Quem foi criança nos anos 1980 certamente, em algum momento, passou suas manhãs em frente à telinha assistindo a um programa de auditório comandado por um palhaço. E não estou falando do Krusty, mas sim do inesquecível Bozo. E como você já deve ter adivinhado, Bingo: O Rei das Manhãs é baseado na história do palhaço Bozo, que tanto alegrou as manhãs do SBT.
Aparentemente eles não devem ter conseguido os direitos do nome Bozo e, como todo filme de ficção, mesmo que baseado na realidade, toma lá suas liberdades dramáticas. Mas fora isso, é a história da versão brasileira do Bozo. Ou melhor, de seu intérprete mais famoso, Arlindo Barreto.
Aqui ele vira Augusto Mendes, ator que ganha sua grande chance de figurar no centro dos holofotes quando é selecionado para viver o palhaço Bingo num novo programa infantil matinal baseado num personagem e formato originais dos EUA.
A partir daí vemos sua lenta ascensão como o palhaço, até o domínio das manhãs no Ibope, causando uma verdadeira febre. E claro, apesar de encarnar uma figura querida das crianças, seu intérprete, com o sucesso, irá entrar num esquema “vida louca” de drogas e desregramento, que pode colocar em risco sua relação com seu filho, que tem de dividir o pai com todas as crianças do país.
O filme é muito legal. Visualmente muito apurado, com movimentos de câmera bacanas e complexos. E caprichando na estética dos anos 80 com cenografia, figurinos e um monte de referências visuais que deixa tudo deliciosamente nostálgico para quem viveu a época. Eu não consegui conter um baita sorriso ao ver em tela uma fita Basf!
O cuidado é tanto nesse sentido que até as legendas na parte dos diálogos com o gringo (que veio supervisionar a adaptação brasileira de seu programa e personagem) são aquelas amarelas com as bordas retas, usadas em fitas VHS. São esses pequenos detalhes que dão ainda mais charme à produção.
ALÔ, CRIANÇADA, O BOZO BINGO CHEGOU!
Ele também capricha ao retratar a televisão da época, em tempos mais sem noção, onde imperava uma exagerada sexualização em programas infantis e todo mundo achava a coisa mais normal do mundo. A reconstituição visual e estética de todo esse universo ficou excelente.
Bem como a trilha sonora ótima, escolhida a dedo, e as atuações. Vladimir Brichta faz um grande trabalho ao deixar simpático um personagem tão narcisista. E o cara ainda é divertidamente cafajeste! O resto do elenco acompanha no mesmo nível, principalmente o cameraman amigo do Augusto.
A melhor parte do filme é quando o programa do Bingo ainda está em seus primeiros dias, com o ator tendo de aprender a lidar com as crianças da plateia, encontrar o tom certo do personagem e tentar ter mais liberdade e conseguir emplacar suas ideias com a diretora do programa (Leandra Leal) e sobretudo com o executivo supervisor estadunidense.
Todas essas sequências são muito divertidas. Infelizmente, o filme perde fôlego mais para o final, quando Bingo vira um sucesso e Augusto se perde na vida de mulheres, drogas e enfiação de pé na jaca. A partir daí, não consegue escapar dos clichês das histórias típicas de sujeitos que precisam chegar ao fundo do poço para conseguir sair de lá.
Uma pena, porque o filme estava excelente até dar essa baita esfriada. Ainda assim, até chegar a este ponto ele é tão legal que acabou dando para relevar essa parte menos inspirada.
Bingo: O Rei das Manhãs é um dos filmes nacionais mais bacanas que vi em algum tempo. Divertido, com boa dramaturgia e, sobretudo, uma história que sai da mesmice temática que tanto assola o grosso de nosso cinema. Só por isso já valeria uma assistida. Contudo, se por acaso você vivenciou a época e conhece a história real na qual o longa foi baseado, ele cresce ainda mais, tornando-se mais que recomendado.