O tremendão Life is Strange colocou a Dontnod Entertainment no mapa, mas cá entre nós, eu já era fã deles antes de ser legal. Pois é, Remember Me, ainda na geração passada, já me deixou ligado no extremo potencial deste estúdio. Remember Me combina muito bem a criação de um mundo intrigante, com um gameplay de ação bacana e uma história marcante. E por mais que eu também goste muito de Life is Strange, na época achei uma pena que eles tivessem optado por fazer uma história interativa, ou seja, quase sem gameplay. Desta forma, Vampyr é praticamente um retorno às origens.
RPG DE MUNDO ABERTO, MAS SEM EXAGEROS
Tudo que eu destaquei acima que Remember Me tinha de legal, Vampyr também tem. Temos uma bela realização da Londres no início do século 20, em um jogo de ação com bastante foco na história. Admito que fiquei um pouco com o pé atrás quando foi divulgado que este seria mais um RPG de mundo aberto.
Felizmente, a Dontnod não exagerou nestes dois aspectos. Sim, é um mundo aberto no sentido de que há sidemissions e você pode ir para onde quiser, mas o mapa não é enorme e as missões secundárias não são tão numerosas.
O lado RPG também é bem leve. Não dá para ficar trocando de roupa e nem é necessário comparar estatísticas de equipamentos. Basicamente, tem alguns tipos de armas. Se você gostar de uma, vai usar a mesma boa parte do jogo e vai investir os upgrades nela. Neste aspecto, os números de danos causados por cada uma servem apenas para você saber se o machado é mais forte do que a serra, e não para comparar dezenas de machados virtualmente iguais.
Antes de me aprofundar mais no gameplay, vamos fazer uma simpática sinopse sem spoilers.
VAMPIROS EM LONDRES NA ÉPOCA DA GRANDE GUERRA
Você é Jonathan Reid, um médico que acorda em uma pilha de cadáveres, fraco e com fome. Algo está errado, no entanto. Não demora para descobrir que você ganhou poderes e é agora um vampiro. E veja só, você sequer sabia que vampiros existiam.
Durante o resto do jogo, você vai investigar quem lhe deu os poderes e vai se envolver com pessoas poderosas da cena londrina, tanto humanas quanto sobrenaturais. Voltemos ao gameplay.
O MELHOR CLONE DE WITCHER QUE JÁ JOGUEI
Depois do sucesso absoluto de Witcher 3, muitos clones poparam por aí, com variados graus de sucesso. Esta é a parte que eu falo que Vampyr é, de longe, o que mais me agradou. E digo mais, gostei mais dele até do que do jogo da CDProjektRed.
Sim, Witcher é sem dúvida mais impressionante, mais bonito, maior em todos os aspectos. Porém, este aspecto mais conciso de Vampyr fez com que eu gostasse mais dele. Aqui, eu passava mais tempo avançando a história e menos tempo (ou melhor, nenhum tempo) cavalgando pelo cenário.
O lado RPG ser bem light também contribui na diminuição do aspecto tempo perdido. Se não preciso ficar comparando estatísticas de dezenas de espadas a todo momento ou administrando centenas de itens com efeitos ligeiramente diferentes, tenho mais tempo para me envolver na história e neste mundo lindamente realizado.
Além disso, a temática “vampiros” é mais única no mundo dos games do que a temática fantástica de Witcher, o que despertou mais interesse em mim. Lembro de apenas dois títulos nos quais joguei com vampiros, um DLC de Infamous e Castlevania: Lords of Shadow 2, e ambos foram decepcionantes.
MAS COMO PARECE WITCHER SE É TÃO SIMPLES?
Na minha resenha de Witcher 3, eu comentei que boa parte do jogo não envolvia porrada, mas conversar com personagens e investigar casos. Pois é neste aspecto que Vampyr e Witcher são tão parecidos.
Em cada distrito, há uma ou mais áreas seguras, onde não há perigo e você deve conversar com uma pá de personagens. Pela imagem acima, você pode ver que duas das opções estão travadas. Você as destrava fazendo missões, lendo cartas e livros ou conversando com outros personagens. E daí pode voltar lá e saber mais sobre essas pessoas.
Em geral, os diálogos apenas trazem novas informações e dá para perguntar tudo que está disponível, mas há momentos em que você precisa escolher. Uma coisa chatinha é que nestes diálogos a câmera fica semi-fixa atrás do protagonista. Poderia ser mais cinemático, e nas cutscenes e em diálogos mais importantes, Vampyr lança mão de planos-sequência bastante estilosos, só é uma pena que não sejam usados em todos os diálogos.
Cada pessoa é uma vítima em potencial e elas têm um círculo social de personagens que serão afetados pelos seus ataques ou curas. Ah, sim, seu personagem é um médico, e ele também sai andando por Londres curando pessoas doentes sem cobrar nada. Pois é, eu também achei a existência de um médico caridoso mais difícil de engolir do que a de vampiros.
ENTRE MORDIDAS E CONSEQUÊNCIAS
Curar pessoas deixa o distrito mais saudável, e melhora a qualidade do sangue delas. Afinal, você é um vampiro, lembra? Morder alguém dá um belo boost de experiência, mas tem consequências no restante da história. Além disso, matar alguém tira a pessoa da história, o que por si só já é uma consequência em um jogo com tantos personagens importantes.
Uma coisa bacana é o sistema de level up. Para upar, você precisa dormir. Dormir faz o tempo passar. O tempo passar causa consequências. Pessoas saudáveis vão ficar doentes. Doentes ficarão ainda piores. Os efeitos das suas escolhas serão sentidos. Isso causa um certo medo em subir de nível. É possível ir dormir e acordar com uma galera morta. Assim, eu acumulava muita XP de uma vez para poder upar um monte e fazer valer a pena. Porém, admito que ficar correndo pelo mapa inteiro dando remédios para as pessoas doentes sempre que acordava ficou chato bem rápido, especialmente pela falta de fast travel.
