro de 2022) escolhida foi quase exatamente um ano depois do início da guerra, e mesmo isso não foi explicado como intencional ou coincidência. Bom, este é o contexto por trás do game de hoje. Agora vamos falar do game em si.
ATOMIC HEART
Atomic Heart é um FPS com influências fortes e claras especialmente de Bioshock e Fallout. O combate é uma mistureba bem interessante. Combina tiroteio tradicional, com corpo a corpo em primeira pessoa estilo Dying Light. Também tem magias que lembram muito as plasmids de Bioshock, como choque e telecinese.
Por fim, você pode acrescentar danos elementais estilo RPG em cada um dos seus ataques. Por exemplo, pode fazer com que sua arma de fogo congele, enquanto seu machado queima. Tem bastante espaço para criatividade, mas o gameplay em si é solto. Um tanto bagunçado e com mecânicas demais que não funcionam em harmonia. Isso acaba dando aquela sensação de “é complicado demais”, e vai levar a maioria a apenas alternar entre os estilos, sem interagir de forma mais profunda com os sistemas.
MUNDO ABERTO POR QUÊ? PORQUE SIM, ORAS!
Além disso, Atomic Heart traz um mundo aberto. Mas até onde joguei, é um mundo aberto extremamente gratuito, mais até do que os de Halo Infinite e Gears 5. A campanha começa de forma linear e segue assim por muito tempo. Sem exagero, acredito que essa “primeira fase” dura umas cinco horas. Nela, a coisa lembra bastante o estilo de Bioshock, com vários caminhos, atalhos e upgrades para quem explorar e não apenas seguir os marcadores de objetivos. A coisa combina puzzles, combate e abertura de gavetas, como você espera de uma obra com essas influências.
Os puzzles são, na imensa maioria, aquelas coisas chatinhas de minigames necessários para abrir portas. E nenhum deles é especialmente legal. Ou você precisa apertar o botão quando as luzinhas estiverem no local certo, ou deve “montar” lasers da forma correta ou, claro, encontrar a combinação escondida em algum lugar. Nenhuma porta trancada me fez pensar “oba, é hora de um minigame”. Muito pelo contrário. E o jogo é quase totalmente composto de portas trancadas. Em outro puzzle chatinho, eu precisei guiar uma bolinha através de um cano para levá-la até o forno.
Daí, depois de um bom tempo de “fase”, você sai para o mundo aberto. O mapa só te deixa ver um pequeno pedaço dele, o que torna impossível determinar o tamanho do bagulho, ou mesmo ver o que tem de atividades opcionais. Eu fui seguindo waypoints. Até onde pude perceber, tem algumas áreas opcionais que abrigam upgrades, mas até onde cheguei não vi sidemissions nem nada do estilo. Apenas colecionáveis mesmo.
ABRE, FECHA
Fui seguindo os waypoints no mundo aberto, evitando combate com os inimigos que estavam no caminho. Eventualmente, rolou um combate com um chefe (que foi chatinho também), e depois tive que resolver um puzzle que abriu minha entrada em uma nova fase estilo Bioshock. Nesta fase, havia vários puzzles em que precisava rotacionar o cenário para passar – ideia até interessante. Mas eu caí quando virava o cenário em um ponto que parecia não ter saída. O último save tinha sido mais de dez minutos atrás. Foi aí que desisti, mas admito que tirando a abertura do game, quando estava curtindo o mundo em si, o gameplay de Atomic Heart não me animou em nenhum momento.
O que deixou Atomic Heart tão cansativo, no entanto, foi sua user experience. Todos os menus exigem o uso de um cursor de mouse, o que é sempre péssimo. Mas até aí, Deathloop faz a mesma coisa de forma melhor. Toda a usabilidade do jogo, mexer em menus, administrar inventário (no estilo maleta de Resident Evil 4) é muito ruim. É difícil ver a quantidade de cada item que você precisa para fazer um upgrade ou mesmo quanto de cada está pegando ao abrir as dúzias de gavetas. A mesma coisa sobre pontos de upgrade e até dos upgrades em si. É tudo muito mais complicado do que deveria.
LEGENDAS E TODO O RESTO
Para completar, todo o texto que o jogo apresenta é muito pequeno, e muito bagunçado. É comum, por exemplo, as falas de dois personagens aparecerem nas legendas ao mesmo tempo, mas a que é falada antes aparece embaixo.
Não tem opção de aumentar as legendas, mas tem possibilidade de colocar tanto a dublagem quanto as legendas em português brasileiro. Eu cheguei a jogar um pouco dublado já que não conseguia ler as legendas, mas a quantidade de palavrões (em geral com finalidade humorística) me fez mudar, já que a minha filha estaria perto de mim enquanto jogava. O humor é até legal, e certamente me fez rir algumas vezes. A ambientação também é bacana. Mas o gameplay e essas pequenas falhas de qualidade de vida, como tamanho das legendas e menus que precisam de cursor de mouse tornam Atomic Heart extremamente cansativo.
Isso sem falar no próprio design dos quests. O robô da imagem acima me pediu um passe para poder andar de trem. O jogo me mostrou quatro waypoints para eu investigar. Fui em três e, no terceiro, encontrei o passe. O game me mandou voltar para o robô, que me disse que o passe estava expirado. Tive, então, que ir ao quarto waypoint, que tinha sumido quando consegui o primeiro passe. Esse tipo de coisa pra mim é pura perda de tempo. E eu estou velho demais para aguentar perda de tempo. Tive a mesma sensação cada vez que encontrava uma porta trancada, e minha luva (é, a luva é um personagem) me falava que eu precisava encontrar cinco coisas espalhadas pela fase. Uma ou outra vez, isso passa, mas praticamente todo objetivo se dividia dessa forma.
SIGA A ANDROIDE – E O GAME ATOMIC HEART
Em outro caso, o game mandou eu seguir uma andróide para ela abrir uma porta para mim. Ela ia andando lentamente e, a cada detalhe no cenário, ela parava para fazer um comentário engraçadinho. E longo. Isso não era história, eram só piadinhas meio infames mesmo, mas você é obrigado a esperar todas elas para que ela finalmente abra a porta. Este é o tipo de quest design que você vai encontrar aqui. E, sinceramente, não me anima nem um pouco.
Atomic Heart tem algumas das fundações de um bom jogo. Claramente muito amor foi investido em seu combate. Os gráficos são bem legais, especialmente considerando que não é um AAA. Porém, suas falhas em qualidade de vida e quest design são graves demais para simplesmente suportar jogar até o final. Daí fica difícil de recomendar.