Perguntas por Carlos Cyrino, Carlos Eduardo Corrales, Fabio Bessa Villafranca, Gustavo Angeluzzi, Heloisa Yoshioka, Luciana Abe e Thyago Luiz. Entrevista conduzida por Carlos Cyrino, com valiosas intervenções de Carlos Eduardo Corrales. Introdução e tradução por Carlos Cyrino.
“Cara, você está animado?”
“Estou nervoso!”
“Eu estou bem ansioso.”
Essas falas aí de cima nada mais são do que o diálogo que rolava toda vez que encontrava o Corrales na faculdade, quando já estava definido que eu entrevistaria ninguém menos que Anthony Daniels, o C-3PO em pessoa. Acho que se você já leu alguns textos referentes a Star Wars aqui no DELFOS, sabe o quanto nós dois gostamos da saga espacial de George Lucas. Creio que isso explica a animação e ansiedade do Corrales e o meu nervosismo.
Daniels veio ao país para divulgar a exposição Star Wars Brasil, que irá rolar em março do ano que vem em São Paulo e contará com figurinos, objetos de cena, veículos e artes conceituais dos filmes, tudo original. Ou seja, imperdível para qualquer fã da saga, que a essa hora já deve estar riscando os dias no calendário. Assim sendo, foi armada uma entrevista coletiva com o ator e ainda oferecidas entrevistas individuais. No entanto, no dia da entrevista em questão eu não poderia ir, e ao Corrales caberia a missão de ir sozinho. Porém, por uma tremenda sorte, a assessoria agendou a entrevista do DELFOS no dia seguinte, possibilitando a mim ficar cara-a-cara com o ator inglês que dá vida ao dróide dourado e fluente em seis milhões de formas de comunicação.
Pois bem, no dia em questão, passei na base delfiana secreta para buscar o meu xará e seguirmos juntos até o hotel onde o bate-papo aconteceria, no bairro do Itaim Bibi. Após nos perdermos rapidamente pelas ruas da metrópole (detalhe: isso após passarmos na frente do hotel – malditos retornos incompreensíveis de São Paulo!) e pararmos para pedir direções a um cidadão local, voltamos ao caminho certo e chegamos com meia hora de antecedência. Nossa entrevista estava marcada para as 11 da manhã.
Enquanto aguardávamos, começamos a debater quais perguntas da pauta cada um achava mais relevante e porquê. Mal sabíamos que em breve, de nada isso importaria, e logo você também descobrirá o motivo.
Bateu 11 horas no relógio e nada. Os minutos foram passando e as assessoras comentaram que Daniels, no dia anterior, utilizou-se da famosa pontualidade britânica. Faltando um minuto para o horário da coletiva, ele já estava na porta esperando sua deixa para entrar e, nas entrevistas individuais, ele mesmo controlava o horário e não deixava nenhum veículo passar do tempo estipulado. No entanto, nesse segundo dia, o veículo que estava à nossa frente, uma grande revista nerd cujo nome não vou falar, já estava abusando e o certinho Daniels pareceu ter se abrasileirado, já que não fez questão de botar os caras pra fora como fizera no dia anterior. Resultado: o veículo em questão, que tinha, assim como a gente, 30 minutos, ficou lá simplesmente por uma hora. E pra completar, bastaram dois dias para destruirmos a pontualidade do inglês, tornando-o mais um brasileiro para o qual horário não é para ser cumprido, apenas uma estimativa. Saca aquela piada do “foi só um brasileiro ir pro espaço e já sumiu um planeta”? Pois é, nesse caso foi só o C-3PO vir pro Brasil e a gente já detonou com a pontualidade dele.
Enfim, depois dessa meia hora de atraso, Daniels abre a porta da sala de eventos e pede para que entremos. Mas os caras do outro veículo ainda estavam lá e ficaram mais uns 20 minutos tirando fotos e pedindo para ele autografar um monte de coisas. Isso é a imprensa brasileira, meu amigo. “Dane-se o cronograma da assessoria de imprensa e dos outros veículos” deve ser a palavra de ordem dos caras. E olha que não era uma revistinha qualquer.
