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– Asterix e os Normandos – O livro no qual o filme foi inspirado.
– Asterix e os Vikings – O livro inspirado no filme.
Quando o ano começou, imaginava que este seria o filme mais esperado do ano por mim. Pois é, eu realmente achava isso porque não sabia que estava planejado um novo longa animado do Asterix. Sabia do terceiro filme, é claro, mas essa animação me pegou de surpresa quando, na Animefriends, me deparei com um pôster do mesmo. A alegria e empolgação foi apenas comparada à decepção quando vi que chamaram a turma do Pânico (que já tinha estragado esse aqui) para estragar… ahem… fazer a dublagem. Felizmente, a versão exibida para a imprensa não foi a estragada, quer dizer, a dublada pelos “comediantes”, mas o simples pensamento dessa possibilidade foi provavelmente a causa dos pesadelos que tive desde a Animefriends.
Pois é, como o delfonauta dedicado já sabe, eu adoro as aventuras de Asterix e Obelix há quase 20 anos. Isso significa que, se colocarmos lado a lado Homem-Aranha, Monty Python e Asterix, provavelmente meu escolhido será mesmo o gaulês, que já me acompanhou durante muito mais fases da minha vida e sempre trouxe gargalhadas e alegria como pouquíssimos personagens são capazes de trazer.
Mais um fator contribuiu para minha ansiedade em relação a este longa: o fato de ele ser inspirado em Asterix e os Normandos, um dos meus livros preferidos da obra máxima dos tremendões René Goscinny e Albert Uderzo.
O básico da história foi mantido no filme, mas muita coisa foi alterada. Vamos começar com o que ainda está aqui: os vikings são valentes guerreiros. Tão valentes que não conhecem o significado do medo. Aliás, eles desconhecem tanto que acreditam que esse sentimento faz, literalmente, uma pessoa voar. Decididos a aprender essa técnica, saem para a Armórica em busca do campeão mundial do medo.
Enquanto isso, na Gália, o irmão do chefe Abracurcix manda uma carta pedindo que transformem seu filho, Calhambix, em um valoroso guerreiro. Sem pensar duas vezes, o chefe passa essa missão para… adivinhe. Pois é, Obelix e Asterix. Acontece que Calhambix é um típico jovem urbano. Acostumado com as mordomias da cidade grande, é bem fresco e, principalmente, medroso. Decididamente, não é um bom candidato a guerreiro. E desnecessário dizer que ele será justamente a vítima dos destemidos vikings.
Agora vamos às diferenças, que se dividem no grupo das positivas, neutras e negativas. Primeiro as positivas, que são basicamente atualizações temporais. O livro foi publicado originalmente nos anos 60, quando os jovens piravam o cabeção com o Rock ‘n’ Roll de Beatles, Rolling Stones e et ceteras. Obviamente, o Calhambix das HQs era roqueiro ou pelo menos algo parecido com isso, já que não existia Rock em 50 a.C. (daí o cabelo comprido). Como hoje o estereótipo jovem não é mais de roqueiros, Calhambix também não o é. Na verdade, ele aqui é um rato de discoteca e leva a música eletrônica para a aldeia gaulesa, para desespero do bardo Chatotorix e para a alegria de Obelix, que fica doido para aprender a dançar. Como quase todo jovem hoje em dia, Calhambix também foi convertido ao vegetarianismo, o que eu achei uma sacada bem legal dos roteiristas.
Como o livro tem apenas 48 páginas, acréscimos também foram feitos para aumentar a duração do longa. Ao contrário do gibi, aqui os vikings chegam a levar o jovem para a Normandia, o que faz com que Asterix e Obelix saiam em mais uma de suas famosas viagens. Novos personagens também foram acrescentados, o que não é necessariamente negativo, mas alguns deles são parte do motivo pelo qual você, por mais que procure, não vai conseguir encontrar o Selo Delfiano Supremo em nenhum lugar desta página. Vamos discuti-los no próximo parágrafo.
