Eu amo a Remedy Entertainment. Eles representam muito do que eu acho que o mundo dos games deveria ser, com jogos de alto orçamento altamente narrativos e criativos. Muito de Alan Wake 2 o aproxima de Control, e não estou falando do tal do Remedyverse. Ambos são jogos de muita qualidade, mas que deixam bastante a dever em aspectos técnicos. Control saiu sendo simplesmente pesado demais para a geração passada. Este não é exatamente o caso de Alan Wake 2, mas o fato é que o jogo não funciona como deveria. Saiba mais na nossa análise Alan Wake 2.
ANÁLISE ALAN WAKE 2
Apesar de Control ter tido uma expansão sobre Alan Wake, esta não é tão necessária para Alan Wake 2. No entanto, muito do universo de Control volta a aparecer aqui. E isso é muito legal. Alan Wake, o primeiro, era sobrenatural e interpretava isso no gênero terror. Control mostrava fenômenos parecidos, mas com jeito de ficção científica, mostrando explicações racionais para o que a maioria de nós chamaria de assombrações.
Alan Wake 2 mantém o gênero do primeiro. Aliás, se tanto, dobra sua aposta no estilo survival horror. Porém, o FBC de Control e vários dos personagens daquele jogo aparecem aqui, muitos em papéis importantes.
Mas não é só. A Remedy já fez muitos jogos bacanas, mas não tem o direito sobre todos eles. Isso não significa que eles não podem dar um jeito.
O REMEDYVERSE: MAX PAYNE EM QUANTUM BREAK
O próprio Max Payne faz parte da história. Mas quem diria, Max Payne é Alex Casey, o detetive dos livros de Alan Wake. Provavelmente foi planejado assim desde o início, mas só agora ficou claro. Alex Casey, em Alan Wake 2, tem o visual do desenvolvedor Sam Lake, e a voz de James McCaffrey. Exatamente como o Max Payne original. Não é coincidência. O visual, interpretação e personalidade são exatamente os mesmos. Ele só não tem o nome.
O ator Shawn Ashmore, protagonista de Quantum Break, também aparece por aqui como o xerife. E Mr. Door é interpretado por David Harewood, que parece uma imitação audiovisual de Lance Reddick, que também estava em Quantum Break. Mas nestes casos não diria que os personagens são os mesmos. Ou pelo menos acho que não. De qualquer forma, toda esta metalinguagem é linda.
METALINGUAGEM É LINDO!
Mas não é apenas em atores e personagens que temos metalinguagem. A história inteira é um tratado sobre criatividade, redação e criação de universos. A narrativa é dividida em três “lugares”. Alan Wake está preso no Dark Place, de onde tenta escapar desde 2010. Saga Anderson, a co-protagonista, vive no mundo real, que é afetado pelas histórias que Alan escreve em seu exílio. E parte de sua aventura a transporta para o Overlap, uma dimensão mística entre o mundo real e o Dark Place, também afetada pela arte.
Acontece que os eventos místicos de Alan Wake, conforme explicados cientificamente pelo FBC de Control, são influenciados pela Dark Presence, uma entidade que se alimenta da arte. Qualquer arte. Nisso incluímos a escrita de Alan, mas também o heavy metal da banda Old Gods of Asgard, outros personagens conhecidos do Remedyverse (além da participação deles nos jogos, aquele trecho marcante de Control é uma música deles). E vale dizer, o Old Gods of Asgard é, na vida real, a banda Poets of the Fall.
Então temos Saga, agente do FBI, tentando resolver assassinatos no mundo real enquanto Alan Wake, do Dark Place, influencia a realidade dela através da escrita, tentando escapar. No jogo, após a introdução, podemos alternar entre os dois personagens em toda sala de save. Isso possibilita jogar cada história de uma vez ou trocar sempre que elas se cruzarem, que é o que fiz. E daí temos o FBC, no mundo real, também estudando os fenômenos paranormais de Bright Falls e constantemente empatando a investigação de Saga.
ALAN WAKE 2 É SURVIVAL HORROR
O combate é uma versão aprimorada do jogo anterior. Você deve usar a lanterna para tirar a escuridão dos inimigos, e então derrubá-los no pipoco. O gameplay é bem melhor agora, mas o combate também é bem menos frequente. Alan Wake 2 foca mais em atmosfera, clima e narrativa, e menos em cenas de ação estendidas, como era no original.
