Ferrari é um filme que não me interessa, nem me chama a atenção. E como você e eu temos uma relação honesta aqui no DELFOS, quis começar com isso. Não me interesso por carros, pela difícil vida dos bilionários, e muito menos por cinebiografias e cinema feito para ganhar prêmios. Ferrari é tudo isso e, portanto, é um filme cujo interesse pessoal era simplesmente profissional. Ainda quer ler minha opinião nesta crítica Ferrari? Então siga comigo. Caso contrário, faça apenas um comentário dizendo “parei de ler no primeiro parágrafo porque…”. Sério, você não tem ideia de quantas vezes já li comentários assim por aqui. Bora?
CRÍTICA FERRARI
Para não deixar a impressão que absolutamente nada me interessa, eu gosto do diretor Michael Mann. Mas é por aí mesmo. Ferrari é um filme com vários conflitos, muito mais do que normalmente vemos no cinema. Mas todos eles parecem banais ou auto-infligidos.
Aqui a gente acompanha um pequeno capítulo da vida de Enzo Ferrari (Adam Driver). Quem diria que o fundador da Ferrari tinha o primeiro nome masculino mais popular no Brasil em 2020? Em 2040 veremos tantos adultos chamados Enzo e Yasmin quanto a minha geração tem Rodrigos e Carolinas.
Neste capítulo, Enzo lida com vários problemas. Sua empresa precisa vender mais carros, e para isso ele precisa ganhar uma corrida importante. Vencer a corrida possibilita que ele arrecade capital de Henry Ford (o que me lembrou Ford Vs. Ferrari). Paralelamente a isso, a vida que ele leva com duas famílias (duas mulheres, cada uma pariu um filho seu) está começando a se juntar. E a esposa oficial (Penelope Cruz) é sócia dele na Ferrari, portanto ele quer tirar ela da jogada para assumir a segunda família de vez e centralizar o poder na empresa.
FIRST WORLD PROBLEMS
Algum desses conflitos te interessou? Se sim, Ferrari há de satisfazê-lo como filme. Nenhum desses conflitos é o que eu chamaria de conflito principal. Ao invés disso, todos dividem espaço, e enquanto alguns são solucionados na projeção, outros ficam em aberto. Dito isso, a coisa é bem first world problems, tipo O Discurso do Rei. Tipo, “eu trocaria muito fácil minha vida pela sua, senhor rei da Inglaterra gago”.
Não que first world problems não sejam problemas. Eu sou o primeiro a admitir quando estou passando por um (tipo a TV OLED ter burn-in), e sei que incomodam. Como dizem por aí, Tutatis dá a cada um a cruz que consegue carregar, e sei que a minha cruz não é das mais pesadas (a do Enzo Ferrari menos ainda). Ou se pá o jardim do outro é sempre mais verde. A possibilidade de ter uma Ferrari é tão distante da minha vida que não consigo ver nada com este nome sem acompanhar com a ideia de que são um bando de bastardos privilegiados.
CRÍTICA FERRARI E O STRIKE!
Falando sobre o filme em si, eu diria que o excesso de conflitos e a ausência de um conflito principal faz com que o longa pareça atirar para todo lugar sem se comprometer com uma narrativa específica. Provavelmente a melhor parte é a corrida das mil milhas que rola no clímax, mas ela é prejudicada narrativamente falando. Isso porque todos os carros participantes são vermelhos e todos os pilotos são quase iguais na roupa de corrida. Assim, você nunca sabe quem é o que está no carro que acabou de quebrar. Em um momento vital, dois carros vermelhos com pilotos iguais ficam um do lado do outro para ver quem arrega e desacelera primeiro e eu sinceramente não sabia qual deles estava na Ferrari, ou mesmo se algum deles estava.
A corrida também é o ponto de maior destaque do filme, graças a uma cena que vou chamar por aqui de “strike”. Acredito que foi a primeira vez que eu produzi uma exclamação audível no cinema, simplesmente por não esperar que aquilo acontecesse, especialmente não daquela forma. Mesmo não sendo uma cena pesada graficamente, é tematicamente muito forte e assustadora. Mas já dizia Niki Lauda em seu filme, correr é uma profissão perigosa. Os corredores sabem disso, mas fica mais complicado quando a decisão deles afeta pessoas que nada têm a ver com isso.
VEM NI MIM, PRÊMIOS!
Não diria que Ferrari é uma porcaria. Certamente já assisti a muitas cinebiografias inferiores. Mas não deixa de ser uma cinebiografia, e uma sobre um assunto que não me interessa. Além disso, cinema feito para ganhar prêmios para mim já entra imediatamente numa categoria inferior da sétima arte. Se é que podemos chamar isso de arte, assim como não podemos quando algo é feito só para vender. Mas aí já estou divagando, entrando no espinhoso campo de definir a arte, e isso, se for abordado aqui um dia, será assunto para seu próprio texto. Então minha conclusão é a seguinte: Ferrari é uma cinebiografia sobre a marca feita para ganhar prêmios. Você sabe o que vai encontrar aqui. Se gostou de outros longas assim no passado, que tal dar uma passada no cinema e daí voltar aqui depois e me contar o que achou? É um date então!