Faz um bom tempo que Yakuza 6: The Song of Life foi lançado no Japão. O resto do mundo, Brasil incluso, só recebeu o jogo na segunda metade de abril de 2018. Tamanha disparidade de lançamento entre territórios é algo bem raro na cultura pop e, quando acontece, é com coisas (e jogos) que são muito específicos de uma região.

Yakuza 6 é um jogo totalmente japonês, com tudo de bom e de ruim que isso inclui. Mas não o colocaria no campo de um jogo de nicho. A série é bem conhecida e bastante querida no Ocidente, o que torna esta demora algo bem fora da curva, ainda que seja recorrente para a marca. Mas o que importa é que o jogo finalmente está disponível para nós, o que significa que chegou a hora de uma resenha delfiana. Ieba!

PEGANDO O BONDE ANDANDO, MAS SENTANDO NA JANELA

Yakuza 6, Delfos

Esta foi minha primeira experiência prolongada com um jogo da série Yakuza. Já tinha jogado um deles na época do PS2, mas as coisas que eu ouvia dela me mantiveram afastado desde então. Mais especificamente, a imensa quantidade de coisas que tem para fazer no jogo.

E de fato, a quantidade de distrações neste mundo aberto simplesmente não é compatível com um jogo com tamanho foco na história. Por exemplo, tem alguns jogos antigos da Sega na íntegra por aqui, como Space HarrierOut Run e até um Virtua Fighter 5, que nem é tão antigo assim (ok, é de 2006, mas o resto é bem mais velho).

Yakuza 6, Virtua Fighter 5, Delfos
Pois é, esta é uma screenshot de Virtua Fighter 5 tirada de dentro do Yakuza 6.

Tem também a possibilidade de você ir a um cyber cafe bater papo com algumas moças bonitas em live action que tiram a roupa quando são agradadas.

Yakuza 6, Delfos
Tara por japonesas? Eu?

Fazer as moças tirarem a roupa, no entanto, é, como na vida real, um trabalho árduo e demorado. Eu não tive saco para investir o tempo necessário para descobrir se dá para ver uns mamilos, até porque imagino que o jogo não chegaria a este ponto.

Yakuza 6, Delfos
Mamilos femininos não devem existir no jogo, mas é difícil jogar mais de 20 minutos sem aparecer alguns masculinos.

Além de tudo isso, tem uma pá de minigames (coisas como jogar dardos e karaoke), um on-rails shooter de pescaria e até algumas coisas mais envolvidas, como gerenciar um time de baseball ao longo de um campeonato.

Yakuza 6, Delfos
Poucas pessoas vão realmente investir tempo nisso. Especialmente se tem moças de biquini em outro canto do jogo.

Mais incrível é que tem por aqui um jogo de RTS com uma campanha completa, incluindo uma história, personagens e upgrades exclusivos que você pode simplesmente ignorar. Sem dúvida, a fama de que há muita coisa para fazer em Yakuza é justificada.

Yakuza 6, Delfos
E este eu ainda achei interessante o suficiente para jogar até o fim.

E depois de tudo isso, ainda tem as sidemissions tradicionais, que funcionam como pequenos contos à parte da história principal. Estas focam em historinhas cômicas e bonitinhas, sem a violência da campanha, embora ainda tenha muita luta por aqui.

Yakuza 6, Delfos
Rola até cosplay nas sidequests.

Obviamente, a qualidade dessas atividades é irregular. O RTS, chamado de Clan Creator, é suficientemente desenvolvido para ser interessante, mas não a ponto de ser tão complexo que se torna chato. Da mesma forma, os jogos clássicos da Sega são muito legais para gamers nostálgicos como eu, ou para quem não viveu a época mas é interessado na história dos joguinhos eletrônicos. Do outro lado, acho muito difícil que alguém realmente passe mais do que alguns minutos jogando dardos ou Mahjong por aqui. Isso realmente não acrescenta nada.

Pois se Yakuza 6 parece ser um playground do tipo “faça sua própria diversão”, como um Just Cause, do outro lado ele tem uma história bastante envolvente e complexa. E este aspecto acaba sendo prejudicado pela quantidade de coisas no jogo, uma vez que é bem inconveniente você estar indo até uma missão e ser abordado por alguém que quer uma bandeja de comida ou te desafiar para um duelo.

VENHA PELO PLAYGROUND, FIQUE PELA HISTÓRIA

De todos os jogos de mundo aberto que já joguei, os dois que têm o maior foco na história são Mafia (refiro-me ao 1 e o 2, prefiro esquecer que existe o 3) e YakuzaMafia era um mundo aberto vazio, com poucas coisas a fazer a não ser progredir na história. Yakuza, por outro lado, tem muitas distrações, mas o foco é tamanho na história que eu deixava tudo de lado para ver o que ia acontecer.