Além disso, embora a campanha tenha uma ordem pré-definida para cada personagem, o funcionamento puxa para o metroidvania. É possível visitar todo o cenário sempre que desejar, e habilidades e equipamentos destravados na narrativa principal podem abrir caminhos previamente fechados. Inclusive, há várias áreas totalmente opcionais, que você simplesmente não visitaria se seguisse apenas a narrativa.
O gameplay é mais ou menos o mesmo com ambos os personagens, embora algumas armas sejam exclusivas de um ou de outro. O cenário é a grande diferença. Saga explora florestas, como no primeiro jogo, enquanto Alan está preso numa fac-símile de Nova Iorque.
JOGAM COM ALAN DÁ MEDO, SAGA É SUPERPODEROSA
A campanha de Alan é mais assustadora. A cidade de Nova Iorque é habitada por sombras que estão a todo momento falando com você e te perseguindo. Porém, são poucas que realmente te atacam. Algumas te derrubam quando você passa por elas, o que não tira vida. Outras são inimigos tradicionais, que devem ser vencidos. O problema é que você nunca sabe qual sombra vai te atacar, o que deixa tudo assustador, mas também um tanto chatinho.
Já Saga tem um poder sobrenatural impressionante, que lê a mente de amigos e inimigos, o que dá a ela informações que não são contadas em conversas. Ela também tem a possibilidade de usar dados que adquiriu na campanha para formar uma investiigação que a guia. Jogar com ela é uma das versões gamificadas mais interessantes de detetive. Mas Alan também tem seus truques. Afinal, ele é um artista.
A ARTE DE ALAN WAKE 2
Assim como Saga pode “entrar na sua cabeça” para fazer investigações, Alan pode fazer isso para escrever. E sua narrativa afeta a própria realidade também. Durante sua exploração, ele encontra cenários que dão boas histórias, e também ideias do que pode acontecer. Daí você entra na mente e junta os cenários com as ideias. Você pode, por exemplo, juntar um lugar abandonado com o ritual de um culto, e isso afeta o cenário para mostrar que houve um culto ali. É muito interessante narrativamente, e tecnicamente impressionante também, uma vez que é a verdadeira mágica do SSD.
Isso porque escrever estas mudanças modifica totalmente o cenário. Basicamente, uma nova fase é carregada em questão de segundos. Também é impressionante você poder mudar instantaneamente e a qualquer momento para dentro da sua mente, que é na prática um hub que parece ficar o tempo todo carregado no background.
NEM TODA TÉCNICA IMPRESSIONA
E aí chegamos a um dos pontos que realmente atrapalhou minha experiência com Alan Wake 2. Ele é um jogo tecnicamente muito cru. Não é como Control, que era praticamente não jogável em um Xbox One X. Porém, há muitos problemas técnicos que não estão relacionados ao jogo ser muito pesado, mas a ser pouco polido. Ficar preso no cenário é comum aqui, por exemplo. Coisas que você já pegou no mapa se recusam a sumir. Itens já usados não são transferidos para a área de usados, o que deixa a UI extremamente poluída. Em casos menos incômodos, vozes não são faladas, mensagens de tutorial aparecem repetidas vezes e o game saved não some da tela depois de salvar manualmente. Em outras horas, você não conseguia progredir porque o jogo travava o progresso. Exemplo:
No trecho acima, eu precisava pegar aquela chave para pegar um colecionável. Mas embora ela estivesse na mesa, eu não conseguia pegá-la. Reiniciei o jogo, o Playstation e tudo mais e simplesmente não conseguia pegá-la. Curiosamente, quando resolvi continuar, fui tentar interagir com a porta e a chave estava no meu inventário, mesmo sem eu tê-la coletado.
Este tipo de coisa acontece com tanta frequência que fica difícil saber quando você não sabe como progredir, ou quando o jogo está te impedindo de progredir. Isso fica ainda mais grave porque Alan Wake 2 chega a passar 50 minutos sem salvar automaticamente e sem dar nenhuma oportunidade de save manual. E isso me leva a algo que acredito que só afetou a mim. Então não afetou a nota do review, mas vale ser contado.
VISUAL BIZARRO, QUIÇÁ QUEBRADO
Eu tive muita dificuldade de enxergar Alan Wake 2. O jogo é escuro por padrão, e tive a sensação que o sistema de brilho não funciona, pois parece não afetar o visual. Porém, o visual na minha TV ficou muito estranho. Algumas cores ficaram absurdamente saturadas. As cenas filmadas ficavam tão granuladas que parecia que estava jogando Sega CD. Em quase todo meu jogo, parecia que minha tela estava coberta de areia (não estava), deixando tudo meio embaçado e difícil de entender.
