Esses seres humanos entre treze e dezoito anos de vida são, sem dúvida, complicados. Mas também são o tema e o público alvo de uma parcela significativa de filmes, livros, séries, músicas e demais produtos de entretenimento. Sendo assim, espera-se que a ficção a retrate de forma fidedigna para que eles se identifiquem e continuem consumindo. Mas não é bem o que acontece. Me pergunto se não é mais frequente o adolescente real inspirar seu comportamento no fictício do que o fictício refletir, de fato, o real.
Obviamente, o problema é que os escritores e roteiristas não são mais adolescentes. Assim como muitos filmes direcionados a meninas são mais uma visão masculina sobre nós do que a nossa realidade, o mesmo acontece com essa galera que ainda não é adulta, mas também não é mais criança. É muito difícil encontrar personagens que os representem bem, provavelmente porque quem escreve sobre eles parece não lembrar como é ser adolescente, ou não conviver com adolescentes o suficiente para ter uma boa noção. Isso resulta em personagens ridiculamente planos e estereotipados, que podem ser descritos em um ou dois adjetivos (o nerd, o solitário, o bully, a patricinha dramática, o deliquente juvenil, o atleta burro, etc).
Este artigo foi originalmente concebido quando eu ainda fazia parte desse grupo e me sentia pessoalmente injustiçada por essas generalizações. Agora, com alguns anos a mais, eu continuo concordando que esses estereótipos não só são errôneos e injustos, mas também bem chatos de assistir. Então, segue uma pequena lista de estereótipos comuns na cultura pop voltada para os teens que sempre me incomodaram e que, ao menos na minha experiência, não procedem nem de longe.
– ADOLESCENTES LOUCOS E IRRESPONSÁVEIS
VISTO EM: Skins; The Basketball Diaries; Aos Treze; Project X; Praticamente todos os filmes slasher já feitos.
Aquele cenário clássico de sempre: se na sua história existe um grupo de adolescentes, obviamente eles estarão bebendo, se drogando, roubando coisas de alguma loja, destruindo o patrimônio alheio e contraindo alguma doença venérea, não necessariamente nessa ordem. E enquanto o estereótipo de delinquente juvenil costuma ser divertido e charmoso, o quadro que a gente costuma ver não é bonito.
MAS NÃO É BEM ASSIM: Não dá para negar que esses são assuntos com os quais todo adolescente tem de lidar, e existem sim os que se comportam exatamente como a gente vê nesses filmes. No entanto, a maioria esmagadora é razoável e prudente o suficiente para se manter longe de confusões sérias e atividades claramente auto-destrutivas.
Adolescentes têm licença para agir como idiotas. Faz parte do crescimento. Afinal, essa liberdade para não levar as coisas tão a sério é uma das partes mais legais de ser jovem – que geralmente somos obrigados a abrir mão na vida adulta – então é válido aproveitar enquanto se pode. Não significa que um adolescente normal não consiga aliar isso às suas responsabilidades e expectativas cada vez maiores e à tarefa integral de construir seu caráter.
O problema é que a ficção vai ou para o modo “Disney Channel”, onde tudo é perfeito e simples e inofensivo e ninguém fala palavrão; ou para o modo Skins, em que um jovem de 15 anos que ainda seja virgem e tenha um fígado saudável é equivalente a um unicórnio (um unicórnio que será ostracizado impiedosamente).
A realidade é que algumas pessoas amadurecem mais rápido que outras, e algumas são introduzidas a essas coisas mais cedo que outras. Como diz o Doctor, algumas pessoas vivem mais em 20 anos que outras em 80. Só que na vida real, os mais precoces estão misturados homogeneamente com os mais tardios. Colocá-las juntas compartilhando suas experiências (e a falta delas) é o que deixa os relacionamentos mais interessantes e o que deixaria o quadro mais realista.
– ADOLESCENTES QUE NÃO SE DÃO BEM COM OS PAIS
VISTO EM: Valente; Sexta-Feira Muito Louca; A Pequena Sereia; Pateta, o Filme; Qualquer situação em que os pais são os protagonistas.
Outro clássico. Pais superprotetores ou simplesmente preocupados tentam sem sucesso entender melhor suas crias adolescentes e participar mais de suas vidas, mas os jovens só querem saber dos amigos, os acham velhos e ultrapassados e preferem que os deixem a uma quadra da escola. Para poder aprender a amar os pais, eles terão de ser forçados a passar um tempo com eles. Também não pode faltar uma cena de discussão em que o adolescente bate a porta do quarto com um grito de “eu te odeio!” ou “você está estragando a minha vida!”.
MAS NÃO É BEM ASSIM: Conflito de gerações é inevitável, nenhuma convivência é livre de crises e o grau de intimidade entre pais e filhos varia muito, mas no geral os adolescentes são no mínimo gratos aos pais e têm consciência de que, errando ou não, os pais geralmente só querem o seu bem. Ainda mais frequentemente, os filhos adolescentes são os maiores aliados dos pais, dividindo as tarefas de casa ou ajudando a cuidar dos filhos menores, por exemplo. É muito mais comum ver um adolescente que é muito apegado ao pai ou à mãe do que um que se distancia, e quando acontece costuma existir uma razão compreensível. Os que têm vergonha ou maltratam gratuitamente os pais são as exceções, e são malvistos por outros adolescentes também.
