Recentemente tive o prazer de ler o livro Dave Mustaine: Memórias do Heavy Metal. Para quem não conhece, o livro é a autobiografia do vocalista, guitarrista e CEO do Megadeth, Dave Mustaine e era uma leitura que eu aguardava desde que fiquei sabendo que o músico a lançaria.
Uns bons anos atrás, eu até consegui pôr as mãos em um exemplar em inglês do livro, mas na época o meu inglês não era bom o bastante para que eu conseguisse empreender uma leitura de aproximadamente 450 páginas, então eu acabei largando. Mas eis que finalmente lançaram o livro em terras tupiniquins e, ainda que com um pouco de atraso, consegui adquirir o meu próprio volume. E sou obrigado a dizer, delfonauta: que livro!
A minha única crítica ao livro é que ele é curto demais e conta com muito menos “causos” do que poderia, ainda que não faltem boas histórias nele. No mais, sempre fica aquele pensamento de como seria o livro se ele tivesse sido lançado posteriormente, e contasse os detalhes da saída de Chris Broderick e Shawn Drover e a entrada de Chris Adler e Kiko Loureiro. Mas, ei, isso não é uma resenha de livro, então por que eu dediquei três parágrafos à autobiografia em questão?
Porque o tema dessa matéria que você está lendo são as autobiografias, delfonauta. Você provavelmente já percebeu isso quando viu o título, mas é sempre bom avisar para os desavisados de plantão, não é mesmo? Afinal de contas, este texto poderia muito bem ser uma resenha de um filme do Dave Mustaine, basta mudar algumas frases de lugar. Mas estou saindo do foco, voltemos ao assunto principal.
BIOGRAFIAS NO MUNDO DO ROCK
Delfonauta, eu sou um aficionado por biografias. E não digo apenas biografias do mundo do Rock, mas biografias de um modo geral. Não sei se é porque eu andava muito com meu avô quando pequeno (e você sabe como vovôs adoram contar histórias do passado), mas eu tenho um prazer especial em ouvir histórias passadas sendo recontadas.
Eu diria que as biografias têm um gosto especial se comparadas aos livros “comuns”, pois elas não são uma história se construindo no momento, mas sim histórias que aconteceram e estão apenas sendo lembradas. Você não está vendo uma história acontecer e se desenrolar, está descobrindo como as coisas aconteceram e se encaminharam para chegar ao ponto em que estão. Isso faz com que o gosto das histórias seja completamente diferente.
Eu me lembro bem de uma passagem do livro Eu sou Ozzy, a autobiografia do vocalista Ozzy Osbourne, em que o Madman está em uma festa e ouve algo pesado como nunca tinha ouvido antes. Ele vai ao DJ e pergunta que banda é, e se surpreende ao ouvir o nome Led Zeppelin, que não conhecia até então. Ozzy então conta para Tony Iommi como o Led Zeppelin é pesado, e no fim acaba surpreendido quanto Tony responde: “Nós vamos ser mais”. Essa história ilustra basicamente tudo o que eu penso com relação a biografias.
Cá entre nós, naquela época nem o Ozzy e nem ninguém sabia da importância que o Led Zeppelin teria. Quando você se lembra que antes ele não era um astro, mas sim um aspirante a músico que apenas queria pagar suas contas cantando, todo o resto entra em perspectiva. É curioso lembrar que aquele encontro mágico de dois gigantes do Rock em uma festa não passou de um esbarrão casual – como o que você dá todos os dias com as mais diversas pessoas.
Da mesma forma, é muito comum nessas biografias você achar trechos dos biografados dizendo que “sentiam” que seriam grandes, que chegariam ao topo, e isso é igualmente curioso. Oras, é exatamente como nós! Nós acreditamos que podemos chegar ao estrelato, mesmo que seja jogando pingue-pongue (cof, ForrestGump, cof).
