Epica – The Divine Conspiracy

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Resenhar um disco de uma banda de Symphonic Metal não é nada simples. Bem prazerosa, é verdade, mas nada fácil. E quando esta banda é o Epica, as coisas ficam ainda mais sérias quando eles se propõem a compor um disco conceitual tão diversificado quanto este. Mas as surpresas destes holandeses não são nada óbvias, nem mesmo tão simples. Ao mesmo tempo em que a banda se supera tecnicamente neste disco, eles erram no direcionamento musical do mesmo.

Pode-se até chegar ao ponto de dizer que The Divine Conspiracy é mais um álbum experimental do que mesmo um disco conceitual. Digo isso devido às diversas influências na sonoridade da banda.

A primeira coisa que chama a atenção neste disco é a maciça presença dos vocais guturais. Sim, eles estão ainda mais potentes e agressivos e fazem um caótico contraponto aos vocais melodiosos de Simone. Outro ponto interessante é a qualidade das orquestrações que permeiam todo o disco, especialmente, na faixa título, The Divine Conspiracy.

A temática, bastante simples depois de olhar a capa, gira em torno da mítica queda humana no Éden. A cada faixa vem sendo tecida uma aguda crítica aos parâmetros da sociedade até nossos dias.

A seguir, apresento um pequeno esboço a respeito da intrincada viagem de The Divine Conspiracy, o nosso bom e velho faixa a faixa. Caso você, meu caro delfonauta, seja impaciente ou não queira esperar até lá para saber o que realmente pode esperar deste disco, pode pular para o final.

Indigo – O disco abre com um clima bastante propício: uma bela orquestração acompanhada por vocais líricos. Apesar de ser bastante comum em discos de bandas de Metal, é sempre interessante pela ambientação e pela expectativa criada. Além disso, esta sonoridade clássica se encaixa perfeitamente na proposta da banda em apresentar um disco com figuras religiosas.

The Obsessive Devotion – Um som rápido com passagens mais melódicas. Chega a lembrar o riff de Cry for the Moon, do fabuloso disco The Phantom Agony. Notamos aqui já algumas particularidades desta nova fase do Epica, como uma maior presença de vocais guturais. “A Devoção Obsessiva” fala claramente da busca desenfreada do homem por uma crença que se ajuste à sua vida e também satisfaça sua consciência.

Menace of Vanity – Vocais guturais e boa bateria. Ponto negativo por utilizar repetições de fórmulas de bandas de Doom.

Chasing the Dragon – Balada. Os belos vocais de Simone se destacam aqui. Um som que em seus 7 minutos faz uma verdadeira viagem experimental, indo dos cálidos vocais de Simone até o mais extremo bastião do Black Metal, com os vocais do músico convidado Sander Gommas, que participa de algumas faixas. É o som que resume o disco: a combinação de diversos elementos totalmente distintos e antagônicos numa mesma música. Isso na teoria seria muito bom, mas neste disco a banda acaba exagerando na mistura e cria uma sonoridade irreconhecível e forçada.

Never Enough – A primeira música conhecida (por ter vazado na rede) e o primeiro single. É uma grande decepção. Tem-se a desagradável impressão de estar ouvindo Evanescence, guardadas as devidas proporções. É um som que em nada acrescenta ao disco, muito pelo contrário, é permeado por clichês. Perfeito para atrair a atenção do público Pop desavisado.

La‘petach Chatat Rovetz ~ the Final Embrace – Faixa instrumental. Nota-se nela, por breves instantes infelizmente, alguns elementos de música oriental. Outra passagem em que se nota a incorporação de diversos estilos diferentes à sonoridade da banda.

Death of a Dream ~ the Embrace that Smothers part VII – Não é apenas no título, mas esta é sem dúvida a mais sombria do disco e possivelmente da carreira do Epica. É uma bela canção, onde o principal destaque, uma vez mais é Simone. A parte mais marcante é o refrão, com o contraste dos vocais contraltos do coral ao soprano de Simone.

Living a Lie ~ the Embrace that Smothers part VIII – Musicalmente é uma das piores do álbum, contudo examinando a proposta apresentada é justamente em Living a Lie que temos o clímax. E, na metade da música, algumas frases ditas em italiano, que fazem parte de um rito cristão, completam a crítica ao pragmatismo religioso que está embutida no disco. “Vivendo uma Mentira” é uma resposta ao fanatismo religioso e à pseudo-liberdade a que são confinados aqueles que vivem sob um jugo ideológico.

Fools of Damnation ~ the Embrace that Smothers part IX – Uma particularidade desta são as influências da música árabe, explícita nos vocais de Simone na primeira estrofe. Os vocais guturais agora são cada vez mais necessários à compreensão da temática. “Tolos da Perdição” é um título forte e auto-explicativo. Refere-se à maldição lançada à humanidade após os eventos do Éden.

Beyond Belief – Marca o retorno da sonoridade característica do Epica. “Além da Fé” resume a síntese de Shakespeare, “Há mais entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. É um convite à reflexão dos valores morais e espirituais deturpados em nome da fé.

Safeguard to Paradise – Uma belíssima melodia. Simone consegue evocar toda uma áurea angelical para este som. Os mais xiitas classificarão esta como uma “balada sem conteúdo”. Muito ao contrário disto, é uma das músicas mais significativas do disco. E reflete a diversificação das nuanças de The Divine Conspiracy.

Sancta Terra – Está é sem dúvida um dos melhores momentos do disco. Não apenas pela atmosfera epicamente tradicional, mas também pela perfeita harmonia a qual somos apresentados. Sancta Terra fala sobre o reencontro que o ser humano tem consigo mesmo ao descobrir que, mesmo com todas as maldições lançadas pelos deuses, ele encontrou seu verdadeiro santuário, aqui mesmo nesta existência. Em outras palavras, o homem começa a ponderar sua vida através da razão e não por lendas ou misticismos vulgares.

The Divine Conspiracy – O momento mais sublime do álbum foi guardado justamente para o final, como sempre. Uma epopéia de mais de 13 minutos. Aqui vemos um Epica sem excessos, mas com uma perfeita consciência do que deve ser feito. Aqui temos uma orquestração digna de elogios. Tudo que a banda deixou a desejar até aqui foi redimido neste final épico (com o perdão do trocadilho). Aqui temos o Epica em estado bruto e em perfeita sintonia.

The Divine Conspiracy não é um disco ruim. Muito pelo contrário, é até um grande lançamento. Contudo, a sonoridade apresentada neste álbum demonstra um Epica saturado de elementos e desprovido de sua refrescante originalidade de poucos anos atrás. Toda esta gama de novidades poderia ser um trunfo para a banda, mas acaba sendo um passo para trás. Contudo, crédito deve ser dado a uma banda que se propõe a fazer um disco tão complexo. E é nesta intricada teia de valores, sonoridades, ideologias e críticas que o Epica acaba pecando, deixando um disco com essa proposta tão saturado e recheado de clichês desnecessários.

É impossível permanecer indiferente a um disco conceitual. Alguns odeiam, outros elogiam. Mas a grande maioria fica sem entender sua história. Se o objetivo de um álbum como este é só contar uma história, neste quesito o Epica cumpriu a missão. Mas se, além disso, o objetivo é apresentar um cenário completo sobre o assunto, mesclando arte, história e, sobretudo, música, então algo faltou aqui. Ou melhor, foi usado em excesso.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
epica-the-divine-conspiracyAno: 2007<br> Gênero: Symphonic Metal<br> Duração: 75:36<br> Artista: Epica<br> Número de Faixas: 13<br> Produtor: Sascha Paeth<br> Gravadora: Nuclear Blast<br>