Leia também: as nossas resenhas de God of War 3 e God of War 1.
O delfonauta provavelmente considera God of War um dos melhores jogos para PS2, senão o melhor. Ok, então estamos de pleno acordo. Embora, na minha opinião, seja bastante irregular e com muitos defeitos, quando ele é bom, é realmente muito bom. Isso faz com que se destaque de uma geração de videogames completamente sem sal, onde empurrar caixas se tornou o principal elemento de todos os gêneros, da plataforma aos beat’em ups (e isso também foi refletido no game em questão). Aliás, se você não jogou o primeiro, vá jogar e volte aqui depois, pois este texto terá alguns spoilers relativos à sua história.
God of War tinha muitas qualidades: cenários enormes, jogabilidade simples, mas excelente e, principalmente, uma história cabulosa, de pirar o cabeção de qualquer um que curta mitologia grega. Mesmo sabendo desde o início do jogo que a missão do protagonista Kratos era matar Áries, o deus da guerra, eu definitivamente não esperava que ele viesse a ser escolhido como o substituto do carinha. E achei isso muito tremendão, pois poucas vezes um jogo me deu uma sensação de conquista tão grande ao terminá-lo (o que, nesse caso, foi independente da dificuldade).
Por todos esses motivos, God of War II tornou-se um dos jogos mais esperados deste ano. Em uma estranhíssima decisão, a Sony optou por lançá-lo apenas para PS2, deixando de lado o PS3, seu futuro grande fracasso, onde deveria estar colocando todas as suas fichas no momento. Com isso, este acabou se tornando o “último grande jogo de PS2”. Mas será que essa foi uma boa decisão? Afinal, é inegável que um game deste porte se beneficiaria muito de um sistema mais poderoso. Para analisá-lo como ele merece, vamos por partes.
GRÁFICOS
Os gráficos já eram bons antes. Isso é fato. Embora o PS2 nunca tenha sido um grande exemplo de poderio técnico, não é aí que as imagens se destacavam, mas sobretudo no design e na direção de arte. Tanto os cenários como os personagens foram criados cuidadosa e criativamente. Por mais que, tecnicamente, o jogo fosse tipicamente de PS2, não dava para não soltar uns “Uau” ao ver coisas como o tamanho do titã Cronos ou a beleza de alguns locais, sobretudo próximos ao final. Todas essas características foram mantidas e os gráficos continuam belos, porém sem grandes alterações. É graficamente o mesmo jogo que você já conhece e, em boa parte do tempo, fiquei pensando como algumas cenas, como a batalha contra o Colosso de Rodes ficariam tremendonas em um Xbox 360. Aliás, uma curiosidade: pela primeira vez em uma continuação no mundo dos games, uma animação foi cortada. Trata-se daquela pose de mergulho que Kratos fazia quando você pulava na água. Aqui ele simplesmente pula normalmente. Ou, se a animação existe, eu não a vi nenhuma vez.
Assim como no primeiro, a câmera é fixa, ou seja, você não pode olhar para onde quiser, o jogo se encarrega de dar a melhor visão do local. Ou, pelo menos, assim deveria ser. Eu acho isso até legal, mas o problema é que a Sony usa esse artifício para esconder segredos. Tudo bem ter lugares escondidos, mas usar a câmera para esconder uma área que seu personagem veria claramente é uma maracutaia bem sem graça, na minha opinião. E o pior, em alguns momentos, ela inclusive oculta o caminho para onde você deve ir. Teve uma hora que eu tive que parar o jogo e procurar na Internet apenas para descobrir que eu deveria andar em direção a uma aparente parede e então a câmera viraria e mostraria que lá existe uma escada. Ora, faça-me o favor, né, Sony?
SOM
Nesse ponto, sem dúvida houve uma grande evolução. As músicas e efeitos sonoros são praticamente os mesmos que antes, mas os efeitos surround melhoraram muito. O som ainda é Dolby Pro Logic, mas dessa vez funciona tão bem que até parece 5.1 real. É uma pena que os programadores só tenham aprendido a usar essa tecnologia no final da vida do console.
Infelizmente, mesmo assim eles não aprenderam tão bem, já que em muitos momentos, você se verá obrigado a desligar o Pro Logic para ouvir as vozes dos personagens, que ficam extremamente baixas. A falta de legendas nas cutscenes deixa isso ainda mais grave. O pior é pensar que uma simples mixagem mais caprichada teria resolvido o problema.
DIFICULDADE
O jogo anterior não era difícil e esse também não é. Não acho que ninguém terá dificuldade de chegar até o final no Easy, por exemplo. Cheguei a jogar também no Hard e, comparativamente, achei mais fácil do que o anterior, embora “fácil”, nesse caso, possa ser um exagero. Não cheguei a jogar ainda na maior dificuldade, chamada Titan.
