‘A Ubisoft é uma desenvolvedora que praticamente só lança jogos em mundo aberto. O que tenho sentido, recentemente, é que isso faz com que as evoluções de um lançamento para o outro não sejam focados nas séries em si. Por exemplo, Far Cry 5 traz muitas das melhorias que estiveram presentes em Assassin’s Creed Origins, como a troca do minimapa por uma discreta bússola no topo da tela. Ele também tem um funcionamento de campanha bem semelhante a Ghost Recon Wildlands, mas felizmente é bastante superior a este.
É um approach interessante, que não vemos com frequência nos games. Considerando que a maioria das grandes desenvolvedoras que fazem iterações focam em uma única série, isso faz com que cada novo jogo da Ubisoft seja “um novo jogo da Ubisoft”, e não apenas mais um Assassin’s Creed ou Far Cry. Considerando que a Ubi foi a responsável por me fazer gostar de mundos abertos, isso É bem positivo.
GRITANDO DE LONGE PELA QUINTA VEZ
Far Cry, desde sua revitalização em Far Cry 3, foi uma série com dificuldades para encontrar seu tom. Far Cry 3 tinha muito de comédia, mas também abordava temas pesados, como o fato de um de seus amigos raptados ser sexualmente abusado por seu sequestrador. Far Cry 4 fez parecer que a série tinha se encontrado na comédia, com um vilão bem caricato e um humor bem bobo e bastante divertido.Far Cry 5, de certa forma, retorna à discrepância do terceiro. Suas missões de história são sérias, embora nunca sejam tão pesadas como algumas do três. Porém, o mundo é bastante lúdico e praticamente todos os personagens que você encontra, com exceção dos vilões, são bem caricatos e cartunescos. E claro, alguns dos preferidos dos fãs retornam neste novo episódio.
Falemos primeiro da história.
A SEITA DO FIM DO MUNDO
O vilão da vez é um líder religioso chamado Joseph Seed. Ele tem três asseclas, John, Jacob e Faith. Cada um deles domina uma das três grandes ilhas do mapa. Seu personagem é um policial que começa o jogo prendendo Joseph. Só que, claro, isso acaba dando ruim, e daí o culto, armado até os dentes, passa a raptar, drogar e torturar as pessoas da região.
Ao contrário dos costumeiro nos Far Crys, seu personagem aqui é uma tela em branco. Pode ser homem ou mulher e ter o visual que o jogador desejar. Além disso, ele/ela não fala. Considerei isso um retrocesso narrativo, uma vez que nos episódios anteriores, o protagonista sempre foi alguém totalmente desenvolvido.Admito que também fiquei decepcionado quando foi divulgado que Far Cry 5 aconteceria no interior dos EUA. A Ubisoft é uma das poucas desenvolvedoras que nos levam a lugares e épocas pouco explorados nos games, como o Himalaia ou a Revolução Francesa. É uma pena que ela sempre acabe cedendo e fazendo um ou mais episódios de suas séries principais nos EUA. Convenhamos, quantos jogos e filmes você já viu que se passam no interior dos EUA? Basicamente toda a cultura Z rola nessa mesma área e com os mesmos tipos de personagens.
AMERICA! FUCK YEAH!
No entanto, o que separa Far Cry nos EUA de um Assassin’s Creed nos EUA é sua fanfarronice. Toda essa patriotada e xenofobia estadunidense nos parece pura idiotice se analisarmos seriamente. Porém, é tão naturalmente ridícula que é um poço de ouro para criar comédia.
Veja só, em que outra ambientação você controlaria um carro pintado com a bandeira dos EUA enquanto faz uma corrida de acrobacias passando por checkpoints com estrelas e ouve uma música permeada por divertidos solos de guitarra.
Os personagens de Far Cry 5 são bem o que os estadunidenses chamam de white trash e essa ambientação funciona bem em um jogo que é basicamente um parque de diversões focado em helicópteros explodindo, tiroteios e acrobacias.
Curiosamente, esta ambientação tem incomodado a imprensa estadunidense. Acho que eles não percebem quão ridículas são as atitudes do seu povo para o resto do mundo. Não duvido que algum redneck jogue Far Cry 5 e entenda que a mensagem do jogo é justamente “America, fuck yeah!“, mas a imprensa gamer parece ter percebido que o jogo está tirando sarro deles e não gostaram muito disso.