Para você ter uma ideia, antes mesmo de começar a jogar, prepare-se para assistir a 40 fuckin‘ minutos de cutscenes. Até tem uma lutinha rápida aí no meio, mas não deve demorar mais de um minuto até voltar aos filminhos.

Yakuza 6, Delfos

Felizmente, ao contrário do que costuma acontecer na maior parte dos jogos japoneses, a história não é contada apenas em textos. Todas as frases foram gravadas por atores (o jogo é falado na maior parte do tempo em japonês e tem legendas em inglês. Não há nada em português), mas não dá para dizer que todas as cenas foram desenvolvidas com o mesmo cuidado.

Há três tipos de cutscenes em Yakuza 6. Há aquelas completamente realizadas, com um nível de detalhes impressionante (é possível ver os músculos da bochecha se contraindo quando um personagem sorri, por exemplo). Estas cenas são dirigidas de forma bastante estilosa e dão a sensação de se estar assistindo a um pulp japonês feito em computação gráfica.

Yakuza 6, Delfos
O nível de detalhes é impressionante.

No outro extremo, há aquelas cenas tradicionais que remontam à época dos 8-bit, nas quais os personagens ficam simplesmente em círculo falando, sem edição e quase sem animação. Estas normalmente acontecem quando você fala com alguém no mundo aberto.

A maioria das cutscenes, no entanto, fica num meio termo. Elas têm edição e planos estilosos, mas usam os gráficos do game. Desta forma, os personagens se movimentam de forma mais dura e quase não têm expressões faciais. As bocas, que nas desenvolvidas têm sincronia labial impecável, aqui apenas abrem e fecham, por exemplo.

Yakuza 6, Delfos
Ai, meu pâncreas!

É uma saída que visa focar os recursos nos momentos mais importantes da história, e era muito usada em jogos antigos. Aos poucos foi caindo em desuso conforme as cutscenes feitas com os próprios gráficos ficaram boas o suficiente. Isso faz com que o visual de Yakuza 6 in game tenha um abismo de qualidade para as cutscenes, algo que não me lembro de ver desde God of War II. Narrativa explicada, vamos falar agora da…

HISTÓRIA DE YAKUZA 6

Yakuza 6 continua os acontecimentos de Yakuza 5. Caso você não seja um veterano, não prie cânico. O menu inicial traz longos textos contando detalhadamente a história de cada um dos jogos anteriores. O negócio é basicamente um livro (poderiam ser vídeos), mas uma leitura por cima já é o suficiente para acompanhar o que rola por aqui numa boa.

Basicamente, você joga com o famoso Kazuma Kiryu, um ex-Yakuza aposentado que acaba de passar uns anos na prisão.

Yakuza 6, Delfos
Mas isso não afetou sua forma física.

Ao sair de trás das grades, ele quer uma vida sossegada, e volta para o orfanato de sua propriedade. Lá, ele descobre que Haruka, praticamente sua filha adotiva, sumiu. Bora procurar ela? Bora!

Não demora para Haruka popar em circunstâncias spoilerentas, mas o mais importante é que ela aparece com um bebê. Agora cabe a Kiryu não apenas cuidar do nenê, mas embarcar em uma longa jornada para descobrir o que aconteceu com Haruka e quem é o pai da criança.

Yakuza 6, Delfos
O nenê rende…

Obviamente, a jornada do nosso herói vai negar a ele a aposentadoria tranquila que almejava e vai envolvê-lo novamente no submundo oriental. E isso não envolve apenas a Yakuza, mas também a Tríade chinesa e a máfia coreana.

Yakuza 6, Delfos
… muitas cenas…

Este talvez seja o ponto mais difícil de entender da história. Afinal, são tantas máfias diferentes e, dentro de cada uma delas, várias famílias, clãs, alianças e patriarcas. Tudo isso exige um belo esforço para lembrar qual o papel das dezenas de personagens nesta convoluta história. Mas a boa notícia é que é uma história muito legal.

Yakuza 6, Delfos
… engraçadas! =D

A presença do bebê, que poderia ser o ponto fraco da coisa toda (já pensou se o jogo fosse uma enorme escort mission?) é justamente seu ponto forte. Yakuza 6 não esconde suas influências de comédias como Três Solteirões e Um Bebê.

Yakuza 6, Delfos
Só que esse nenê voa!

A diferença é que, ao invés de serem solteirões, aqui são criminosos com um deturpado senso de honra e que resolvem todas suas diferenças nos punhos.