Muito bem, quando os malas finalmente se retiraram, o simpático Daniels, um sujeito baixinho, magrelo e com a maior cara de vovozinho bacana, falando calmamente com um típico sotaque britânico, nos cumprimentou. Enquanto eu ligava os gravadores, Anthony reparou que minha mão tremia. Ela geralmente treme sem motivo, mas quando estou nervoso (digamos, quando estou prestes a entrevistar um sujeito que eu via em filmes desde os seis anos de idade), isso fica ainda mais evidente. Então, Daniels, super gente boa, pegou na minha mão (mais tarde comentei com o Corrales que isso é, entre os homens, mais ou menos como chegar à segunda base, no jargão do baseball) e… tentou usar o truque mental jedi em mim! “Você não está nervoso”, ele ficou dizendo. Entrei na onda e repeti: “não estou nervoso”. Então ele tirou o gravador da minha mão e ficou segurando ele a entrevista inteira. Aliás, por falar nisso, foi bom termos levado dois gravadores. Porque o que ele ficou segurando durante o papo simplesmente não registrou nada. Minha teoria é a de que ele acidentalmente acabou apertando o stop enquanto o segurava. Ainda bem, o outro que eu havia levado e deixado em cima da mesa, onde também havia um boneco de uns 30 centímetros do C-3PO, gravou tudo direitinho, possibilitando que hoje você leia a conversa na íntegra. Portanto fica a lição: sempre tenha um backup disponível.
Após esse divertido quebra-gelo, fui explicar para o cara que tínhamos muitas perguntas e faríamos as que achávamos mais importantes primeiro e, se sobrasse tempo, faríamos algumas outras mais amenas e tal. Pra quê? Nesse momento, Anthony pegou a pauta e disse algo como “você não precisa dela. Vamos bater um papo”. E por mais que eu tentasse argumentar, não teve jeito, ele ficou com as perguntas e até iniciou a entrevista lendo a primeira questão por conta própria.
No curso de jornalismo, todos falam que a pauta é essencial, mais ou menos como o roteiro para um filme. Logo, pensei: “estou ferrado”. Por sorte, já tinha revisado as perguntas tantas vezes que havia decorado as principais. E, quando o meu cérebro dava uma travada, o Corrales intervinha, não deixando aqueles momentos de silêncios constrangedores ocorrerem (essas intervenções estão marcadas na entrevista com a presença de seu notório sobrenome antes da pergunta). E sabe que, após esse teste de fogo, concordamos que a entrevista realmente fluiu melhor dessa forma? Ficou um clima mais descontraído de bate-papo e, no fim das contas, o gente boa Daniels falou bastante sobre diversos aspectos de Star Wars e outras curiosidades de sua carreira. Então está esperando o quê? Chega de ler essa saga de proporções épicas e passe logo para a entrevista aí embaixo!
O próprio Anthony Daniels lê a pergunta: Como surgiu o convite para Star Wars?
Bem, há muitas coisas no meu site, anthonydaniels.com, que explicam como tudo começou. E a forma mais fácil de explicar é que eu não queria estar em Star Wars. Eu não sabia o que era Star Wars, só sabia que era um filme de ficção científica de baixo orçamento. E eu era sério demais e não queria ser um robô nesse filme. Mas minha agente, uma mulher muito durona, disse: “vá encontrar esse homem chamado George Lucas”, então eu fui, porque ela mandou, e ele foi ótimo. E uma das coisas que eu gosto na exposição que virá ano que vem é que se trata da arte de Star Wars, e eu estive no filme por causa de Ralph McQuarrie (produtor dos filmes), da pintura que ele fez do 3PO. Era tão bonita que eu quis estar no filme. Foi… foi assim que surgiu, mas George queria se encontrar comigo porque eu era não apenas ator. Eu já atuava por dois anos, fiz faculdade por três anos, aprendi muito sobre atuação, e eu era muito bom em mímica, sabe? Como controlar o meu corpo. Então quando George criou esse traje louco, eu ainda conseguiria interpretar o personagem.
