Pequena aulinha de história: lá nos anos 80 e 90, quando os adventures point and click eram bastante populares nos PCs, duas empresas competiam pela hegemonia do gênero. A mais popular, e que você provavelmente conhece, era a Lucasarts, criadora de clássicos como Monkey Island, Day of the Tentacle, Full Throttle e Grim Fandango. Seus jogos em geral eram cartunescos, com um humor nonsense inocente e bonitinho. Análise Leisure Suit Larry – Wet Dreams Don’t Dry
Sua concorrente era a Sierra, que fazia adventures mais adultos e com temáticas mais sérias, como Phantasmagoria e Gabriel Knight. Mesmo quando se aventurava em algo mais cartunesco, seus jogos não tinham a inocência da Lucasarts. É o caso de Leisure Suit Larry.
Larry Laffer, o protagonista dos sete adventures lançados entre 1987 e 1996 (a série viu mais dois lançamentos em outros gêneros e com outro protagonista depois disso), era um cafajeste. Como na vida real, o objetivo dos jogos era resolver puzzles para conseguir dormir com as moças. Embora não fossem jogos eróticos, o humor era cheio de insinuações sexuais, o que tornava a série mais adulta e mais focada no público masculino do que os clássicos da Lucasarts.
Agora, em 2019, um novo jogo de Larry Laffer chega aos consoles, após alguns meses de exclusividade nos computadores. Trata-se de Leisure Suit Larry – Wet Dreams Don’t Dry. É o primeiro a trazer de volta o protagonista e o estilo antigo dos jogos desde Love For Sail, de 1996.
ANÁLISE LEISURE SUIT LARRY – WET DREAMS DON’T DRY
Vivemos uma época de revival de personagens inesperados, como Bubsy. Bubsy foi inesperado porque o gato falante nunca foi lá muito popular. Larry Laffer foi bastante popular entre fãs de point and click nos anos 90, mas é a típica relíquia da era. Este tipo de história, que mostra um sujeito em busca de dormir com várias mulheres, parece simplesmente não ter lugar na época do #metoo.
Eu sinceramente esperava que Wet Dreams Don’t Dry fosse uma bomba. Ou ele desvirtuaria completamente o personagem para adequá-lo aos tempos atuais, ou então seria simplesmente ofensivo demais para fazer sucesso.
Desta forma, ofereço meus mais sinceros parabéns aos roteiristas da CrazyBunch. Eles conseguiram cumprir esta difícil missão. Contam uma história apropriada para os tempos atuais, mantendo as características e objetivos tradicionais da série, mas conseguiram fazê-lo sem deixar Larry com jeito de um stalker creepy. Na verdade, embora queira dormir com as moças da história, ele tem um ar mais inocente do que tinha nos anos 90, o que o torna mais carismático.
Além disso, Wet Dreams Don’t Dry faz um bom trabalho atualizando sua temática, incluindo personagens gays, transsexuais e até comentários políticos, como uma participação pixelada do seu Donald.
EM BUSCA DO AMOR
A história de Wet Dreams Don’t Dry mostra Larry acordando na época atual depois de ter sumido por décadas. O mundo é totalmente diferente agora, e ele precisa se adequar às regras, facilidades e dificuldades da sociedade contemporânea.
Logo no início do jogo, ele se apaixona. Mas o alvo de seu coração diz que só sai com pessoas que tenham uma pontuação de mais de 90 no aplicativo de encontros Timber. E o único jeito de aumentar a sua pontuação é saindo com a maior quantidade de pessoas possível. O futuro não é mágico?
Obviamente, como na vida real, um match no Timber é apenas o início de um longo e trabalhoso puzzle. Cada match vai exigir que Larry cumpra uma série de objetivos até dar os pontos que ele precisa para conseguir sair com seu verdadeiro amor.
O Timber, aliás, é uma excelente fonte de referências. Além dos personagens do próprio jogo, ali você pode ver perfis de outros famosos do mundo dos games. Tem gente de jogos como Dragon’s Lair, Tomb Raider e até Overwatch.
O jogo em si segue exatamente a fórmula que os adventures estavam seguindo em seus últimos anos de glória.
OLD-SCHOOL
Ou seja, o visual é cuidadosamente desenhado a mão, dando ao jogo cara de desenho animado. Os personagens são caprichados e cheios de detalhes, e muitos são engraçados já no seu design. Achei o jogo sinceramente lindão. Minha única crítica neste aspecto é ao redesign do próprio Larry. Eu achava seu visual original, baixinho e gordinho, mais engraçado do que o atual.
Os puzzles também seguem aquele jeitão totalmente sem noção da época. Por exemplo, você precisa capturar um rato. Bora procurar uma ratoeira? Não, isso seria muito simples. O certo é combinar um vibrador, uma camisinha e um rolo de papel higiênico.
Em outro momento, um personagem pede uma bebida. Talvez eu precise chamar os bombeiros e misturar a água de suas mangueiras com um pouco de limão? Não. Neste caso basta ir até o bar e pedir um drink. Isso gera uma certa inconsistência que exige tentativa e erro, muitas vezes resolvendo os puzzles sem nem entender suas lógicas internas. Incomoda um pouco, mas quem é escolado no gênero sabe que a coisa sempre funcionou assim.
REVIVAL
O que importa é que o humor é afiado e traz à série uma bem-vinda inocência que normalmente só estava presente nas séries da Lucasarts. Wet Dreams Don’t Dry é o mais próximo do gênero clássico em décadas. Ao jogá-lo, eu me senti jogando meu preferido novamente, o Curse of the Monkey Island ou, para os íntimos, Monkey 3.
E isso é ótimo. Como um revival dos point and clicks clássicos, eu arriscaria dizer que Leisure Suit Larry – Wet Dreams Don’t Dry funciona melhor até mesmo do que Broken Age e Thimbleweed Park, mesmo não tendo o pedigree desses dois.
Eu ainda tenho minhas dúvidas se esse gênero tão antigo tem espaço hoje, especialmente depois da modernizada que a Telltale popularizou nos adventures. Dito isso, se você tem saudades da época ou quer saber como eram os point and clicks em seu auge, nos anos 90, Wet Dreams Don’t Dry é a melhor pedida.