PORRADA

Pois é, nos punhos. Ao contrário de Sleeping Dogs (que foi claramente influenciado por Yakuza), aqui ele nunca cede à pressão das armas de fogo. Todo combate é resolvido em socos e chutes. É possível pegar coisas do chão e usar como armas, mas no final das contas o combate em Yakuza 6 é basicamente um Streets of Rage moderno.

Yakuza 6, Delfos
Isso deve doer.

Não dá para negar, o combate corpo a corpo de Sleeping Dogs é até mais legal do que o de Yakuza 6, mas como aquele jogo logo foca totalmente nas armas de fogo, aqui ele é bem mais aproveitado.

É até curioso que toda essa turminha de criminosos barra-pesada resolva tudo na porrada, uma vez que quase ninguém morre na história, pelo menos até as coisas começarem a caminhar para o fim. Você chega a lutar com alguns personagens importantes três ou mais vezes ao longo da campanha. Felizmente, o gameplay é legal o suficiente para continuar divertido mesmo depois de você ter socado centenas de sujeitos. Curiosidade: segundo as estatísticas, eu venci mais de dois mil caboclos ao longo da minha jogatina.

Além dos socos, chutes e armas que você pega do chão, tem habilidades especiais que usam sua barra de “calor” (ou mana, se preferir o nome genérico). Estes são golpes altamente dolorosos e cinematográficos que você pode aplicar quando as condições estiverem favoráveis (tipo perto de uma parede).

Yakuza 6, Delfos
E eles normalmente vêm acompanhados de um “caray!” por parte do jogador.

Outra opção é usar todo seu calor em troca de alguns segundos de rage mode, que possibilita combos extremamente fortes e deixa seus ataques mais difíceis de interromper. É bastante útil para os chefes mais complicados.

Yakuza 6, Delfos
Eu tenho a força!

DUNGEONS

level design de Yakuza 6 não é do mais inspirado. Normalmente as missões, mesmo as principais, podem ser reduzidas a “ande até lá e porre os inimigos”. Felizmente, há uma quantidade considerável de dungeons, fases mais lineares e importantes para a história, nas quais o jogo realmente lembra um Streets of Rage. São missões nas quais há muito mais combate do que o normal e que contam com um ou mais chefes, incluindo um confronto apoteótico final.

Yakuza 6, Delfos
Lutas mais importantes têm uma introdução estilosa especial.

Muitas vezes, estas lutas em si são roteirizadas, com coisas acontecendo ao longo da porradaria, como cenários sendo destruídos.

Yakuza 6, Delfos
Rola até uma emocionante briga em cima de uma viga.

O problema é que demora um bocado para esses dungeons começarem a aparecer. O primeiro só rola no capítulo 5, depois de mais de uma dezena de horas. Cheguei a pensar que Yakuza 6 não teria dungeons. Felizmente, depois que eles começam a aparecer, se tornam relativamente frequentes, dando as caras em quase todos os capítulos.

KIRYU-ANIKI

Yakuza 6, Delfos
Eu sou o rei do mundo!

É curioso a quantidade de coisas que existem em Yakuza 6 que servem para tirar o foco da história principal quando o jogo é tão focado nela. Tem tanta coisa por aqui que eu tenho certeza que ainda tenho muito a descobrir. Porém, minha animação para ficar caçando e jogando minigames é bem menor do que minha empolgação com sua campanha.

Yakuza 6, Delfos
Tanta coisa para fazer, mas cadê tempo?

A campanha de Yakuza 6 por si só já é bastante longa. Acrescente as sidemissions, os jogos clássicos da Sega e as dezenas de minigames, e você tem aqui um jogo praticamente infinito. Durou 30 horas para mim até os créditos rolarem, mas ainda há muito mais a fazer.

A qualidade da história e a quantidade de coisas para fazer tornam Yakuza 6 um jogo altamente recomendado tanto para aqueles que veem games como uma mídia narrativa quanto para aqueles mais interessados na parte lúdica da coisa. Se você gosta dos dois, e especialmente se for obsessivo em tirar cada gota de um jogo que compra, este é um título que pode ficar meses na sua playlist.

Yakuza 6, Delfos
Tinha que terminar a análise com a famosa tatuagem do Kiryu, né?
REVER GERAL
Nota:
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
analise-yakuza-6-the-song-of-lifeDisponível: PS4<br> Analisada: PS4<br> Desenvolvedora: Sega<br> Editora: Sega<br> Gênero: Beat'em up / mundo aberto / simulador de cyber sexo<br> Lançamento: 8 de dezembro de 2016 (Japão) e 17 de abril de 2018 (resto do mundo)<br>