Ultimamente a moda nos filmes Oscarizáveis (como o meu amigo Corrales passou a chamá-los) são as biografias. O Aviador, Ray e Em Busca da Terra do Nunca são apenas alguns exemplos recentes.
Capote seria só mais um desses exemplos, não fosse a abordagem escolhida pelo roteiro. O filme não se propõe a apresentar a vida de Truman Capote (escritor e jornalista muito respeitado nos EUA, mas desconhecido do público em geral no Brasil), mas mostrar o processo de criação de sua obra máxima. Assim, a produção está muito mais próxima de Em Busca da Terra do Nunca (que fez a mesma coisa) do que dos outros dois exemplos citados.
No final de 1959, dois rapazes invadem uma fazenda no interior do Kansas e matam toda a família dona da casa (pai, mãe e dois filhos). Truman Capote, jornalista da revista The New Yorker, fica sabendo do acontecido e acha que o caso pode render uma boa matéria. Ele viaja para o local com sua amiga Harper Lee (Catherine Keener, de O Virgem de 40 Anos) para trabalhar na história e logo percebe que há material suficiente para um livro.
Trata-se de A Sangue Frio, sua obra mais famosa e uma revolução no modo de se fazer jornalismo, pelo modo como Capote reconstitui a história e se envolve com os assassinos. Ele levou cinco anos para terminá-lo, examinando documentos e fazendo várias entrevistas com os criminosos. Também decidiu só concluir sua obra depois que a sentença dos condenados fosse executada de modo definitivo. Eles foram condenados à morte na forca, mas recorreram diversas vezes, adiando em anos suas mortes.
A grande força da película é justamente acompanharmos o processo de trabalho do escritor e testemunharmos o forte laço de amizade que ele desenvolve com um dos assassinos, Perry Smith (Clifton Collins Jr., em uma bela atuação). Capote se identificava com Perry pelo fato dos dois terem um passado parecido. E há até a possibilidade que fica em aberto de Truman nutrir um amor platônico por Perry. Sim, Capote era gay e assumido.
E aí está outro mérito do filme. Ele nos dá muitas informações sobre a vida pessoal do homem sem desviar o foco central da trama. Todas as informações para entendermos melhor quem foi Capote estão lá, mas no pano de fundo. Sabemos que ele é gay e mora com outro cara (o que era um escândalo nos anos 60), que quando ele parte para o Kansas já é um profissional renomado e cheio de prestígio, dentre outras coisas. O filme não ofende a inteligência do espectador jogando esses fatos mastigados, presumindo que de outra forma não perceberíamos. Até porque Philip Seymour Hoffman cuida para que isso fique bem claro em sua caracterização do personagem.
Hoffman é daqueles atores que você provavelmente já viu em dezenas de filmes, mas não liga o nome à pessoa (o cara varia de papéis em produções como a aventura descerebrada Twister até os filmes de Paul Thomas Anderson). Sem dúvida é um dos mais talentosos atores estadunidenses em atividade. Mas devo dizer que estranhei muito sua interpretação.
Philip constrói um Capote de trejeitos um tanto afeminados e até muda seu tom de voz para um registro mais fino e enrolado, ficando quase impossível entender o que ele fala em algumas passagens. Eu achei sua interpretação muito caricata, mas admito que nunca tive acesso a nenhum registro gravado ou filmado do verdadeiro Capote para saber se ele realmente passou do ponto ou se o cara era daquele jeito mesmo. Mas eu digo uma coisa, se ele realmente era assim, tratava-se de uma figura no mínimo exótica.
Atuações à parte, o filme em si é bom, mas poderia ser melhor. Alterna ótimos momentos – a brutal cena dos assassinatos e a pesada seqüência da execução – com outros um tanto quanto burocráticos. A balança volta a pender para a melhor ao retratar os dois bandidos como seres humanos e não como monstros. São pessoas normais, que um dia, por alguma razão (destino, desespero, curiosidade mórbida, tanto faz) fizeram algo horrível. É impossível esquecer disso, mas também é difícil não ter um mínimo de simpatia com eles, especialmente com Perry.
Para todos aqueles que se interessam por algum tipo de processo criativo, saber como nasce um clássico do romance de não-ficção e para aqueles interessados apenas em uma boa história, é seguro dizer que Capote vale o ingresso.