A HISTÓRIA E AS “PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS”
Esse era um dos pontos onde o primeiro jogo brilhava. Aqui, Kratos é traído por Zeus. Como um bom troglodita vingativo, decide partir em uma vendeta contra o deus-mor do Olimpo. Para isso, deverá encontrar e solicitar a ajuda das Irmãs do Destino, que têm o poder de alterar passado e futuro, submetendo até mesmo Zeus à sua vontade. Contudo, esse caminho não será fácil (a não ser que você jogue no Easy). Para começar, muitos outros personagens míticos estão procurando as Irmãs, cada um para cumprir seus próprios objetivos, nem sempre relacionados ao que eles realmente fizeram na história original da mitologia grega. Entre os que estão procurando as irmãs, encontra-se inclusive Ícaro, um dos personagens mitológicos preferidos da minha infância e abordado até pelo Iron Maiden na tremendona Flight of Icarus.
Entre as outras participações mitológicas no jogo (não necessariamente como inimigos) estão o Colosso de Rodes (logo no início, em uma luta tremendona que lembra a Hidra do primeiro jogo), Kraken, Perseu (curiosamente dublado por Harry Hamlin, de Fúria de Titãs), Jasão, Fênix, Prometeu (uma participação deveras legal) e Euryale – esta uma das três Gorgons, irmã da Medusa, que quer vingar a morte de sua maninha no primeiro jogo (uma das mais mal aproveitadas lá, já que nem chefe foi, tadinha). Aliás, uma curiosidade, tanto Euryale como a outra irmã da Medusa, Sthenos, já apareceram em Sandman. A maior decepção dos novos personagens é Pégaso, o cavalo alado, já que as fases de vôo são bem chatinhas. Assim como no primeiro, contudo, as características dos personagens originais são mantidas, mas não necessariamente sua história (afinal, não consta que Ícaro, por exemplo, foi solicitar uma audiência com as Irmãs do Destino).
Para atingir seu objetivo, você terá ajuda dos titãs, como Atlas (dublado pelo Rei do Crime, Michael Clarke Duncan), Cronos e Gaia, que querem se vingar do que Zeus fez com eles e vêem em Kratos um aliado poderoso para a guerra que está por vir. Na verdade, Gaia assume o papel que no primeiro jogo foi de Atena, como a narradora e guia do protagonista. Tudo que antes era “dos deuses”, aqui muda para “dos titãs”, como o “modo berserker” Rage of the Gods, que virou Rage of the Titans. Isso fez com que eu deduzisse logo no início que, ao terminar o jogo, Kratos seria promovido ao status de titã (ou seja, mais que deus). Embora isso seja legal, já não tinha a mesma criatividade do primeiro, parecia apenas um remake turbinado da história original.
Contudo, embora eu tenha certeza que esse será o destino de Kratos no futuro, não é o que acontece aqui, já que a história, neste jogo, é cortada no meio. Manja aquelas trilogias clássicas, tipo Star Wars ou Matrix, onde os criadores não sabem se haverá uma continuação, então a primeira parte termina amarradinha? Já para a segunda, quando o sucesso é garantido, eles cortam antes de terminar? Pois então, God of War vai por aí, indicando, inclusive, que será uma trilogia e, talvez seja por isso mesmo que a Sony lançou este para PS2. Assim os jogadores ficam curiosos e se sentem forçados a comprar o PS3 para ver a conclusão. Que feio, Sony!
JOGABILIDADE
Pois chegamos ao principal, e posso dizer que God of War é praticamente tão bom quanto o antecessor. E aí está o problema. Uma continuação de videogames tem que ser muito melhor, a ponto de ofuscar tudo que foi conseguido antes. Compare, por exemplo, o clássico beat’em up de Mega Drive, Streets of Rage. O primeiro era muito legal, mas quando o segundo saiu, deixou todo mundo babando pelas muitas melhoras que foram feitas. Isso não acontece com God of War II. A sensação que tive ao jogá-lo foi apenas que estava jogando novas fases do mesmo jogo, não um game completamente novo. Parecia mais um pacote de expansão, para falar a verdade.
Para piorar, várias das coisas que eu mais gostava foram pioradas aqui, o que não faz nenhum sentido. E digo quais: para começar, no primeiro jogo, quando você refletia um ataque, poderia contra-atacar com um golpe tremendão, onde Kratos abria suas armas e derrubava toda a galera ao seu redor. Aqui esse movimento foi substituído por uma pequena explosão que tem um alcance muito curto e que, freqüentemente, nem mesmo acerta o alvo do seu contra-ataque, tornando-se praticamente inútil.