Para nós, no entanto, isso não é um problema, e o cenário caipira estadunidense gera boas piadas. Além disso, esse tipo de culto religioso só poderia ficar tão poderoso em um país que obriga as pessoas a jurarem com as mãos sobre a Bíblia no tribunal e ainda assim se descreve como um Estado laico.Dito isso, há um certo problema narrativo na parte séria da história. Uma coisa é uma ilha no meio do nada ser dominada por piratas como em Far Cry 3, outra é que isso aconteça em parte dos EUA. Não demoraria para o exército jogar umas bombas lá para desarmar essa turma.
ATIRANDO, ESCALANDO, VOANDO
O foco de Far Cry sempre foi no gameplay, e este continua tão divertido quanto sempre foi, apesar de trazer muitos acréscimos, novidades e diferenças.A primeira coisa que você vai notar é que não há mais necessidade de ficar fazendo atividades repetitivas para upar seu personagem. Upgrades vêm conforme você cumpre desafios do tipo “mate 10 inimigos com um rifle”, e pontos de interesse no mapa são acrescentados naturalmente, olhando placas e conversando com personagens. Elaborei mais este assunto neste texto, então não vou me alongar mais nisso por aqui.
O gameplay agora foca bem menos no stealth. Jogos anteriores tinham uma mecânica de stealth super poderosa que foi bastante diminuída por aqui. É bem mais difícil, agora, fazer takedowns em vários inimigos seguidos, e tomar um acampamento sem ser detectado é quase impossível, pois os soldados parecem ouvir mesmo seus tiros silenciados. E mesmo que você ainda esteja incógnito, sempre passa um caminhão inimigo por perto ou um helicóptero começa a te atacar, o que quebra sua furtividade imediatamente. Eu não achei isso tão legal, uma vez que gostava muito do stealth de Far Cry, mas na prática isso aumenta a quantidade de tiroteios, o que também é divertido.
O funcionamento do jogo também ficou mais aberto. Tudo que você faz em cada uma das ilhas te dá “pontos de resistência” naquela ilha. Conforme você vai subindo o nível da sua região, vai chegando mais perto de forçar o confronto com o líder da ilha. Isso significa que é necessário vencer os três líderes para chegar no chefão Joseph, mas também significa que você não precisa fazer todas as missões de história para terminar. É um funcionamento bem parecido com o de Ghost Recon Wildlands, mas Far Cry 5 é superior a ele em todos os aspectos.
O FIM DA LINEARIDADE
Isso também significa que aquelas excelentes fases lineares que marcavam os jogos anteriores sumiram quase completamente por aqui. A maioria das que sobraram é da categoria “caça ao tesouro”, mas essas são bem mais curtas e simples. Far Cry 3 e 4 eram jogos de mundo aberto com missões de história que tinham a qualidade de um jogo de ação linear. Far Cry 5 é um jogo de mundo aberto bastante superior aos anteriores, mas perdeu este aspecto da linearidade. Suas missões de história são típicas de jogos de mundo aberto.
Com isso, não quero dizer que são ruins. Pelo contrário, várias delas são muito boas, focando no que o jogo tem de melhor (seu gameplay e movimentação). Infelizmente, há algumas que são pura pentelhação. Tem uma missão na qual você tem que atropelar veados que é uma das coisas mais chatas que vi em um jogo de mundo aberto na geração atual. Há também uma série de missões de pescaria que eu achei tão entediante que parei de fazer no meio.Felizmente, estas chatinhas são, em sua maioria, as sidequests. É uma pena que elas não tenham a mesma qualidade e capricho do que as de Assassin’s Creed Origins, mas são facilmente ignoráveis. Além disso, não há uma quantidade ridícula de sidequests, como costuma ser comum no gênero. Neste aspecto, achei que Far Cry 5 tem uma duração bastante apropriada. É mais longo do que os anteriores, com mais missões de história e menos sides.
UM JOGO QUE NÃO ESPERA POR VOCÊ
Uma coisa que achei interessante é que, apesar de ser um jogo de mundo aberto bem tradicional, Far Cry 5 traz uma novidade curiosa. Quando você sobe de nível nas ilhas, algo vai acontecer. Por exemplo, você pode começar a ser caçado pelo líder.Isso significa que uma grande quantidade de inimigos vai começar a aparecer. Você pode se defender e até adiar o inevitável, mas uma hora eles vão te pegar. E isso te levará a uma missão de história e a um interessante confronto com um dos vilões. O tradicional em mundo aberto é que as missões só aconteçam por agência do jogador e eu achei isso bem criativo, ainda que possa ser inconveniente caso os caçadores apareçam no meio de outra atividade.