– MENINAS NERDS/GÓTICAS SARCÁSTICAS E ARROGANTES
VISTO EM: a saga Crepúsculo de Stephenie Meyer e quase todo o gênero Young Adult; Daria; As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy; Jovens Titãs; X-Men Evolution; Família Addams; Também vale citar Scott Pilgrim, apesar de eles não serem mais adolescentes.
Isso acontece sempre que o objetivo é montar um grupo de adolescentes de diferentes “tribos” ou ter uma protagonista com quem as garotas nerds se identifiquem. Acontece com meninos também (em Pequena Miss Sunshine, por exemplo), mas com meninas é muito mais comum.
Ser gótica/emo/punk é até opcional, mas se for nerd – ou só ligeiramente mais culta que os outros personagens, então a personagem será cínica e apática, achará tudo patético e vai virar os olhos para todos os outros personagens normais, afinal ela “não é como as outras meninas”. Sinceramente eu gosto muito da maioria dessas personagens, mas na intenção de fazê-las parecerem mais maduras ou intelectualmente superiores, elas acabam passando por antissociais e chatas. E nem vou entrar na parte do quanto esse estereótipo reflete e perpetua uma séria misoginia internalizada, porque só isso daria outro texto.
MAS NÃO É BEM ASSIM: Eu argumentaria que nós nerds em geral temos uma certa tendência a ser pretensiosos e achar nossos interesses superiores ao dos outros, e na adolescência isso tende a ser ainda mais acentuado. Mas obviamente, adolescentes nerds e/ou góticas também têm a capacidade de serem gentis, engraçadas e positivas em relação à vida. Ser sarcástico é bastante divertido, e estar em uma situação ou ambiente em que você não se encaixa inevitavelmente vai causar essa reação, independente de que idade você tenha. Essa apatia constante, porém, é exagero, especialmente se tratando de meninas adolescentes. Se qualquer emoção forte te transformar num demônio então é perdoável, mas fora isso, meninas nerds costumam ter senso de humor e entusiasmo ATÉ DEMAIS.
– ADOLESCENTES QUE NÃO PARECEM ADOLESCENTES
VISTO EM: Garotas Malvadas; Easy A; Garota Infernal; Gossip Girl; 13 Reasons Why; Riverdale; Smallville; One Tree Hill; The OC; Glee; e tantos, tantos, tantos outros.
Este também é muito comum e costuma causar grande frustração em quem assiste. Os adolescentes fictícios parecem totalmente bem-resolvidos, com opiniões e gostos já muito bem formados, têm guarda-roupas maravilhosos, carros e vagas em universidades assim que atingem a idade necessária e nós não os vemos trabalhar nem um minuto para consegui-los. E claro, são interpretados por atores bonitos de vinte e poucos anos. Quando fica claro que eles são privilegiados ou extraordinários, tudo bem, mas o que irrita é que a maioria deles nos são apresentados como “só um adolescente normal”.
MAS NÃO É BEM ASSIM: A adolescência é um período conturbado, física e emocionalmente. Adolescentes mudam de ideia com frequência e transitam por fases absolutamente diversas, sempre achando que aquilo é certo e definitivo. Não é à toa tanta gente achar tão constrangedor e cringy relembrar a adolescência, e por isso são engraçadas as cenas em que adultos fictícios têm flashbacks de como eram estranhos e ridículos quando mais jovens. Todo mundo era, em algum nível.
É claro que a escolha de atores adultos para interpretar adolescentes tem mais motivação “logística” e jurídica do que qualquer outra coisa, mas com certeza não é divertido para um adolescente se olhar no espelho e se comparar a esses adolescentes fictícios que tem a cara da Rachel McAdams aos 25 ou de Ben McKenzie aos 24.
– OS CONTRAPONTOS
Este artigo foi originalmente inspirado pelo livro (e filme) As Vantagens de Ser Invisível, que me causou uma impressão fortíssima na época e que ainda está entre meus favoritos. Eu nunca tinha visto personagens tão relacionáveis, em relações tão bem aprofundadas e em situações tão realistas. Foi uma das poucas vezes durante a minha adolescência em que eu senti que eu e meu grupo etário em geral estávamos sendo representados fidedignamente.
Além deste exemplo, eu também amo a série Misfits, que quebra todo tipo de estereótipos e é uma das coisas mais underrated da história da TV. Também sempre gostei de Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos Cinco e esses clássicos oitentistas em geral, que também conseguem ser bastante divertidos e causar identificação mesmo depois de tantos anos. Entre os mais recentes, Juno e Easy A (aqui conhecido pelo genérico título de A Mentira) também são ótimos exemplos.
Eu também sempre me identifiquei com Kat Stratford de 10 Coisas que Eu Odeio em Você por desprezar muitas das bobagens adolescentes mas ainda ter senso de humor. Lisa Simpson, a Sam de Danny Phantom, a Lydia do desenho do Beetlejuice e a Marceline de Hora de Aventura são meninas nerds e/ou góticas sem deixar de serem engraçadas e fofas, e portanto dariam protagonistas muito melhores para livros Young Adult.
A saga Harry Potter consegue mostrar um grupo variado de adolescentes sem estereotipá-los tanto, e o excelente cartoon Ilha dos Desafios faz uma paródia genial desses estereótipos. No quesito relacionamento com a família, Jogos Vorazes, As Crônicas de Nárnia, Gilmore Girls, Castle e de novo Easy A são bons exemplos. É possível acertar, é só questão de prestar um pouco mais de atenção.
E você, delfonauta? Que personagens te representavam como adolescente? E quais te deram expectativas que não eram exatamente realistas?