E você também não era fã de ficção científica, certo?
Não mesmo, eu sou famoso por ter saído no meio de 2001 (Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick), porque eu disse… eu pedi meu dinheiro de volta porque eu disse: “esse filme é muito chato”. O gerente do cinema ficou perdidão.
Corrales: Eu concordo com você. Também acho o filme chato.
Agora eu já o vi de novo e na verdade eu gosto. Acho que quando era mais jovem era ooohhhh, chato, chato, chato, chato. Bom, é uma performance mágica do HAL, a voz, só uma luz vermelha, e essa performance maravilhosa. Então George me mostrou o filme, mas esse tipo de calma, (imitando HAL) “você está me machucando, Dave. Dave, não posso fazer isso”. Esse tipo de voz do computador não funcionaria para o C-3PO. O C-3PO é muito (imitando C-3PO) hum… neurótico. Muito travadão, nervoso.
E você considera Star Wars um filme de ficção científica?
É uma boa pergunta. Ah, é, eu acho mais… acho que as pessoas chamam de fantasia científica. Porque é um conto de fadas, é uma história de aventura para crianças que pode ser situada em qualquer lugar. E George a situou no espaço sideral. Bem, em uma galáxia diferente, enfim. Então acho que você tem razão em dizer que é mais um conto de fadas (Nota: mas eu não disse isso!), porque se tem todos os elementos de um conto de fadas das antigas. É mais fantasia. Mas quando se diz fantasia, isso pode soar meio bobo. E talvez nos filmes posteriores, a fantasia ficou um pouco maluca com algumas das criaturas, alguns efeitos.
Corrales: Nos Star Wars posteriores (referindo-se à nova trilogia)?
Nos Star Wars posteriores. Acho que os antigos têm sua própria verdade a respeito deles, sua própria realidade. Mais tarde… mas sabe, eu digo que algumas das criaturas eram malucas. Se você olhar com cuidado, algumas das criaturas que você tem lá, com muitas pernas, olhos, ahn, você sabe, os artistas tiraram a inspiração da natureza. Então talvez seja lógico ter uns monstros doidões, eu não sei.
Posso… (nesse momento, Daniels olha por conta própria outra pergunta da pauta)
O que eu acho do gênero fantasia? Ahn… eu acho ótimo, contanto que não se viva nisso o tempo todo. Contanto que você tenha uma vida de verdade. Todos precisamos ter nossa imaginação estimulada. Porque há mais na vida do que ter um emprego, ir comer um hambúrguer no McDonald’s. Ah… então… encorajar a imaginação é muito bom. E uma das coisas legais nos filmes de Star Wars é que eles inspiram as pessoas a escrever, a criar e a mostrar o que você pode fazer. E com a tecnologia se tornando mais disponível, mais gente pode fazer esses trabalhos. Muitos anos atrás, você teria de anotar tudo que eu dissesse, agora estou falando para uma coisa na minha mão (o gravador) saído de Jornada nas Estrelas. Então a tecnologia está ajudando a todos. Mas quando a tecnologia vai longe demais e domina as nossas vidas, quando a fantasia vai longe demais e domina as nossas vidas, não é bom.
E Star Wars tem fãs bem hardcore que vão a esses eventos e… o que você acha sobre… qual é a sua relação com esse tipo de fã?
