Yakuza é uma série clássica de jogos de ação japoneses que vem ganhando bastante destaque no ocidente em anos recentes (confira ao final deste texto alguns links de matérias que fizemos sobre a série). Neste jogo, no entanto, as coisas mudaram bastante. Nesta análise Yakuza: Like a Dragon vou elaborar a enorme mudança de gênero, mas também como ela conseguiu fazer isso se mantendo familiar.

ANÁLISE YAKUZA: LIKE A DRAGON – DE BEAT’EM UP PARA JRPG

Se falarmos simplesmente de como Yakuza: Like a Dragon mudou o gênero de beat’em up para RPG, a coisa parece muito mais radical do que realmente é. Acontece que Yakuza, como série, é muito mais do que seu sistema de combate. E isso, além do protagonista, foi basicamente o que mudou aqui.

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O combate agora é por turnos.

O jogo continua tendo um enorme foco na história, com cutscenes que muitas vezes duram mais de 30 minutos. O mundo aberto continua sendo uma fatia do Japão, repleto de atividades secundárias, que vão do tradicional karaokê a uma cópia de Mario Kart. E tem, claro, um monte de jogos de fliperama da Sega, presentes aqui em suas versões completas.

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Parece uma screenshot de Space Harrier, e é, mas é Space Harrier sendo jogado dentro de Yakuza: Like a Dragon.

ATALHOS

Até mesmo o lado negativo dos anteriores está aqui, como os atalhos tomados em cutscenes para economizar orçamento. Já expliquei isso antes nas minhas resenhas anteriores da série, mas resumidamente: nem todas as cutscenes são totalmente animadas, ou mesmo faladas. Tem uma boa parte da história que é contada apenas em textos, completos com “barulhinho de máquina de escrever” conforme as letrinhas vão aparecendo.

Sinceramente, eu gostaria de saber o quanto de orçamento isso economiza. Não me parece que contratar um ator para gravar 5000 frases seja muito mais barato do que contratar o mesmo ator para gravar 6000. E, por outro lado, isso afeta consideravelmente a qualidade da narrativa. Para um jogo tão focado na história, parece um atalho mal pensado.

ANÁLISE YAKUZA: LIKE A DRAGON – DE KAZUMA PARA ICHIBAN

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Quê? Eu vou assumir o papel do Kazuma? FML!

Eu também me preocupava bastante com a mudança de protagonista. Kazuma Kiryu é um cara muito legal. Eu adoro como ele é um cavalheiro respeitoso mesmo quando encontra as pessoas mais exóticas. Felizmente, essa preocupação foi desnecessária. Ichiban Kasuga repete todas as características que todo mundo gostava no Kazuma, mas é mais brincalhão. Isso aumenta o humor consideravelmente. Yakuza sempre teve bastante humor, mas Kazuma era bem sério. Com Ichiban, a história fica mais próxima de uma comédia tradicional, mesmo quando explora temas mais pesados.

Também é muito legal como Ichiban é um fã de videogames, e gosta de imaginar os combates, inimigos e seus golpes como se fossem parte de Dragon Quest. Isso permite brincadeiras como Ichiban dizer que sua “profissão” é “herói”, e dá até para vestí-lo em uma armadura que parece saída de Ghosts N’ Goblins.

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Repare nas fantasias dos heróis.

PERSONAGENS COLORIDOS

Como sempre, o foco no humor, e nos personagens, digamos, “coloridos”, está mais presente nas sidemissions. São nelas que você conhece as pessoas mais exóticas, e vê como Ichiban é um cara do bem, que realmente se importa com os outros e faz de tudo para deixar o mundo melhor do que encontrou.

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E assim como o Kazuma, ele trata todo mundo com respeito, mesmo aqueles bastante… exóticos.

Em uma das sidemissions, por exemplo, ele encontra uma menina que vai passar por uma cirurgia difícil e que, por algum motivo, liga sua vida a um único caqui pendurado em um caquizeiro.

CACÁ QUER CAQUI

O resto da missão mostra Ichiban visitando com frequência o caquizeiro para “proteger” a frutinha e garantir que ela não caia da árvore. Ao longo da história, a árvore será usada como treinamento de tiro ao alvo, de sumô, e muitas outras coisas absurdas. E você sempre lá, tentando convencer as pessoas a deixar o caquizinho em paz.

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Uma das frases mais engraçadas do jogo: “tinha um pervertido dentro do cofre!”

Eu gosto das sidemissions de Yakuza graças a esse seu fator nonsense. Porém, um problema que sempre tive com a série é a quantidade delas. Eu passei vários capítulos fazendo tudo que aparecia, mas uma hora encheu o saco e, a partir daí, eu comecei a ignorá-las completamente. E, sinceramente? Passei a me divertir mais com o jogo quando resolvi focar na história principal. Nem sempre mais é melhor.

