Eu tenho certeza quase absoluta de que, em toda a história da música, nenhum gênero musical é mais absurdamente ridículo, espalhafatoso, exagerado, fanfarrônico, nerd e, obviamente, épico do que o power metal. Pare para pensar um pouco, amigo delfonauta, e você perceberá que as maiores e mais adoradas bandas do estilo são justamente aquelas que não têm medo de agirem como se vivessem dentro do filme Em Busca do Cálice Sagrado, do Monthy Python. E é isto que deixa o gênero tão legal.
O Gloryhammer é um projeto paralelo do escocês Christopher Bowes, vocalista e tecladista do Alestorm, embora aqui ele exerça apenas a última função. O grupo ainda conta com o guitarrista Paul Templing, o baterista Ben Turk (ambos integrantes do Sorcerer’s Spell), o baixista James “Spicemaster” Cartwright e o vocalista suíço Thomas Winkler, que já emprestou sua poderosa voz para o Emerald e até mesmo para o The Barque of Dante, uma banda chinesa!
Em seu álbum de estreia, Tales of the Kingdom of Fife, a banda não só abraça todos os clichês possíveis e imagináveis do power metal, como os eleva até o mais alto dos picos de Crissaegrim e os coroa com a Gloriosa Coroa de Gelo Místico dos Lendários Reis do Norte, ganhando +8 pontos em todos os seus atributos, e uma habilidade passiva abençoada por Odin. O melhor: eles aproveitam e se divertem com cada segundo disso. Digo, dê uma olhada nas imagens de divulgação da banda lá na galeria e veja se esses caras não parecem estar se divertindo como se estivessem passeando pela Comic-Con. E é justamente este tipo de diversão que está presente no disco inteiro.
FOR THE KING, FOR THE LAND, FOR THE FUN!
O que temos aqui é um álbum conceitual, que se passa em uma Escócia fantasiosa (ou seja, cheia de dragões). O malvado mago negro Zargothrax invade o Reino de Fife e destrói a cidade de Dundee com seus poderes do mal, que permitem controlar um, e eu estou falando sério, exército de unicórnios zumbis!
Pausa para uma gargalhada cheia de orgulho nerd, desferindo socos no ar
Em meio ao caos, Zargothrax, o malvado, estuprou, sequestrou e congelou a bela princesa escocesa. E agora cabe ao nosso bravo príncipe-herói, Connor MacLeod Angus McFife, salvar seu povo e sua amada das garras do mago negro.
Como todo disco de power metal que se preze, este começa com uma introdução, Anstruther’s Dark Prophecy, que conta com um minuto e vinte de teclados pomposos e coros épicos.
Em seguida, temos a épica e bombástica faixa de abertura, The Unicorn Invasion of Dundee. A letra desta música é algo tão epicamente clichê que é difícil você não rir enquanto escuta. Não acredita em mim, delfonauta? Então sente só o refrão dela:
Fireballs and lighting are raining from the sky
Chaos and bloodshed while all the people die
In this epic battle begins the final war
Tragedy will strike this day, prepare thee for
The unicorn invasion of Dundee
Por mais hilário que isto seja, a música é um prato cheio para qualquer fã de power metal. Guitarras fritas, baixo pesado, bumbo duplo frenético, solos de teclado e vocais poderosos sobrepostos centenas de vezes.
Depois temos a excelente Angus McFife, aquela música grudenta cujo clipe eu já havia lhe mostrado.
Embora estejamos apenas na segunda música, já é seguro dizer que a voz de Tom Winkler é um dos pontos mais altos do álbum. O cara tem uma potência na voz como pouquíssimos vocalistas do metal em geral, chegando ao mesmo nível de Michael Seifert, do Rebellion, e Hansi Kürsch, do Blind Guardian.
A partir daí, o álbum dá uma quebrada e somos apresentados a faixas mais calmas, como a cavalgante Quest For the Hammer of Glory.
Magic Dragon é outra canção mais branda que, embora seja legal, não possui nada de memorável. Também temos a única balada do disco, Silent Tears of the Frozen Princess, outra faixa com o nome hilário de tão épico.
O disco então retoma sua trüeza e nos presenteia com a frenética Amulet of Justice e a excelente Hail To Crail, que possui um daqueles coros que parece ser bradado por dez machos cabeludos e de cueca, barbas até o peito, erguendo os punhos enquanto falam “hail and kill”. Ainda temos a ótima instrumental Beneath Cowdenbeath, que serve de introdução para a última faixa do disco.
MIGHTY UNICORN, THAT FLIES IN THE SKY, TOUCH THE UNIVERSE WITH YOUR WINGS AND HAIL THE KING!
The Epic Rage of Furious Thunder é o “rhapsódico” final da história. E eu digo isto porque tudo nesta faixa segue exatamente a mesma fórmula das músicas de encerramento do Rhapsody of Fire: um começo orquestral cantado em voz grave, que depois vira uma típica música de metal falando sobre a investida final dos heróis, uma quebra para uma narração orando a forças divinas, um refrão grudento abordando a batalha final, um solo empolgante e uma narração detalhando a queda da fortaleza do bruxo malvado e a glória do exército dos nossos heróis.
Embora seja completamente chupinhada, isto não torna a música ruim, muito pelo contrário. Aliás, eu diria que este é mais um caso de “em homenagem aos nossos mestres” ao invés de uma cópia descarada. A música até termina com um sonzinho de violão, semelhante à Keeper of the Seven Keys.
No final, Tales of the Kingdom of Fife é um álbum que não se leva nem um pouco a sério, mas isto não o impede de ser muito caprichado. E é justamente isso que faz dele um disco tão divertido. Se você gosta de power metal e toda a fanfarronice épica do gênero, com certeza não se arrependerá de ouvi-lo. Termino esta resenha sacrificando um unicórnio zumbi para Odin, pedindo que mais bandas lancem discos assim no futuro.
CURIOSIDADES:
– A edição especial do álbum vem com uma faixa bônus, Wizards!. Nada mais épico do que terminar o disco com um ponto de exclamação.
– Cada membro da banda faz cosplay de um personagem da trama: Christopher Bowes é Zargothrax, o malvado. Thomas Winkler é Angus McFife, o herói. Paul Templing vive Ser Proletius, grande mestre dos cavaleiros templários de Crail. Já James “Spicemaster” Cartwright é Hootsman, guerreiro bárbaro de Unst e Ben Turk se veste como Ralathor, o misterioso eremita de Cowdenbeath.
– Se um dia eu tiver uma banda de power metal, todos os integrantes também se vestirão como os personagens da história.
– Todas as localizações citadas nas letras são lugares reais da Escócia. O Reino de Fife, por exemplo, é uma “Área de Conselho”, algo mais ou menos equivalente a um estado brasileiro.