E este exemplo que eu dei é o mais básico. Nem sempre estes momentos narrativos começam de forma agressiva e vários deles vêm de surpresa. E normalmente estas missões são mais focadas na narrativa e bem legais. A exceção são as do Jacob, que obrigam você a passar pelo mesmo circuito quatro vezes, sempre com limite de tempo. Narrativamente, faz sentido a repetição, mas acaba tirando toda a graça dessas fases quando você está fazendo a mesma coisa pela quarta vez.
UM JOGO DINÂMICO
Uma grande melhora que contribui para Far Cry 5 ser um excelente playground é o layout de seu mapa. Nos anteriores, era comum eu querer chegar a determinado ponto, mas não conseguir porque tinha uma montanha ou um abismo no meio do caminho. Aqui isso foi completamente resolvido, muito por causa do melhor uso de fast travels que eu já tive o prazer de ver.Praticamente qualquer ponto marcante do mapa vira um fast travel depois que você passa por ali. Isso significa que você nunca estará muito longe do seu próximo objetivo. Porém, um toque de gênio é que dá para se teleportar não para aquele ponto do mapa, mas para acima dele. Ou seja, você chega caindo!
Com a combinação da wingsuit com o para-quedas, isso permite que você chegue rapidamente a pontos altos ou baixos que estejam a uma distância considerável. Então basta escolher uma atividade no mapa, procurar o ponto de fast travel mais próximo, se teleportar e sair voando até lá. É rápido, é divertido, e elimina completamente a parte entediante comum a jogos de mundo aberto.
VISUAL Y OTRAS COSITAS
Aliás, não precisa nem dizer, Far Cry 5 é um jogo bonitaço. O cenário é ridiculamente detalhado. Só não digo que é totalmente fotorrealista porque ainda não estamos no ponto de fazer humanos em CGI fotorrealistas, mas em matéria de cenários é impressionante.
Sem dúvida, Far Cry 5 tem os melhores gráficos da série, mas eu não diria que ele é o mais bonito. Os cenários exóticos dos lançamentos anteriores os tornam mais interessantes do que o mapa rural dos EUA que já exploramos em tantos jogos antes.Há também amiguinhos que você vai destravando ao longo da sua jornada. São snipers, soldados, pilotos e o Hurk. Tem também alguns animais, como um urso chamado Cheeseburger. Não dá para não simpatizar com um urso com este nome.
Há microtransações para a compra de armas e veículos, mas tudo pode ser comprado com a grana do jogo, que é suficientemente abundante. Eu não comprei tudo que o jogo oferecia ao final da campanha, mas comprei tudo que me interessou sem gastar um centavo real. Também é possível encontrar a “moeda premium” das microtransações no próprio jogo, mas eu nunca senti necessidade de usá-la.
Por fim, há o multiplayer.
FAR CRY ARCADE
Toda a campanha de Far Cry 5 pode ser jogada em coop, mas isso não é tão animador uma vez que apenas o hospedeiro vai ter seu progresso de história salvo. Há uma outra área no menu, no entanto, chamada de Far Cry Arcade. Basicamente, é a área da comunidade. Lá, você pode criar mapas e jogar mapas de outras pessoas. Como sempre, já está cheio de referências e recriações por ali, como a mansão de Resident Evil 7, mas eu sinceramente não vejo muita graça nesse tipo de coisa.É também no Far Cry Arcade que mora o multiplayer competitivo, que pode ser jogado tanto em mapas criados por jogadores como alguns feitos pela própria Ubisoft.
Eu joguei algumas partidas, e me surpreendi com quão acessível é o jogo. Para você ter uma ideia, eu matei bem mais do que morri, o que é raridade para mim em PVP. No entanto, acho que o visual simplificado e o fato de serem basicamente criações da comunidade, enfraquecem bastante o PVP de Far Cry 5.
FAR CRY 5
Far Cry 5 é basicamente o que de melhor um jogo de mundo aberto pode oferecer. Ele tem tudo de bom que o gênero possibilita, ao mesmo tempo que elimina (quase) todas as inconveniências e pentelhações que costumam vir junto. Perde um pouco dos anteriores com suas missões de história mais comuns, mas ganha muito no aspecto “faça sua própria diversão”.
Desta forma, é altamente recomendável para quem já era fã da série e do gênero, mas também para quem se desanimava com a obrigação de ficar fazendo atividades repetitivas. É um jogão, daqueles que você vai querer jogar na maior TV possível.