Recentemente, li em algum lugar um texto falando sobre as fórmulas que Hollywood não para de repetir. Uma delas era “Família é assassinada. Pai mata o planeta inteiro”. De fato, essa história já era velha quando o Charles Bronson ainda tinha só 80 anos e até nos quadrinhos já deu.
Código de Conduta, no entanto, apesar de seguir religiosamente essa fórmula (incluindo uma cena em que o pai diz “ou eu mato TODO MUNDO”), traz algo de novo para ela e, no final das contas, tem grande possibilidade de estar entre os melhores do ano.
Geraldo “o mordomo” Butler, é o pai em questão. Trinta segundos depois do início do filme, sua esposa e filha são assassinadas. “Cacildis, esse roteirista tem pressa”, pensei com meus botões. Corta para o julgamento, onde um dos assassinos é condenado à pena de morte e o outro cumpre alguns poucos anos na cadeia. “O Mordomo”, sentindo que a justiça não foi cumprida, decide cumpri-la. Com as próprias mãos.
Esse seria o momento em que, num filme normal da fórmula, descobriríamos a conspiração envolvendo o crime organizado, o cara desenharia uma caveira no peito e sairia soltando pipocos em tudo que se mexe. Pausa para o hell, yeah de reverência.
Hell, yeah, bitch!
“O Mordomo”, no entanto, é mais metódico. Primeiro ele dá um jeito de fazer o carinha condenado à morte morrer de forma mais dolorosa (em uma cena extremamente forte). Depois, ele rapta o carinha livre, dá um veneno que o imobiliza e começa a apresentar algumas ferramentas para o cara, dizendo o que vai fazer com elas. Pausa para o segundo hell, yeah.
Hell, yeah 2 – A vingança do barulho!
Considerando que isso tudo acontece logo no início, imaginei que veríamos a tortura se desenvolvendo ao longo da projeção, tal qual O Albergue. Mas não. Logo, o pobre pai é preso e só aí o filme começa. A partir desse momento eu entendi a pressa do roteirista nesses primeiros minutos.
Acontece que “O Mordomo” não pretende seguir os passos do Justiceiro. A ideia dele era justamente ser preso e manipular o sistema para fazê-lo ruir por dentro. Tudo, claro, focado no advogado que fez o acordo com um dos assassinos, o Jaiminho Rapposa.
O que temos aqui é basicamente um jogo de xadrez. Um deles, O Mordomo, é extremamente agressivo e inteligente. Assim, resta ao verdadeiro personagem principal, A Rapposa, reagir e tentar, de alguma forma, virar o jogo. É simplesmente lindo. Cada frase e cada ação do Gerardo é minuciosamente planejada, lembrando uma versão menos sombria do Jigsaw. E, a cada acordo que Jaiminho não cumpre, pessoas morrem. E cada morte é melhor e mais merecida que a anterior.
A morte do celular, inclusive, merece um parágrafo só para ela. Se esse filme fosse mais velho, com certeza teria entrado nesse texto. Na verdade, achei aquilo tão genial que todo celular deveria vir de fábrica programado para acontecer isso se a pessoa atendesse o telefone no cinema. Já pensou que lindo? “Alô? Cabum!”.
Minha família já sofreu bastante com casos de advogados inescrupulosos contratados por ladrões que queriam roubar-nos legalmente, então ver alguém igualmente injustiçado se vingando do sistema legal de formas tão lindas gerou a maior quantidade de cumshots involuntários que eu tive no cinema desde aquela pré-sessão de Watchmen.
O principal problema, como é praxe em Hollywood, é o terceiro ato. Se fosse um filme coreano, com certeza tudo daria certo para o herói (“O Mordomo”). Como Hollywood é muito moralista, no entanto, não é bem assim. Bem que os coreanos podiam fazer um remake deste filme, da forma que ele deveria ser.
Apesar do final moralista, no entanto, mantive o (rufem os tambores) Selo Delfiano Supremo por um simples motivo: o advogado vivido pela Rapposa tem uma filhinha. Conhecendo as fórmulas hollywoodianas, tinha certeza que tudo apontaria para um confronto final entre A Rapposa e “O Mordomo” onde este último ameaçaria a menina. Felizmente, isso não acontece. Particularmente, prefiro ter uma criança que não serve para nada em um filme (embora ter um personagem sem motivo para existir não seja aconselhável) do que ter uma criança que só serve para servir de vítima na cena final.
Embora A Rapposa apareça bem mais do que “O Mordomo”, cada uma das cenas com este último está entre as melhores do ano e todas contam com alguns diálogos simplesmente espetaculares. Até o monólogo na cena de tortura é fenomenal. Nunca ver pessoas conversando me deu tanta vontade de levantar e aplaudir – isso normalmente só acontece quando coisas explodem.
Além disso, o segundo ato é tão absurdamente bom e tão catártico que, se eu não presenteasse este filme com o (rufem os tambores) Selo Delfiano Supremo, seria mais do que justo eu receber no conforto do meu lar a visita do “Mordomo” para me ensinar uma ou outra lição sobre justiça.
Dessa forma, ignore o título nacional genérico. Se você é fã da expressão hell, yeah, não pode perder este filme. Eu mesmo já quero vê-lo de novo. E a sessão não terminou nem duas horas atrás.
Curiosidades:
– Ok, praticamente todas as atitudes do “Mordomo” tiveram seus motivos explicados, mas alguém pode me explicar porque ele estava esperando a polícia invadir sua casa pelado, pelado, nu com a mão no bolso?