E cá estamos nós com um novo filme do Martin Scorsese. Depois de falar mal da Marvel e fazer um filme para o Netflix enquanto reclamava que as pessoas poderiam assistir nos celulares, agora temos o famoso diretor de volta às telas grandes. Assassinos da Lua das Flores é seu título, e é o mais puro suco de Scorsese.

CRÍTICA ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

Esta é uma história totalmente estadunidense. Isso não significa, claro, que não seja válida para aqueles que cresceram em outras realidades e culturas. Mas vale dizer que o filme se passa em um período histórico dos EUA e não faz muito para contextualizar para aqueles que já não sabem do que se tratava.

O período retratado em Assassinos da Lua das Flores é um que aconteceu pouco depois da maior parte dos faroestes. Indígenas e caubóis não estão mais em guerra aberta. A sociedade começa a abrir espaço para ambos, e isso gera tensões. “Dinheiro do homem branco”, como é dito por um personagem indígena, foi dado para os nativos americanos. Tem a ver com petróleo, mas também com uma certa reparação histórica. A história retratada aqui mostra os homens brancos querendo recuperar este dinheiro.

Claro, separar em dois grupos não ajuda a narrativa. Muito provavelmente o dinheiro foi dado para os nativos americanos pelo governo, à revelia de parte da população. Estes brancos ficaram com a sensação de que os indígenas ganharam uma fortuna sem precisar trabalhar por isso. Assim, se sentiam lesados pela situação – e acredito que foi mais ou menos daí que saiu o estereótipo do “índio preguiçoso”.

CAUBÓIS CONTRA ÍNDIOS

Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio, Delfos

Isso retrata um período específico, mas tem relações contemporâneas. Hoje existem ações afirmativas, que também são reparações históricas, mas que fazem aqueles excluídos das cotas defenderem a meritocracia e alegarem que um “médico cotista não tem o mesmo conhecimento”.

A questão é que no filme os brancos, especialmente Bill Hale (Robert De Niro), concotam um grande esquema para receber sua supostamente devida contrapartida. É uma teia de intrigas complexa que envolve casamentos arranjados e assassinatos em ordem muito específica para “manter o dinheiro na família”. Esta teia é o mote de Assassinos da Lua das Flores.

O que diferencia este de boa parte dos filmes sobre crimes é que aqui a história é protagonizada pelos criminosos, não pelas vítimas. Não existe dúvida na narrativa sobre quem são os assassinos, nem do que desejam conseguir com os crimes, já que vemos toda a manipulação acontecendo em frente às câmeras. É, sinceramente, nojento. Mas esta é a força do filme. É forte justamente por ser nojento.

SCORSESANDO O SCORSESE

Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio, Delfos

Martin Scorsese é um daqueles nomes que quase todo mundo apaixonado por cinema curte. Eu amo cinema, mas confesso que a linguagem do cara não fala muito comigo. Seus filmes são longos demais e verborrágicos demais. Admito que mesmo o amado Os Infiltrados achei um tanto chato.

Um outro diretor também tem essas características: filmes longos com diálogos demais. Falo, claro, do Quentin Tarantino. Porém, este tem uma pegada mais pop e um estilo que me agrada muito mais. Provavelmente o próprio Quentin diria que Scorsese é uma de suas influências, mas hoje, em 2023, os dois são dois lados da mesma moeda. E um dos lados fala mais comigo.

Com isso, não quero dizer que o estilo do Scorsese é ruim, apenas que tenho reparado, diante de tantos filmes dele que resenhei e que assisti mesmo sem resenhar, que não é para mim. Muito provavelmente vou escrever ainda algumas críticas de filmes dele no futuro, mas acho que a essa altura já tenho o repertório suficiente para dizer isso.

QUALIDADES E O PIPI CAMARADA

Particularmente, eu acho que o Scorsese precisa ser mais ágil no roteiro e mais implacável na edição. Não quero dizer que histórias de três horas e meia não devem ser contadas, longe disso. Mas sim levantar a bola que o cinema talvez não seja a melhor vitrine para elas. Particularmente, eu começo a ficar realmente desconfortável lutando contra a sede e contra a vontade de ir ao banheiro por tanto tempo. E, para ser bem sincero, a história de Assassinos da Lua das Flores não me parece exigir tanto tempo para ser bem contada.

Isso não significa que o filme não tenha qualidades. O estilo narrativo do Martinho Escorsário não fala comigo, mas gosto de muitas outras coisas. As atuações, por exemplo, são sempre excelentes. Mas mais específico para este filme, eu simplesmente amei a forma que ele filmou o epílogo.

Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio, Delfos

Sem spoilers, claro. Todos já vimos filmes que terminam com textos. Tipo “fulano de tal viveu até os 90 anos enquanto o ciclano morreu na cadeia”. Sabe esse tipo de coisa? Convenhamos que passar parte da história em textos não é um bom uso da linguagem audiovisual. Então, Assassinos da Lua das Flores tem um epílogo, mas é diferente disso.

EPÍLOGO E OS ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

A função narrativa é a mesma: elaborar os destinos dos personagens depois que a história propriamente dita acabou. Mas aqui isso é feito através de um programa de rádio antigo, com narradores, efeitos sonoros e pessoas representando os personagens. Foi uma excelente ideia, e sobrou até espaço para o próprio Scorsese fazer uma participação.

Eu gostei de Assassinos da Lua das Flores. É o tipo de filme que vale a pena ser assistido, nem que seja pelo estofo cinematográfico e histórico que ele agrega. Porém, sua duração estufada faz com que eu não recomende ver no cinema, a não ser que você tenha uma bexiga de aço e muita paciência. É melhor esperar chegar na Apple TV e assistir em casa, nos seus termos. E, talvez, para deixar o Scorsese chateado, através da telinha do seu celular.