Getúlio Vargas é um daqueles personagens fascinantes, que espelham as contradições e o esculacho que só um país constantemente à beira do surrealismo como o Brasil é capaz de produzir. O sujeito, em sua primeira passagem pela presidência, não teve a menor cerimônia em virar um ditador. Torturou e matou opositores até ser deposto pelos militares. Alguns anos depois voltou para mais um mandato, sendo eleito democraticamente. Parece coisa de maluco, mas aconteceu.
Getúlio, o filme, concentra-se em narrar suas últimas semanas de governo em sua segunda passagem pela presidência de nosso Brasil varonil, a qual culminaria em seu suicídio. E se você achou isso um spoiler, só posso lhe dizer que é muito feio matar as aulas de História no colégio. Shame on you!
Tudo começa quando o jornalista Carlos Lacerda, principal opositor do governo Vargas, sofre um atentado. Mas o tiro sai pela culatra e quem acaba morrendo é um major das forças armadas. Como resultado, Lacerda fica ainda mais feroz em sua campanha contra Getúlio e as investigações do crime vão expor o envolvimento de pessoas muito próximas do presidente, detonando sua credibilidade e levando à sua derrocada.
Só de ler esse breve resumo, não é difícil imaginar que esse material renderia um excelente thriller político, gênero nada comum no cinema nacional. E olha que nossa tão maltratada política rende inúmeras histórias dos mais variados estilos. Mas ao invés disso, resultou em mais um novelão de época com excelente reconstituição do período, mas uma estética cafona e televisiva. Aliás, já enquanto assistia ele me lembrou bastante Olga, outro exemplo perfeito de produção equivocada, mais TV numa tela grande que cinema propriamente dito.
Os problemas com essa escolha de estilo vão desde a trilha sonora extremamente intrusiva que diz ao espectador para ficar tenso ou emocionado em cenas que de outra forma não teriam qualquer carga dramática, a algumas composições de planos bem equivocadas, para martelar mais uma vez o óbvio ao invés de fazer o mínimo esforço para fugir do lugar-comum.
No mais, as atuações variam, mas no geral são boas. Surpreende também a caracterização física de Tony Ramos em um excelente trabalho de maquiagem e vale para ver como a corrupção, conluio e conchavos que tanto apodrecem nossas esferas públicas não é algo novo. Na verdade está intrinsecamente ligado ao modo de governar brasileiro desde que os primeiros portugueses chegaram por aqui. E isso me deixa muito deprimido.
Getúlio é o típico filme que tinha potencial para trilhar novos caminhos no cinema brasileiro se tivesse o mínimo de colhões. Preferiu ser só mais uma produção pasteurizada com a estética Globo Filmes (a qual é praticamente a mesma da Globo TV) para as massas. O resultado se mostrou bastante enfadonho. Mas ainda assim, talvez ele tenha vida longa, já que é o tipo de filme que vai ganhar sobrevida nas salas de aula, exibidos nas aulas de História para dar um refresco aos alunos cansados dos livros. E isso já é mais do que merecia.