Mas tem mais. Meu combo preferido também foi excluído. Manja aquele onde você dava um golpe e em seguida segurava o botão para uma seqüência devastadora? Já era! Se você fizer isso aqui, vai simplesmente executar uma corridinha e uma ombrada bem mequetrefe.
Para completar a trilogia das coisas que pioraram, temos as mágicas. No início do jogo, você ainda tem a divertida Poseidon’s Rage, mas logo a perde. E nenhuma das novas é tão legal quanto ela. A que chega mais perto se chama Atlas Quake e é a última a ser adquirida, mas nada mais é do que uns golpes no chão que fazem cair pedra, nada muito criativo. Além dessa, temos também um arco e flecha de vento, que tem basicamente o mesmo efeito dos raios de Zeus do primeiro, mas sem o mesmo charme mitológico e umas bolinhas de eletricidade que imobilizam os inimigos, também bastante sem graça. A única mágica que realmente está de volta é justamente a mais chata, a cabeça da Medusa, que transformava inimigos em pedra. Aqui, é claro, ela é a cabeça de Euryale, mas o efeito é o mesmo e também continua a mais sem graça. Considerando que dessa vez as mágicas são concedidas pelos titãs, elas deveriam ser bem mais tremendonas que as do primeiro, mas não tem nada aqui com um efeito tão devastador quanto o causado pelas almas de Hades no primeiro jogo.
Outra coisa que me decepcionou bastante é que você começa o jogo com a mesma força do jogo anterior, com as Blades of Chaos/Athena completamente turbinadas, mas logo perde tudo e passa mais da metade do restante simplesmente retornando ao ponto que estava quando o jogo começou. Uma péssima decisão pois, ao invés de sentirmos que estamos ficando cada vez mais fortes, sentimos apenas que estamos retornando a um ponto onde já tínhamos chegado.
Por outro lado, uma coisa que foi bem melhorada aqui foi o Rage of the Gods, rebatizado de Rage of the Titans. Para começar, ele não demora tanto quanto antes para ser completado, até porque existem baús que fornecem energia para isso. Mas o melhor mesmo é que você pode usá-lo sempre que tiver pelo menos um quarto da barra cheia e o mais legal, pode interrompê-lo a hora que quiser. Isso significa que você pode brincar com ele com mais freqüência (já que enche rápido e que você não precisa torrar tudo de uma vez). Isso foi, possivelmente, a melhora mais substancial feita na jogabilidade pois, no jogo anterior, o Rage of the Gods era usado, se tanto, umas três vezes durante toda a história.
Quanto às armas, temos algumas a mais do que no jogo anterior. Além da padrão, as “lâminas do caos” (aqui chamadas de “lâminas de Atena”, mas é a mesma coisa), durante o jogo adquirimos um martelo, uma espada e uma lança, contudo, assim como no anterior, a mais legal e mais estilosa é mesmo a original, deixando poucos motivos para você usar as outras, ou mesmo “upgradeá-las”. Uma curiosidade é que a lança é a famosa Lança do Destino, que não veio da mitologia grega, mas da cristã. Trata-se da lança que um soldado romano usou para verificar se Jesus estava realmente morto depois de crucificado. A inclusão dessa arma é bem curiosa, já que as histórias da mitologia grega acontecem antes de Cristo.
Muitas pessoas reclamavam que o jogo anterior pecava pela falta de chefes legais, já que tínhamos apenas três (dos quais só a Hidra era realmente legal, na minha opinião). Pois a Sony ouviu o clamor do povo e atendeu à sua vontade. God of War II tem uma cacetada de chefes, mas boa parte deles é muito menos épico que no primeiro, já que a quantidade de seres enormes na mitologia não é assim tão grande quanto parece. Dos grandões, acredito que temos apenas o Colosso de Rodes, Kraken, Clotho (uma das três Irmãs do Destino) e Zeus, mas desses, apenas os dois primeiros têm batalhas realmente emocionantes. Tem também uma batalha muito legal contra um personagem que não faz parte da mitologia, mas cuja direção de arte é fenomenal. Você assiste à luta de lado e vê apenas as silhuetas dos caras. Mais uma bola dentro do visual caprichado da série.
Aliás, a tradição estabelecida pelo primeiro é tão respeitada aqui que inclusive temos apenas duas fases (a primeira, que introduz a história e que termina com a luta contra o Colosso) e todo o resto, que vem logo depois, sem interrupções. Assim como no primeiro, infelizmente, a primeira fase é bem melhor do que o resto e é também a mais impressionante.