Ahn… eu gosto quando as pessoas vão… eu não vou a muitas convenções porque não é o meu modo de vida. Mas eu gosto quando as pessoas vão fantasiadas. Mas eu gosto mais quando elas vão fantasiadas com uma roupa que elas fizeram. Se você vai a uma loja e compra um capacete de stormtrooper, qual o sentido? Ir vestida de princesa Leia com algo que você comprou… ou de Darth Vader, com um capacete de Darth Vader. Eu vi um garotinho vestido de soldado de speeder bike. Sua fantasia inteira era feita de caixas de papelão pintadas de preto e branco e foi… tocou meu coração, porque ele fez aquilo. Ele criou uma diversão disso. Então eu gosto quando as pessoas contribuem. Elas não apenas pagam e compram coisas de uma loja. Mas… você sabe, eu ganho a vida me fantasiando.
Como era usar o traje de C-3PO?
Era terrível. Era de fato horrível. Não tem porque fingir. Era desconfortável, era muito solitário porque se eu estivesse aqui (olhando para a frente) eu não conseguia ver você (eu estava ao lado dele). Se eu estivesse aqui (olhando para a frente de novo), nenhum de vocês existiria (o Corrales estava do meu lado esquerdo) porque eu não tinha visão periférica. Eu tinha que olhar diretamente assim (olha para nós), senão vocês não existiam. E não conseguia, ao fim da cena, oh, sentar numa cadeira. Eu tinha que pôr e tirar a fantasia o tempo todo. Então era bem isolado. E também trabalhei muito nos filmes originais com R2-D2, que era uma caixa. Não tinha… era como trabalhar com essa mesa de café. Ele não tinha personalidade até Ben Burtt inserir os sons no estúdio, muito depois, seis meses mais tarde. Então, o tempo todo estou falando comigo mesmo. E fingindo me relacionar. Foi assim.
E o traje ainda era desconfortável nos filmes da nova trilogia?
Era o mesmo traje. Ele estará na exposição aqui em São Paulo. Então vocês poderão ir vê-lo. Quando estou trabalhando, sempre tenho que perder um pouco de peso pra poder caber.
E os movimentos e os gestos de C-3PO foram algo que você criou ou também é parte das limitações do traje?
Bom, é em parte por causa das limitações do traje. Você tem toda razão. Mas, por exemplo, eu posso andar normalmente com o traje, mas não fica muito interessante, fica parecendo um homem… usando um traje dourado. Então… e também tecnicamente é um caminhar pesado, então o C-3PO se movimenta assim… se eu andasse devagar, iria andar como Robby, o robô. Ahn, e eu decidi que esse tipo de andar japonês era uma boa técnica para manter o peso no centro. Ahn, e também não é ameaçador. É bem… se eu viesse na direção de vocês assim (com passos duros) é ameaçador, mas se eu vier (com os passos característicos do C-3PO), sim? É mais amigável. Os gestos… eu precisava… eu não tinha gestos além de cerca de meio metro do meu rosto. Então eu não posso fazer isso (faz um movimento largo). Os ombros eram limitados, sabe? Ahn, e eu não podia virar a cabeça mais que isso (vira apenas um pouco o rosto), então às vezes eu tinha que fingir com os meus ombros já virados, pra que eu tivesse toda a extensão… Então eu tinha que achar jeitos de trapacear pra fazer parecer que eu tinha bastante movimento. Mas também… e também eu tinha que exagerar um pouco a performance pra passar por todo o plástico e borracha.
E George Lucas te deu alguma instrução de como interpretar seu personagem ou…
(Interrompendo) Não!
…Você criou tudo sozinho?
E é por isso que quando terminamos de filmar, e ele voltou para a pós-produção, ele tentou trinta atores diferentes, eu acho, para colocar a voz de volta no C-3PO, porque ele não gostou da voz que eu fiz. Porque… mas ele nunca me pediu para fazer uma voz em particular. Ele apenas achou que podia mudá-la e uma coisa mágica aconteceu. Mágica do cinema. A mágica de Star Wars. Aconteceu que a voz do 3PO (imitando) está aqui em cima… “Han… Han… se me permite”, é muito altiva, C-3PO é muito altivo. E comecei a fazer a voz. Ela começou a sair de diferentes formas. Eu comecei a falar mais agudo. Normalmente, eu falo um pouco mais grave. Então, tudo se encaixou. E também porque ele é um dróide de protocolo, muito correto, e por ele estar com pessoas que não são corretas: Han Solo, R2-D2, isso o faz um contraponto.
