Muitas vezes eu já falei por aqui sobre o gênero point and click. Você sabe, como eu gostei muito na infância e adolescência, mas como envelheceu mal, especialmente depois que a Telltale popularizou o que eu chamo de adventure moderno. Nesta análise Cyanide & Happiness – Freakpocalypse, você vai conhecer este jogo que junta a licença milionária e moderna do Cyanide & Happiness com este gênero antigo. Será que deu ruim? Bora descobrir!
ANÁLISE CYANIDE & HAPPINESS – FREAKPOCALYPSE
Cyanide & Happiness – Freakpocalypse é um adventure point and click que puxa bastante do estilão do clássico Full Throttle. Não no humor, mas nos controles e na forma de interação.
Assim como em Full Throttle, clicar em algo interagível abre opções de como interagir. Neste caso, você pode olhar, tocar/pegar ou falar. Ou seja, absolutamente qualquer coisa interagível que esteja no jogo deve ser clicado três vezes, no mínimo. E olha isso:
O problema é o exagero. Em um point and click tradicional, você tem, sei lá, cinco ou dez objetos interagíveis por tela. Aqui você tem, sem exagerar, centenas. E cada uma delas necessita ser clicada não uma vez, não duas vezes, mas três vezes. No mínimo.
ABUNDÂNCIA DE CLIQUES
O visual do jogo é lindão e estiloso. É, também, detalhado demais. Cada tela em que você entra parece um desenho que poderia estar em um livro do Onde Está Wally?. Se a ideia de clicar três vezes em cada detalhe de cada página de um Onde Está Wally? te deixa animado, Cyanide & Happiness é para você. Ele definitivamente não é para mim.
Complicando tudo, ele não destaca os detalhes que serão úteis para progredir. Você só conseguirá achá-los clicando em tudo. Então nem é uma questão obsessiva de “tenho que ver todas as piadas”. No final das contas, você sai clicando a esmo em qualquer coisinha na esperança que seja o item que você precisa. E isso cansa. Na tela acima, por exemplo, eu levei cerca de quarenta minutos para clicar em tudo três vezes. Tudo isso para sair de lá com apenas um item. Sim, de todos esses detalhes, só uma coisa era necessária.
BONITO, PORÉM PARADO
Outra semelhança com Onde Está Wally é que cada tela em si é um desenho estático. Apenas os personagens se movem, e mesmo assim são loops de animação que duram uns três segundos e se repetem infinitamente. Eu já vi visual novels mais animadas do que este jogo.
Mesmo quando você conversa com alguém não existem animações. Ou melhor, o personagem na tela fica parado e, junto com as legendas, aparece a cabecinha de quem está falando movendo a boca. Apesar de os desenhos serem lindos, esse tipo de decisão, que aparentemente foi feita para cortar os custos, trazem a experiência toda ainda mais para baixo.
ANÁLISE CYANIDE & HAPPINESS – FREAKPOCALYPSE: HISTÓRIA E HUMOR
E claro, eu sei que o foco de um bom adventure é na história. Nesse aspecto, Cyanide & Happiness – Freakpocalypse até entrega. Você controla Coop, um nerd do tipo slacker, que gosta de ajudar todo mundo e cujo principal objetivo é conseguir um par para a formatura.
Se você conhece Cyanide & Happines, já deve imaginar como é o humor. São piadas de humor negro bem pesadas, que demonstram uma total frustração e falta de esperança com a vida. Particularmente, eu me identifico com isso e até gosto desse tipo de humor. Porém, uma coisa é ler uma piada assim em uma webcomic. Outra é um jogo com mais de uma dezena de horas que solta uma dessas a cada 10 segundos. A coisa cansa um pouco, é o que quero dizer.
O humor é tão negativo, tão pesado, tão sem qualquer tipo de leveza, que acaba deprimindo. Uma vez é engraçado. Centenas de vezes sem parar faz você pensar na sua própria vida e suas próprias frustrações. Nem South Park, cujo humor claramente inspirou a turma do Cyanide & Happiness, é tão pesado. Eles alternam mais esse tipo de observação niilista com piadas sociais e políticas e até com o escatológico (não que eu goste dessa parte, mas é inegável que ela está lá).
HUMOR NEGRO, E APENAS NEGRO
Cyanide & Happiness – Freakpocalypse tem um e apenas um tipo de humor. Esse aqui:
E veja bem, eu não estou diminuindo isso. Eu gosto desse tipo de humor, o considero deveras inteligente e muito difícil de ser criado. Porém, tanta negatividade seguida acaba causando o efeito contrário do que se espera de uma comédia. Some isso ao fato de ter que clicar em mais de trezentas coisinhas três vezes para pegar um único item qualquer, e é fácil entender quão entediante o jogo se torna depois de um tempo.
ANÁLISE CYANIDE & HAPPINESS – FREAKPOCALYPSE: ROTEIRO E ATUAÇÕES
E é uma pena, pois o roteiro é bom, e totalmente falado. Os atores são bem decentes também. Individualmente, eu gosto de cada uma das piadas que coloquei nessa matéria. Todas funcionariam bem como a punchline de uma webcomic. Mas voltamos àquilo de “o que funciona em uma tirinha de 30 segundos não funciona em um jogo de 15 horas”. Cyanide & Happiness: Freakpocalypse ganharia muito se fosse mais curto.
Eu sinceramente achei que ele concentraria toda sua história na parte da escola, mas quando você resolve essa parte, é liberado para explorar uma cidade inteira. E depois, ainda, pode entrar na sua própria casa, que tem tantas telas e detalhes quanto a escola inteira. A impressão é que não acaba nunca. É demais. No mau sentido. Quando você acha que está acabando, uma nova área se abre, com dezenas de novas telas e milhares de coisas para clicar – três vezes ainda por cima.
APESAR DAS SEMELHANÇAS
Assim, apesar de visualmente ser parecido – e o humor ter semelhanças – Cyanide & Happiness – Freakpocalypse está bem longe de um South Park: A Fenda que Abunda Força. E não apenas no gênero (afinal, este é um point and click, o outro é um RPG). O roteiro, discutivelmente o principal em ambos os jogos, tem um timing bem melhor e mais apropriado à mídia no jogo do South Park.
Cyanide & Happiness – Freakpocalypse até consegue arrancar umas boas gargalhadas, mas seu humor extremamente negro e constante vai acabar te arrastando para baixo. E clicar em milhares de coisinhas três vezes apenas aumenta o tédio.