Outra grande melhora feita foi em algo que inclusive reclamei na minha resenha (acho que a galera da Sony lê o DELFOS): os upgrades. O sistema ainda é o mesmo, e você precisa ficar segurando o botão enquanto as orbs vão sendo colocadas nas armas, mas pelo menos agora isso acontece bem mais rápido, não chega a demorar alguns minutos como no anterior. Ainda está longe do ideal, ou seja, um instantâneo, que você escolhe, aperta e pronto, mas já melhorou bastante.
Também estão de volta os minigames, que são até legais. É igual ao anterior: quando um inimigo ou um chefe estão fracos, você chega perto deles e aperta bola. Isso dará início a um fatality deveras violento. Aliás, algumas dessas animações são fenomenais. Por exemplo, em uma delas, você pula nas costas de um grifo, corta suas asas e depois cai de novo em cima do seu amiguinho Pégaso. E isso é só um exemplo, pois as dos chefes são ainda mais violentas e complexas. Eu gosto desse tipo de minigame, que lembra clássicos como Dragon’s Lair, mas aqui eles são prejudicados pelo péssimo controle de PS2 e seus quadrados, bolas e triângulos que não fazem sentido nenhum. Muitas vezes, eu morria por não lembrar onde ficava o maldito triângulo, o que nunca aconteceria em um controle tradicional, com letras na ordem alfabética, por exemplo.
Os inimigos também receberam reforços. Isso deixou o jogo bem mais dinâmico pois o primeiro era um pouco limitado nesse aspecto. Aqui temos vários novos monstros a serem dilacerados sadicamente por Kratos e, felizmente, isso faz com que personagens pentelhos, como as Górgons e os Satyr apareçam menos (espero que em God of War III eles sejam eliminados).
Por fim, temos os maledetos puzzles genéricos, do tipo, empurre uma caixa para lá, coloque um corpo no botão para abrir a porta e coisas assim. Alguns deles são bem chatos e, particularmente, como eu odeio esse tipo de coisa, quando eu não matava de cara, eu já ia logo procurar na net pra poder voltar a matar monstros, que é onde God of War realmente brilha. O chato é que em alguns, mesmo sabendo o que deve ser feito, você gastará um bom tempo empurrando coisas para lá e para cá, o que é um saco. Seria legal se, depois que você termina o jogo uma vez, tivesse uma opção para jogar apenas o combate, com todos os puzzles resolvidos de cara.
Mas fica ainda pior, pois alguns puzzles que pentelhavam jogadores do mundo inteiro estão de volta, como um onde você precisa empurrar uma estátua em uma sala que solta fogo. Você tem que ficar sempre atrás da estátua ou vira torrada. Se você a larga, o fogo empurra ela de volta e, para completar, inimigos infinitos ficam batendo em você. Nas dificuldades menores, essa parte é chata, mas nas maiores, assim como no puzzle da ladeira do primeiro, você depende apenas de sorte, não de habilidade. Pode passar de cara, ou pode ficar lá mais de uma hora.
Provavelmente a única principal novidade na jogabilidade é uma pedra que permite que você pare o tempo em algumas situações específicas. Só que elas são tão específicas que têm utilidade apenas para os puzzles, deixando algumas partes ainda mais chatas e complicadas.
Uma boa notícia é que o jogo é bem mais longo. Enquanto levei umas oito horas para terminar o anterior na minha primeira jogada, aqui devo ter levado umas 12, ou seja, tem bastante material aqui.
Ah, sim, outra coisa nova é que você pode se pendurar em alguns lugares (tipo o Batman) para alcançar coisas distantes. Pouco antes da batalha contra o Ícaro, inclusive, tem um dos melhores momentos da série, aonde você vai se pendurando de coluna em coluna enquanto elas desabam. É lindo de ver e emocionante de jogar, uma pena que só tenha uma seqüência assim no game.
No fim das contas, God of War II é tão parecido com o primeiro que traz basicamente os mesmos defeitos e qualidades. E esse é seu principal problema. Quando jogamos o primeiro, queríamos apenas um jogo legal, mas agora queríamos algo à altura de uma continuação para o melhor jogo de PS2. E recebemos um pacote de expansão cuja história é cortada no meio. Isso faz com que uma certa decepção seja inevitável.
Se você gostou do primeiro, não perca esse, mas não vá esperando tanto quanto a lógica permitiria. Contudo, essa é uma série que eu gostaria de continuar acompanhando. Bem que a Sony podia seguir os passos da Sega e desistir de fazer videogames, ficar apenas nos jogos. Aliás, a julgar pelas vendas do PS3, é bem provável que isso aconteça mesmo. Só não acho que vá ser tão rápido a ponto de sair God of War III para o Xbox 360.