E quanto à direção de George Lucas, Irvin Kershner e Richard Marquand, você vê alguma diferença significativa entre os estilos deles?
Bem, Richard Marquand morreu, então provavelmente é melhor eu não falar sobre ele. Mas, hum… e George é meu empregador, então… seria… seria diplomático dizer que ele é o melhor diretor. Mas foi maravilhoso rever Irvin Kershner novamente outro dia e falar sobre nosso tempo juntos. Irvin tem muito entusiasmo. George é muito introvertido e… Irvin Kershner é muito entusiasmado, encorajador e adorável.
E das duas trilogias, qual você prefere, a velha ou a nova?
(Risos) O que você acha?
A velha?
Sim. E você?
Eu também.
É?
É. E de todos os filmes… dos seis filmes, qual o seu favorito?
Eu sei qual é o seu. O Império Contra-Ataca.
Está certo.
Hã-hã. Qual é o meu?
(Longa pausa para pensar)
Eu sabia que esse era o seu porque as pessoas espertas gostam de O Império Contra-Ataca. Eu gosto do Episódio IV. Eu tinha o maior papel nele, eu acho. Eu tinha mais falas que os outros. Mas também gosto da história, da historinha. Eu fiquei bem feliz por estar nele.
Quando você estava filmando o primeiro, imaginou que Star Wars tomaria essa proporção tão grande?
Não, todos nós pensamos que era um filme bobinho.
Mas ninguém sabia que era uma trilogia (fora George Lucas, é claro)?
Ahn, pouco depois, sim. Quando estreou, iam ser nove (filmes). Mas sim, quando fizemos se chamava apenas Star Wars, não Episódio IV. (Pausa) E eu ia… eu quase não fiz o Episódio V, porque eu… eu não tive uma experiência tão boa.
Corrales: Tem algum filme (de Star Wars) que você não gosta?
(Risos)
Ou que gosta menos?
Essa é difícil. Ahn… acho que qualquer coisa que tenha ewoks (risos) é pouco aceitável no mundo conhecido. Ahn, embora eu goste muito do Ahmed Best (ator que interpretou o Jar Jar Binks), é um ator muito inteligente, mas acho que qualquer coisa que tenha um gungan possivelmente não é pra mim. Mas há muitas crianças que adoram o Jar Jar Binks.
Bom, eu não conheço nenhuma…
Oh, é, não, eu falo porque eu geralmente pergunto pras crianças qual o personagem favorito delas e elas adoram o Jar Jar, porque ele é muito safado, rude e atrapalhado. E isso é muito bom pras crianças. E quando elas crescem, elas vão pro resto do filme. Então o George deu pra elas uma diversão. Ahn, certamente acho que o Episódio I não é pra mim. Mas o Episódio III eu achei muito interessante. Acho que Hayden Christensen está muito bem. O garoto que começou a ser atraído para o lado negro.
O Star Wars Especial de Natal é um assunto muito controverso…
Não é controverso de forma alguma. É lixo!
Lixo?
É horrível, eu estava nele. Foi horrível estar nele. Foi horrível tentar assistir. Eu fui pago para participar dele, mas ninguém me pagou para assistir, então eu não vi. Mas sei que as pessoas gostam de sacaneá-lo, foi um erro.
Corrales: Você achava que era lixo enquanto filmava?
Oh, sim. (Longa pausa)
Corrales: Acho que ele precisa das perguntas…
Ele está indo muito bem sem elas.
Estou improvisando.
É, mas isso é bom, porque faz você usar o cérebro.