Dois foram os principais acréscimos negativos. O primeiro é a filha do chefe viking, Abba, que parece ter sido colocada lá apenas para servir de interesse romântico para Calhambix de uma forma meio Romeu e Julieta. O outro é uma espécie de conselheiro (que acaba assumindo o papel de vilão) do chefe viking, que quer porque quer casar seu filho Olaf (o estereótipo do guerreiro forte, grande, burro e engraçado) com Abba, mesmo que nenhum dos dois queira esse casamento.
Sinceramente, não vejo necessidade de um vilão (o conselheiro) e, muito menos, de um interesse romântico para Calhambix. Mas o pior não está nem aí. Em determinado momento, o jovem deixa Obelix triste e, adivinha só… lá vêm as malditas lições de moral sobre o valor da amizade que estragam 90% das animações atuais e prejudicam os outros 10%. Poxa, bem que as crianças poderiam aprender de uma vez por todas o maldito valor da amizade para que os estúdios de cinema parem de enfiar isso goela abaixo de todo mundo, você não acha?
Mas apesar desses defeitos, o filme é cheio de qualidades. O visual é belíssimo e o design e personalidade dos personagens não poderiam ser mais fiéis aos personagens das HQs. Obelix ainda é aquele crianção destinado a ser o favorito de todos, Asterix é inteligente e divertido, Idéiafix é pequeno e fofo e Chatotorix canta mal pra burro. Mesmo os acréscimos, como Abba, por exemplo, têm uma aparência tal que parecem ter sido criados pelo próprio Uderzo (que na verdade acompanhou a produção de perto e ia aprovando tudo que era criado).
A trilha sonora também é muito legal (e o presskit veio com todas as músicas em MP3, mó legal!) e o humor é na mosca, mas algumas coisas podem não fazer muito sentido para aqueles que não estão familiarizados com os personagens. Em nenhum momento, por exemplo, é explicada a origem da força permanente de Obelix (ele caiu em um caldeirão de poção mágica quando era criança) ou porque a vila gaulesa vive jogando peixes uns nos outros. Claro, nós que conhecemos os livros e já sabemos de tudo isso, vamos nos divertir muito com as diversas referências e até mesmo com as piadas repetidas do gibi, mas muita gente vai boiar legal, especialmente as crianças mais novas, eu acho.
Em comparação com o último filme live-action dos gauleses, Missão Cleópatra, Asterix e os Vikings peca em fidelidade pois, enquanto o primeiro é quase uma transcrição literal das HQs (repetindo inclusive os diálogos), este tem muita coisa nova e também muita coisa faltando, que os mais fanáticos podem reclamar.
A falta de fidelidade não chega a ser exatamente um problema, já que normalmente os desenhos baseados na obra de Goscinny e Uderzo não costumam ser tão fiéis mesmo, tanto que normalmente o nome é mudado – vide A Surpresa de César, que é uma mistura de dois livros.
O problema mesmo parece ser um certo dedinho estadunidense na produção. Não sei se Hollywood chegou mesmo a fazer algo por aqui, mas a vontade de atingir o território norte-americano é visível e, talvez por causa disso, tenham aumentado tanto o fator clichê (com os novos personagens, lições de moral e etc). Convenhamos, se tem algo que os livros definitivamente não são é clichê.
Embora tenha muita vontade de fazê-lo, não posso meter o pau na dublagem brasileira, já que assisti ao desenho falado em inglês (pois é, também não entendi porque não usaram o som original em francês). Mas convenhamos, dublagem feita por qualquer tipo de pessoa que não sejam atores nunca dá em nada bom, então tenha certeza que o cinema no qual você vai assistir, exibirá o longa legendado. E não saia assim que os créditos começarem, pois estes apresentam alguns desenhos ilustrando uma espécie de epílogo – e alguns são muito engraçados.
Apesar de ter sido transformado em uma obra infantil padrão, ainda assim trata-se de uma aventura de Asterix e, principalmente, de Obelix, o que significa que, mesmo piorado, ainda é bom pra caramba! E, ao que tudo indica, será o maior lançamento de um desenho da dupla nos nossos cinemas. Vamos torcer para que venham muitos mais. E um dia eu ainda arranjo um cachorrinho bigodudo que caiba na palma da minha mão, por Tutatis!