Há muito tempo eu sinto que minha TV (uma OLED da LG) não está legal. Mas os problemas normalmente se limitam a coisas como a faixa do Michaelangelo ficar da mesma cor de sua pele. Eu nunca tive problemas para enxergar ou entender o que está na tela, como aconteceu aqui. Cheguei a mexer na configuração da TV, desligar o HDR e tudo mais que consegui pensar, mas o jogo sempre ficava feio e difícil de entender. As cores pareciam calibradas de forma totalmente errada. Curiosamente, as imagens que capturei mostrando estes problemas ficaram boas, apenas escuras. Então minha interpretação é que alguma coisa do design visual de Alan Wake 2 não brincou legal com a minha tela, mas não é um problema apenas do jogo. Por isso não deixei isso afetar o review, mas se acontecer com você também, me conta nos comentários.
O MELHOR USO DE LIVE ACTION EM UM GAME
Uma coisa que nunca entendi é porque os games pararam de usar live action em cenas narrativas. A Remedy ainda brinca com isso. Em Control e CrossfireX, você via imagens filmadas em TVs e em locais específicos. Quantum Break era dividido entre a parte de jogo e a parte de série de TV. Mas Alan Wake 2 faz uma mistura impressionante. Ele passa de cutscenes em CG para cutscenes filmadas naturalmente, a ponto de que você às vezes nem percebe a transição.
Em outros momentos, como na imagem acima, vídeos filmados são passados em um telão, e dá para você entrar na frente do projetor, com parte da imagem projetada no personagem. Impressionante.
ALAN WAKE 2: WE SING
Além disso, ele quebra várias regras do gênero terror em videogame. Por exemplo, no capítulo We Sing, você joga enquanto a banda Old Gods of Asgard toca um musical metal sobre a vida de Alan Wake nos telões espalhados pela fase. Tudo completo com cenas de dança e vários personagens cantando.
Um musical falando sobre o personagem é bacana, mas o mais interessante é como a música se adapta ao que você está fazendo. A letra não é repetida, mas se você ficar sem andar, ou não souber para onde ir, a música continua sem parar, alternando partes instrumentais com solos de guitarra detonantes e vídeos dos músicos e personagens apontando para onde você deve ir. Mesmo que você não goste de videogames, eu recomendo para qualquer um jogar este capítulo do jogo, pois é o tipo de coisa que não poderia existir da mesma forma em nenhuma outra mídia.
ALAN WAKE 2 E AS CHATONICES
Por fim, tem algumas coisas que fazem parte do próprio gamedesign que não me agradaram. O inventário, por exemplo, é extremamente limitado, e tem uma espécie de cofre mágico, como Resident Evil, onde você pode guardar o que não pretende usar logo. O problema é que, ao contrário de Resident Evil, Dead Space, ou qualquer outro jogo com esta funcionalidade, o cofre também é altamente limitado, e ficará lotado antes da metade do jogo. Além disso, simplesmente transportar as coisas de um para o outro é bastante chato e trabalhoso, muito mais do que precisa ou deveria ser.
Outras coisas chatas são os puzzles. Um monte deles envolve encontrar códigos e chaves, o que é sempre chato. Um deles, que se repete até não poder mais, envolve ler um poema e colocar bonequinhos nos desenhos que representam onde estes personagens estão no texto. Encontrar todas essas soluções é tão chato que eu ficava com um guia aberto no celular e, quando encontrava um, simplesmente olhava o que fazer para pular e continuar o jogo. Se tivesse jogado Alan Wake 2 antes do lançamento, ou estes guias não existissem, minha experiência teria sido bem mais chata do que foi.
ALAN WAKE SEGUNDO
Eu ainda sou fã da Remedy pelo que eles tentam – e conseguem – fazer narrativamente. Porém, seus jogos precisam ter mais cuidado técnico. Um ou outro bug a gente está acostumado a aceitar, mas ter que jogar constantemente se questionando se o jogo quebrou ou se você que não sabe o que fazer não é bacana. Eles precisam resolver este tipo de problema antes do lançamento, pois realmente afeta a experiência.
Porém, narrativamente, Alan Wake 2 é um triunfo, contando uma história muito bem escrita, interessante e cheia de reviravoltas. Poucas desenvolvedoras têm este naipe de calibre narrativo, e isso atualmente é o principal em um jogo para mim. Se também é para você, não perca Alan Wake 2, mas vá preparado para encontrar glitches e problemas técnicos frequentes.