Corrales: Você desenvolveu uma relação na vida real com Kenny Baker? São amigos na vida real?
Não, mas a verdade é que não tínhamos uma relação no filme também porque geralmente às vezes esquecíamos que Kenny estava lá dentro (do traje de R2-D2) fazendo aquilo. Ficou claro pra mim logo no começo que ele não… não sabia… ele não tinha o roteiro… não sabia sobre o que era o filme. Ahn, ele não conseguia ver, não conseguia fazer nada. Não conseguia se mexer. O robô geralmente estava num fio, ou tinha alguém deitado por baixo movendo-o. E eu fingia não ver a pessoa, porque a câmera não a via, mas eu via. E, você sabe, tinha pessoas que punham as mãos nas costas do R2 e… você não vê isso, mas vê o R2 girando, entrando em guerra, sabe? Então, logo no começo, aprendi, também sem nenhum som. Então, minha relação está na minha cabeça, com uma caixa, uma caixa azul e branca. Então, eu mal trabalhei com o Kenny. Todos os sons do R2 foram feitos por Ben Burt, e isso é mágico, porque eu estou falando o tempo todo comigo mesmo e eu faço: (imitando C-3PO) “espere! Aonde você vai? O que te faz pensar que o caminho é por ali? Aquele caminho é muito pedregoso. Oh, vamos lá, então”. (Com voz normal) Viu? É assim que eu tinha que fazer e demorou um pouco pra me acostumar, mas agora já aprendi a coisa toda. Então Kenny e eu não temos uma relação e nem tivemos no set. (Nota do Corrales: essa parte dele falando como o C-3PO foi uma das coisas mais engraçadas que eu já vi. Era a voz do C-3PO saindo de um vovô!)
E você também fez muitas aparições como C-3PO em programas de TV…
Sim, sim. The Osmond Show, o Especial de Natal. Meu melhor trabalho foi o comercial anti-fumo que eu escrevi, alertando as pessoas para não fumarem, especialmente as crianças. É um péssimo vício. Muitos comerciais, outros materiais, ahn… oh, muitas, muitas coisas. É, e agora a coisa mais importante pra mim é que eu gosto de divulgar. Eu trabalhei muito nessa exposição que vem pra São Paulo, e pelo mundo. Então pra mim é muito divertido vir ao Brasil e apresentá-la aqui e essa será a melhor. Ah, mas também apresentei concertos sinfônicos com os temas de Star Wars. Estou prestes a ir para Chicago para trabalhar na Star Wars Exhibition, então vou trabalhar num departamento do museu. Mas, no resto da minha vida, normalmente eu faço TV. Eu não faço mais teatro. Mas também fiquei muito interessado em educação. Semana que vem estarei em Pittsburgh para dar uma palestra aos alunos da faculdade. E eu ensino aos alunos de pós-graduação ciência da computação e entretenimento. Então isso é muito bom pro meu cérebro. Porque quando se fica mais velho, você tem muita experiência que é bom compartilhar.
E você também fez o desenho animado, Droids.
(Daniels começou a responder sobre Clone Wars). Oh, semana que vem eu vou fazer outro episódio… oh, oh! Droids!
Droids.
Corrales: É, mas você pode falar sobre…
Ah, Droids, eu não acho que os roteiros eram muito bons. O que foi uma pena. Eu me diverti muito fazendo, mas… sabe, acho que não se deveria fazer alguma coisa se não há um bom roteiro. Também estou trabalhando na série Clone Wars, que eu não tenho permissão pra falar a respeito. Posso me encrencar se eu lhes disser os nomes dos episódios ou coisas assim… mas eu gostei de fazer porque a equipe é muito legal. Eu faço isso (a dublagem) em Londres, pra mandar pra São Francisco, então eles têm que acordar muito cedo, porque são oito horas de fuso-horário. Mas é confortável pra mim, porque não tenho que trabalhar muito.
E você estará na série em live action?