Dentre as vítimas em potencial há desde pessoas bacanas até criminosos sádicos ou depressivos que desejam morrer, então é possível escolher seu prato em um buffet bem variado. Ou você pode fazer como eu, e não morder ninguém em busca do troféu pacifista.
Isso me deixou constantemente underleveled, mas não daquele jeito impossível de um Battle Chasers. Perto do final do jogo, eu estava matando inimigos 10 ou 15 níveis acima do meu, mas mesmo assim ele nunca ficou difícil demais. Inclusive, lutar contra alguém do meu nível parecia covardia, pois eu nocauteava a pessoa quase imediatamente. O que me leva ao…
O COMBATE DE VAMPYR
A porradaria de Vampyr tira inspiração de vários jogos. Há, por exemplo, uma barra de fôlego que se renova sozinha e sem a qual você não consegue atacar nem desviar. Pois é, estilo Dark Souls.
Você e todos os inimigos têm essa barra, e ela é essencial para o combate. Quando você esgota o fôlego dos inimigos, eles caem e ficam por um tempo imóveis, podendo levar porradas ou ser mordidos. Mordê-los recupera um pouco da sua vida, faz um dano modesto no rival e, mais importante, concede alguns segundos de invencibilidade, o que possibilita planejar seu próximo ataque e recuperar a sua própria barra de fôlego.
Não demorou para que eu encontrasse uma arma que tirasse, ao mesmo tempo, vida e fôlego, o que deu ao combate um ritmo bacana. Eu porrava um desgraçado até ele cair, daí mordia para recuperar meu próprio fôlego e repetia o processo.
Esta foi a minha estratégia, mas você pode escolher usar armas de fogo ou outras que arranquem sangue da vítima. O sangue serve como um mana, que possibilita o uso de ataques especiais.
OS ATAQUES ESPECIAIS
Isso é algo que deixou um pouco a dever. Os ataques em si são legais, como usar uma lança de sangue ou se teleportar para um inimigo. Porém, depois das primeiras horas, estes ataques se tornaram basicamente inúteis.
Um deles, por exemplo, seria com as garras, que deveria ser basicamente um ataque melee mais forte. Pois não demorou para minha arma upada ficar consideravelmente mais forte do que o ataque especial. Por que eu gastaria mana e tempo fazendo um ataque mais fraco do que o meu padrão? Para mudar isso, eu precisava investir muita experiência upando cada golpe, e eu não tinha essa experiência toda. Acabou que eu só usava minha mana para recuperar vida durante as batalhas mesmo.
Tem também um ultimate, que pode ser ativado uma vez a cada 99 segundos. Estes sim são úteis. Eu gostei de um que machucava o inimigo enquanto o imobilizava, o que possibilitava que eu porrasse ele sem dó nem piedade. Muito útil para os chefes.
PROBLEMINHAS TÉCNICOS
Vampyr tem alguns problemas técnicos (ele já chegou a sair do jogo por conta própria) e muitos aspectos de qualidade de vida que poderiam ser melhores. Por exemplo, algumas missões levam você para dungeons. Porém, ao invés de o waypoint ficar na entrada do dungeon, fica onde você estaria ao achar o objetivo dentro dele, isso muitas vezes é fora da própria área do mapa. Ou seja, há várias missões nas quais você fica andando de um lado para o outro sem saber para onde ir.
Há também um excesso de loads demorados (prepare-se para esperar uns dois minutos sempre que morrer), menus mais complicados do que deveriam ser (ao entrar no jogo, você é obrigado a apertar options três vezes. Pra quê?) e uma certa crueza geral na coisa toda.
A história também tem alguns problemas. Há um interesse romântico que vai quase imediatamente de “tem um climinha aí” para os personagens se referindo ao outro como “meu amado”. Alguns dos diálogos estão mais para questionários do que para conversas propriamente ditas, e outros não fazem sentido na história. Por exemplo, eu já tinha usado meus poderes, sido repelido por símbolos religiosos e muito mais quando meu protagonista perguntou para outro personagem se ele era um vampiro. Meu amigo, se você ainda não tem certeza, acho que tem problemas maiores do que esse.
AUDIOVISUAL
Ainda neste aspecto técnico, eu tive alguns problemas visuais com o jogo. Ele ficou escuro demais na minha TV. Escuro do tipo “invisível” mesmo. Subi as configs do próprio jogo, mas daí ele ficou com as cores lavadas. Tive que fazer uma calibragem profissional entre o brilho da minha TV e o brilho do jogo para ele ficar com o visual apropriado que você vê nestas screenshots.
Se o visual me deu algum trabalho, a trilha sonora me deixou sinceramente boquiaberto. Temos aqui uma das mais climáticas trilhas que já ouvi em um videogame. Pena que este não é um daqueles casos que as músicas vêm em MP3 junto com o jogo, ou eu ouviria elas até meus ouvidos caírem.
VAMPYRO
Eu esperava gostar de Vampyr, mas admito que não imaginei que fosse gostar tanto. Alguns dias antes, comentei com um amigo que ficar jogando um único jogo o dia inteiro a trabalho costumava encher o saco. Pois este foi um dos casos em que eu jogava a tarde toda e ainda queria mais quando chegava a hora de parar.
Este é daqueles jogos que eu adoraria jogar de novo uma segunda vez, desta vez como um vampiro voraz e cheio de upgrades. Um dia, quem sabe, terei tempo de fazer isso, mas esta primeira jogada já foi longa e satisfatória. Vampyr é um Witcher com menos orçamento, mas também menos gordura, e com uma ambientação ainda mais legal.