ANÁLISE YAKUZA: LIKE A DRAGON – A HISTÓRIA

O excesso de conteúdo também prejudica bastante a história. Não que ela seja ruim, mas segue à risca aquela tradição do Tarantino de os personagens falarem pra caramba antes de acontecer alguma coisa. As primeiras cinco horas do jogo mostram Ichiban em sua rotina como um Yakuza novato em Kamurocho. Ele faz um enorme sacrifício pela família, quando assume a culpa por um crime que não cometeu (sim, bem parecido com o início da história do Kazuma). Quando sai da prisão, muitos anos depois, se vê traído por seu patriarca e vai parar na nova cidade, Ichinjo.

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Uma simples cama pode trazer muita alegria a quem não tem nada.

Daí, passamos a acompanhar sua rotina tentando sobreviver e se reerguer e tudo que aconteceu antes simplesmente some da história por dezenas de horas. Só mesmo na reta final, quando você já passou as quarenta horas de campanha, é que as coisas começam a se encaixar. É muito tempo.

Nessa parte da história, personagens que apareceram logo no início retornam. Como eu estava jogando a trabalho, passei vários dias seguidos jogando Like a Dragon. Uma pessoa normal é capaz de passar semanas, talvez até meses, entre a parte introdutória e a final. Se eu já tive dificuldade de lembrar de alguns desses personagens e pontos da história, que dirá alguém que levou meses para chegar lá? Eu também quero contar uma história pessoal que demonstra uma certa falta de acessibilidade do jogo.

MINHA HISTÓRIA

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Senta que lá vem história.

Era cerca de 17 horas. Eu tinha terminado um capítulo, mas tinha mais uns 30 minutos para jogar. Resolvi continuar. A cutscene introdutória do próximo do capítulo foi longa, e desembestou num combate. Depois mais cutscene. Daí entrou um minigame, e mais cutscene. Yakuza: Like a Dragon só permite salvar quando você está explorando. Então com tudo isso acontecendo junto, eu literalmente só tive outra oportunidade de salvar quando eram mais de 19 horas. Ou seja, fiquei preso ao jogo por duas horas, sem oportunidade de salvar, e sem saber quando essa oportunidade chegaria. Agora você me diz, quantas pessoas adultas conseguem sentar para jogar um videogame sem interrupções por duas horas ou mais de uma vez?

ANÁLISE YAKUZA: LIKE A DRAGON – MENOS É MAIS

Esse excesso de gordura fica ainda pior quando a história está engrenando. No início do capítulo 12, o jogo pisa no freio com força e te obriga a faturar três milhões de ienes. Antes disso, eu tinha feito uma atividade pentelha, que envolvia fotografar 10 estátuas espalhadas pelo mapa. Essa missão exigiu algumas horas de trabalho e faturou dois milhões. Pensei que seria todo o dinheiro que precisaria para o jogo inteiro. Porém, como um RPG, você precisa gastar uma boa grana em armas para manter sua party útil nas lutas. Algumas dessas armas custam acima de 500 mil. Então, quando o jogo pediu pra eu faturar essa grana, eu tinha cerca de um milhão.

Isso para a história e te obriga a fazer grinding por várias horas em atividades como o pentelho minigame de gerenciamento de empresa para poder continuar o jogo.

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As atividades mais divertidas, como o karaoke, cinema ou kart gastam dinheiro, então não são uma opção.

Finalmente, quando consegue juntar o dinheiro, libera uma arena cujo único propósito é farmar XP e subir de nível. Isso é necessário, pois assim que você continuar a história, se verá enfrentando dois chefes mais de dez níveis acima do seu. Eu sinceramente pensei fortemente em parar de jogar nesse ponto. Juntando o grinding por dinheiro, e em seguida o por níveis, eu perdi cinco horas da minha vida para poder continuar o jogo. Quando me dei conta disso, vi que realmente deveria ter parado. Afinal, cinco horas é muito tempo. É o suficiente para, por exemplo, jogar Uncharted 3 do início ao fim.

EXCESSO É UM VÍCIO DE VIDEOGAMES

Isso é um fenômeno exclusivo de videogames. Já pensou um filme que não tem história para encher 120 minutos, e então decide colocar 30 minutos de estática que o público é obrigado a assistir para poder ver o final? Convenhamos, se você não tem conteúdo, não force. Não coloque mais do que o necessário. E o que é pior? Quando cheguei nesse ponto da história, já estava com mais de 40 horas em Yakuza: Like a Dragon, isso sem nem fazer todas as missões opcionais. Ele já é um jogo desnecessariamente enorme mesmo sem esse grinding obrigatório.

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Pena que não dá pra farmar no kart, pois essa atividade é bem divertida.