Tudo a respeito da série em live action… ahn… é… não foi conversado…
É um mistério…
É!
Corrales: Você gostou das primeiras duas temporadas de Clone Wars?
Sim, acho que são muito, muito boas. Acho que o trabalho de arte é muito melhor que o de Droids. É uma opção melhor.
Então, saindo um pouquinho de Star Wars, eu li que você também escreveu uma HQ para a Dark Horse (The Protocol Offensive). Nota: não saímos tanto assim do mundo de Guerra nas Estrelas, já que a revista é parte do universo expandido de Star Wars.
Oh, sim. Escrevi. Achei que seria fácil escrever uma HQ. É uma das coisas mais difíceis que já fiz. Trabalhei em colaboração com Ryder Windham, que co-escreveu. E, sabe, a revista ficou grossa. Parece uma lista telefônica cheia de palavras, cheia de textos, então… Foi duro, mas foi uma coisa boa de fazer.
E você também fez a versão de Ralph Bakshi de…
O Senhor dos Anéis! É uma pena eu não gostar mais de O Senhor dos Anéis. É claro que eu… bem, ele não me disse que eu ia interpretar Legolas e… Legolas teria o cabelo loiro, então… eu tinha o cabelo da cor do seu (apontando para mim, que tenho o cabelo preto). Mas acabei me saindo bem. Então, eu fiquei muito feliz quando Orlando (Bloom) conseguiu o papel (na trilogia de Peter Jackson) porque acho que Orlando e eu somos muito parecidos (risos).
Mas você atuou mesmo? Porque o filme foi rotoscopado.
Isso mesmo. Até alguma extensão, sim.
Então você estava presente, não fez só a voz…
Sim, sim. A história da minha vida, não? (sobre estar presente, mas acabar escondido).
Mas você fez outros filmes também. Eu ia te perguntar sobre um chamado I Bought a Vampire Motorcycle (Comprei uma moto vampira).
Oh, histérico! Eu me diverti tanto fazendo. É sobre um garoto que arranja uma moto que é possuída por um morcego e sai por aí matando gente. E… acho que fazer um filme de terror é muito… é um filme de terror de gozação, é pra ser engraçado. Então quando se faz um filme desses, geralmente é bem divertido, não quando se está na frente da câmera, mas depois todo mundo ri. Então nos divertimos muito. E eu era um padre e tive minha mão decepada, então passei o filme todo sem poder usar os dedos. Gostei muito.
E sobre o filme Conjure, onde você interpreta a si mesmo?
Qual?
Conjure. Eu li sobre ele na Internet…
Corrales: C-O-N-J…
U-R-E.
Não, acho que não sou eu.
Está creditado Anthony Daniels interpretando Anthony Daniels…
Não, não me lembro. Eu esqueço o que eu faço, mas esse eu não fiz. (Nota: maldito seja, imdb!). (Nesse momento, ele me devolve a pauta). Você está indo muito bem, dá para ver que fez a sua lição de casa. Estou muito impressionado.
Pouco antes você disse que era a história da sua vida não mostrar o rosto. Você tem medo de ficar estereotipado?
Não, de forma alguma. Eu não me importo que não vejam o meu rosto. Não é essa a questão. É como usar muita maquiagem, muitos atores usam próteses, barbas…
Mas muitos atores não gostam de esconder o rosto…
Eu não me importo, porque é uma característica importante para o personagem. O que eu não gostava foi quando fingiam que eu era uma máquina de verdade. Que eu não estava interpretando o papel. Isso foi difícil, mas agora, com os anos isso mudou. Você (apontando para mim) sabe e você (apontando para o Corrales) sabe que eu interpretei esse personagem, um personagem de faz-de-conta. E agora eu tenho o respeito das pessoas.
De todos os seus papéis, qual o seu favorito?