E, da mesma forma, nós também temos dúvidas se isso acontecerá ou não, então é razoável pensar que eles também tinham. E aí, quando você lê uma outra biografia, você vê que sim, eles também tinham suas dúvidas. Boa parte da biografia do Aquiles Priester trata da ascensão dele na empresa Dana, até o momento em que ele tinha que escolher entrar no Angra e sair da empresa ou vice-versa. E a dúvida que paira na mente do baterista é facilmente identificável – eu e você sentiríamos a mesma coisa, mas será que teríamos coragem de escolher o que ele escolheu?
AS MENTIRAS NAS BIOGRAFIAS
Mas, ao mesmo tempo, eu vejo muitas críticas ao fato de que nem sempre o que está escrito nas biografias foi o que de fato aconteceu. Me lembro logo de cara de um caso bastante comentado internet afora: as críticasao que Sammy Hagar escreveu em sua autobiografia.
A matéria linkada mostra como muito do que Sammy Hagar falou na verdade não possui nenhum embasamento real, sendo um monte de palavras ao vento que desinformam mais do que informam. Eu não vou entrar no mérito se o que Hagar escreveu é real ou não, mas vou aproveitar a deixa para falar sobre essas eventuais “mentiras” em biografias.
Todo mundo sabe que a memória humana está à mercê das suas próprias invenções. O cérebro pode apagar memórias, melhorar algumas, piorar outras, mas sempre acaba mudando a sua percepção do que aconteceu e te fazendo ter a sua própria imagem de algum fato. Isso é comum e acontece com todo mundo, então por que temos que esperar que os astros tenham memórias perfeitamente relatadas em suas biografias?
Concordo que no caso de Sammy Hagar os exemplos são esdrúxulos. Sim, o músico não pode sair por aí dizendo que ganhou discos de platina se não for verdade, mas esse caso é uma exceção à regra. Na maior parte das vezes, serão as pequenas coisas que serão mudadas: é aquele encontro com pessoa X ou a maneira como tal demissão ocorreu que será contado de outra forma, e não esses fatos que podem ser facilmente consultados em registros.
Eu me lembro de ler, na biografia de Kurt Cobain, Mais Pesado que o Céu, que o autor falava muito sobre como Kurt treinava todos os dias e melhorava muito na guitarra com o passar das semanas. Eu achei aquilo deveras estranho, pois Kurt Cobain nunca (nunca!) foi um mestre da guitarra, então como poderia estar descrito como se assim o fosse?
É aí que pinta aquela dúvida: podemos confiar nesses relatos sabendo o quão provável é que os fatos tenham acontecido de outra forma? Bem, a minha resposta é a que um velho deitado já dizia há muito tempo: existem três versões de uma história – a minha, a sua e o que aconteceu de fato.
Uma biografia não existe para ser um relato fidedigno de acontecimentos. Uma biografia é, essencialmente, a história da vida de uma pessoa, da maneira mais próxima possível. Eisso não quer dizer que ela seja totalmente verdadeira. A proximidade de uma biografia serve para te colocar dentro da mente daquele ser, e não para ser um livro de História.
É por isso que eu não reclamo da fluidez do livro do Ozzy. Na resenha delfiana,o autor questionou o fato de ser inverossímil que o Ozzy, gagá como está, tenha escrito aquilo de forma tão natural. Ele pode até ter razão, mas tenho certeza que aquilo foi proposital, pois é essa fluidez que faz a gente acreditar que estamos lendo a história de um cara engraçado, louco e, ao mesmo tempo, gente boa. Aquelas linhas apenas dão mais força à personalidade que vai se desenvolvendo ao longo do livro todo.
BIOGRAFIAS, BIOGRAFIAS
Mas sejam reais ou não, claramente inventadas ou apenas mal interpretadas, as biografias ainda são, essencialmente, histórias. Ainda que de forma diferente e com andamentos muito característicos entre si, elas são histórias – e são essas particularidades que as deixam tão interessantes. E, é claro, o fator artístico: afinal, será que você acharia as histórias do seu avô chatas se ele fosse o Keith Richards? =P