Anthem, por exemplo, foi muito criticado por fazer algo bem parecido. Justamente por isso, eu já sabia que o jogo faria isso e, quando cheguei nesse ponto da história, já estava preparado, com o objetivo pré-cumprido. Yakuza: Like a Dragon me pegou despreparado. Se soubesse que ia precisar juntar essa grana toda para terminar a história, provavelmente não teria comprado várias armas que comprei, e teria investido menos na oficina de upgrades.

Já o grinding de níveis seria inevitável, uma vez que a arena só é liberada nesse ponto da história. Porém, para você ter uma noção, eu cheguei até esse ponto da história sem morrer nenhuma vez, e do nada me aparecem esses chefes que impedem o progresso. E é totalmente uma coisa de números. Você precisa estar pelo menos no nível 50 para conseguir vencê-los, ou eles te matam mais rápido do que você consegue se curar, tornando a batalha impossível.

A ADAPTAÇÃO: YAKUZA EM PORTUGUÊS

Yakuza: Like a Dragon é o primeiro da série a vir localizado em português. Todos os anteriores tinham vozes em japonês e legendas em inglês. Aqui você tem vozes em inglês também (com uma adaptação excelente, que até mesmo sincronizou os movimentos labiais com o idioma escolhido), mas o principal para nós: legendas em português.

Eu fiz toda minha campanha falada em japonês e legendada em português. E a adaptação tem muitas qualidades. Em especial, boa parte das falas parecem bem naturais na nossa língua.

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Tipo isso.

Porém, em alguns pontos, parece que a versão brasileira não foi traduzida do original japonês, mas sim da versão em inglês. Por exemplo:

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Sofreu derrota?

Suffer defeat é uma expressão que eu já tinha ouvido em inglês. Porém, “sofreu derrota” me pareceu uma tradução literal que não soa bem na nossa língua. Poderiam ter simplesmente traduzido como “fulano foi derrotado”.

ANÁLISE YAKUZA: LIKE A DRAGON – TRADUÇÃO ESTILIZADA

Outro aspecto que deixou a dever é que, em vários momentos da história, textos estilizados aparecem na tela. Porém, embora o menu de combate e outros aspectos tenham sido traduzidos e estilizados em português, todo o resto aparece em inglês, com pequenas legendas em português na parte de baixo.

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Evidência um.

Acima, por exemplo, você vê o “menacing men” estilizado, e a legenda “Homens Intimidadores” embaixo. Não vejo motivos para que já não apareça “homens intimidadores” na fonte correta. Até filmes têm feito isso ultimamente, e em filmes isso é bem mais complicado do que em games. E, vá lá, na impossibilidade disso, pelo menos mantenha o texto original em japonês, que é mais estiloso. Afinal, eu estava jogando em japonês, com legendas em português. Não vejo motivo para aparecer qualquer coisa em inglês no meu jogo. Abaixo tem outra imagem mostrando isso aplicado em outro caso.

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Evidência 2, mas é difícil ver essa imagem e não usar a legenda: Kablooey!

COMO UM DRAGÃO: COMO UM DRAGÃO

Apesar de eu ser bem mais fã de uma porradaria em tempo real estilo os jogos anteriores, eu gostei muito de Yakuza: Like a Dragon. Muito mesmo. Na verdade, durante boa parte da minha campanha, eu estava considerando presenteá-lo com notas altíssimas, entre 4 e 4,5. Resolvi diminuir isso consideravelmente quando cheguei no capítulo dos três milhões e do grinding de níveis, no entanto.

E isso é Yakuza de forma resumida. Esses jogos são todos fantásticos, mas são todos também sabotados pelo excesso. Eles simplesmente têm coisa demais, duram demais. A mudança de combate que a série implementou aqui possibilita, por exemplo, que pessoas que não são tão boas em jogos de ação possam curtir a história, o mundo e tudo mais que a série tem de fantástico.

INVESTIMENTO DE TEMPO

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Legal que, mesmo em turnos, ainda tem um monte de chefes absurdos. Tipo um guindaste que você destrói no soco.

Porém, o investimento de tempo é tão alto que acaba basicamente garantindo que apenas os jogadores mais hardcore vão se dedicar a terminá-lo. Eu mesmo, que sou mais hardcore que a maioria, desisti de fazer as sidemissions no meio do caminho pelo excesso delas. E, quando o jogo exigiu grinding, eu já estava MUITO pronto para que ele acabasse. O que dizer então de alguém com menos tempo para jogar, ou mesmo menos disposição para acompanhar uma história de 80 horas?

Assim, o jogo é ótimo. A história é ótima. Os personagens são extremamente agradáveis e carismáticos. Porém, exige muito tempo e dedicação. Isso sempre foi verdade na série, mas talvez em Like a Dragon, com sua mudança para um JRPG, se tornou ainda mais exigente. Se não em reflexos e habilidade, pelo menos em tempo.

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