O diretor M. Night Shyamalan virou piada. Seus filmes já foram muito esperados, passaram a sequer serem mostrados para a imprensa, e depois o sujeito desistiu de ser autor e virou funcionário padrão de produtor. Agora seu nome é até escondido.
Digo isso porque eu sabia da existência de Depois da Terra, pois sua campanha de marketing está bem agressiva. No entanto, eu não sabia quem era o diretor e, sinceramente, nem me importava. Só fui descobrir que era o Shyamalan ao fazer a ficha-técnica para esta resenha. Em outras palavras, se não fosse este meu bico no DELFOS, era bem capaz de eu pagar para assistir ao filme, e só descobrir que se trata de um trabalho do cara no final, pois não há créditos iniciais aqui. E isso é um caminho mais triste para sua carreira do que ter seus filmes autorais escondidos da imprensa.
Apesar de ser um fim triste, trata-se de uma boa jogada, pois o público vem evitando filmes do cineasta indiano já há um bom tempo. Dessa forma, como uma pegadinha, possibilita não só um faturamento maior, como também um julgamento mais justo, sem levar em considerações o que sabemos da sua obra.
DEPOIS DA CABINE
Em Depois da Terra, a Terra foi destruída pelos humanos, e a humanidade colonizou um outro planeta. Como humanos serão humanos, eles logo arranjaram guerra com uma raça alienígena e essa guerra está rolando quando o filme começa. Os ETs em questão não enxergam, mas são capazes de localizar os humanos através dos feromônios expelidos quando sentimos medo. Apenas um soldado, Cypher Raige (Will Smith), é capaz de não sentir medo e, desta forma, se torna invisível para os monstrengos.
Tipicamente Shyamalan, o conceito já é falho desde o início. Uma vez que a humanidade descobrisse que os bichos só enxergam quando se sente medo deles, seria relativamente fácil controlar o medo. Por exemplo, se você está no zoológico, e vê um leão atrás da jaula, não sente medo, porque sabe que ele não pode te machucar. A mesma ideia se aplica aqui. Claro, nem todas as pessoas teriam este domínio, mas dizer que entre soldados e guerreiros, apenas um ser humano conseguiria a façanha, é forçar a barra. Esta falha conceitual já lembra Sinais, e aquela história de que os alienígenas iriam escolher invadir justamente um planeta composto por 71% da sua principal fraqueza.
O início do filme segue esta linha “mais uma porcaria do Shyamalan”, com o agravante de que até mesmo o estilo do diretor, sua única qualidade, acabou sendo apaziguada em nome de plano, contraplano e outras técnicas padrão do cinema mainstream. Verdade, em alguns raros momentos, temos traços da sua interessante estética, filmagens indiretas e coisas do tipo, mas analisando a parte criativa da direção, até mesmo o lixo atômico Fim dos Tempos é mais interessante.
Depois da Terra, no entanto, se torna mais interessante quando sua história de fato começa. Acontece que Cypher e seu filho Kitai (Jaden Smith) estão em uma nave que cai em um planeta hostil (adivinha qual!). Sua única esperança de sobrevivência é conseguirem pegar um sinalizador que caiu a 100km dali. O problema é que o papai pintudo quebrou as duas pernas na queda, e agora cabe ao Smithinho salvar a vida de ambos. Felizmente, Smithão poderá se comunicar com o pimpolho, guiá-lo e ver tudo que ele vê, porque futuro, baby!
A partir do parágrafo acima você já deve ter sacado: Depois da Terra é um videogame. Smithinho é o protagonista que você controla, e o Smithão é o tutorial, que acaba sumindo lá no meio do caminho, quando o herói já aprendeu os “esquema”. E é exatamente isso.
Inclusive, o filme chega até a ser dividido em fases (cada dia é uma fase), e dá até para imaginar os achievements popando a cada perigo vencido. Isso aproxima Depois da Terra de obras como Sucker Punch. Manja esses filmes que querem tanto ser um videogame quanto os games de hoje querem ser filmes? É por aí. E leva a pensar porque diabos ninguém parece satisfeito com a mídia que escolheu.
Assim, temos aqui um monte de cenários abertos, enormes, praticamente implorando pela exploração do jogador. O problema é que você infelizmente não controla o Jaden Smith. Depois da Terra é um game com as partes interativas arrancadas, um apanhado de cutscenes.
Como tal, pode até ser interessante. Arrisco dizer até que é a melhor adaptação de videogames que não existem desde o divertidíssimo Mandando Bala. Só que ao contrário do filme em que Clive Owen faz o Pernalonga, aqui não temos a sensação de “uma homenagem aos games”, mas a sensação “quero ser um game”.
Então o filme é até divertido, o primeiro do M. Night Shyamalan que eu me sinto confortável em recomendar para o delfonauta em muito, muito tempo. Só que você vai sair do cinema com vontade de pegar um controle e explorar este mundo. Mas pelo menos dessa vez você não vai ficar apertando start durante a projeção.
CURIOSIDADES:
– Eu já falei antes, mas é incrível como o Smithinho e o Smithão são parecidos. Fala sério, no pôster deste filme é necessário pensar e achar os sete erros para saber qual é qual!