Acho que provavelmente foi um papel que interpretei apenas uma semana antes de conhecê-lo (George Lucas), que era uma peça sobre dois personagens pequenos de Hamlet. Hamlet de Shakespeare, chamados Rosencrantz e Gilderstern e alguém escreveu essa peça onde Hamlet tem um papel pequeno e essas duas pequenas pessoas são os astros do espetáculo. E é sobre duas pessoas que não se entendem com ninguém. Elas são vítimas dos eventos. E eu adorei fazer esse papel. Porque interpretei uma pessoa esperta e outro ator interpretou uma que não é tão esperta. E eles iam pra todo lugar e coisas ruins aconteciam com eles. E muitos anos depois, eu percebi que eles eram R2 e C-3PO. Eu estava interpretando o papel de Gildernstern, que era como ele. E outro ator estava interpretando alguém parecido com R2. E era o mesmo tipo de relação que eles tinham, eu já a tinha criado.
E há algum trabalho do qual se arrependa?
O Star Wars Especial de Natal… ahn… (pausa). Não, sabe, você segue em frente. Se você não gostou de alguma coisa, segue para a próxima, é o melhor jeito de deixar o que não curtiu pra trás.
E a exposição que veremos em março é a mesma que passou por Londres e Portugal?
Sim, mas essa vai ser maior, mais vasta, porque mais coisas foram adicionadas, vamos trazer mais coisas. Mas o Brasil… os fãs são muito carinhosos, mas não é um mercado muito grande e é muito caro trazer tudo isso. Temos que empacotar e trazer de avião caixas enormes. Todas as coisas são muito valiosas e enormes. Mas acho que quando virem o projeto, quando chegar aqui… não é como um museu. É uma experiência diferente. Tudo é real.
Corrales: Tudo que esteve em Londres e Portugal virá ao Brasil?
Acredito que sim. Não tenho certeza absoluta, mas são muitos figurinos, figurinos originais. Muitos trabalhos de design, objetos de cena reais, veículos de verdade. Mas tudo é preparado num cenário de Star Wars. Então quando você entra, não é um museu, você estará no mundo temático de Star Wars.
E você vai voltar em março, certo?
Vou.
E o que mais podemos esperar das comemorações de 30 anos de Star Wars?
Bem, até onde eu saiba ainda há mais coisas. Haverá concertos, que eu gosto muito de apresentar. Eu gosto de trabalhar com a orquestra. Acho que a base de fãs vai crescer, os fãs aqui no Brasil vão aumentar, porque as pessoas usam a imaginação, e talvez as pessoas passem a gostar depois da exposição. Clone Wars está chegando à TV. E há a outra série de TV que também sairá.
E há alguma chance de um Box de DVDs com os seis filmes de Star Wars?
É claro que há. Você vai poder comprar Star Wars em seus vários formatos e eventualmente vai poder comprar num pequeno chip para o ouvido. Pra colocar no cérebro. Porque Star Wars, logo que saiu, quando fizemos Star Wars não dava pra comprar em vídeo. Não existiam vídeos, comercialmente. Ninguém tinha videocassete. Agora, os videocassetes de todo mundo foram pra lixeira. Agora você tem o DVD. Tudo isso mudou em 30 anos. Daqui a 30 anos, lembre-se: Anthony Daniels disse que você ficaria surpreso. É assim que as coisas são.
Sr. Daniels, nosso tempo está acabando, posso pedir para você deixar uma mensagem para o público do DELFOS?
Olá, eu sou Anthony Daniels e esse é possivelmente um dos meus melhores amigos, C-3PO (ele estava segurando um boneco do dróide). Vocês me conhecem há 30 anos e finalmente estou aqui no Brasil, então estou muito feliz. Hum, ele também (referindo-se ao boneco). Ele pode falar português quando eu o ligo, mas eu não posso. Mas em qualquer língua: obrigado pelo apoio por 30 anos e que a força esteja com vocês.
Veja um vídeo dessa mensagem de Daniels aos delfonautas clicando aqui.