Era uma noite chuvosa de março quando o temido chefe da máfia delfiana, Carlos Eduardo Corrales, entrou em contato para me fazer uma oferta. Ele queria saber se eu estava interessado em resenhar A Way Out, um perigoso projeto do estúdio Hazelight. Perguntei qual seria exatamente o trabalho. “Escapar da prisão”, disse ele emulando o sotaque do Marlon Brando.
Eu sabia muito pouco sobre aquele serviço: tinha ouvido burburinhos sobre sua proposta e assistido a um ou dois trailers. Mas o esquema parecia legítimo, por isso decidi entrar no jogo. Afinal, não é todo dia que se lança um indie totalmente cooperativo com foco na narrativa.
Assim, fiz uma ligação direta no meu PS4, recarreguei meu .38 em forma de joystick e parti para ajudar o detento Corrales a encontrar…
UM CAMINHO PARA FORA
Ambientada na década de 70, a trama de A Way Out gira em torno de dois presidiários. Para escapar da prisão, eles devem unir forças e esquecer as diferenças enquanto buscam se vingar de um inimigo em comum.
Falando assim, a história pode parecer clichê de filme da Temperatura Máxima (isso ainda passa na Globo?), mas ela é bem executada o suficiente para conseguir se distanciar dos estereótipos e deixar sua própria marca.
Já no menu inicial, durante a escolha de personagens, você (ou vocês, já que não existe um modo single-player) terá acesso à biografia de cada personagem.
Vincent é um sujeito com cara de poucos amigos, condenado a 14 anos de prisão por fraude, desvio de fundos e assassinato. Já Leo é um assaltante marrento que foi preso por agressão, roubo e outra sorte de atos benevolentes. Tutti buona gente, portanto.
Após uma breve pausa para ler o perfil de cada personagem, escolhemos nossos avatares: fiquei com Vincent e seu indefectível cavanhaque, enquanto o Corrales optou por Leo e seu nariz de dois palmos e meio.
Devidamente encarcerados, começamos a jogatina. Ainda que o início tenha sido um pouco arrastado em questão de narrativa, não demoramos a perceber que havia uma notável porção de atividades a serem feitas no mundo de A Way Out.
QUEM FICA PARADO É POSTE
Ao longo do jogo é possível encontrar uma miríade de passatempos, minigames e atividades secundárias para realizar. Muitas não são obrigatórias, mas passar batido por elas seria cometer um verdadeiro crime.
É possível jogar dardos, beisebol, basquete e ferraduras, fazer queda de braço, flexões e exercícios na barra, lavar lençóis na lavanderia da prisão e brincar de marceneiro na serraria, competir em jogos de tabuleiro e eletrônicos, assistir TV e até mesmo brincar no balanço.
Já as ações necessárias para progredir no jogo envolvem perseguições em alta velocidade e a pé, combates mano a mano e com armas de fogo, pescaria (essa foi difícil), escavação de túneis, saltos em câmera lenta, fugas em barcos, fugas em carros, fugas em motocicletas e outras tantas atividades que honestamente estou com dificuldade para lembrar de todas.
É bacana ver a criatividade usada pela Hazelight para tornar o jogo o mais diversificado possível, tanto em relação às mecânicas utilizadas quanto ao ritmo empreendido.
Os momentos de ação, furtividade e combate são mesclados de maneira orgânica aos segmentos narrativos, de exploração e de diálogo, o que oferece um senso de ineditismo à experiência, mesmo depois de várias horas de jogo.
DOIS LADOS DE UMA MESMA MOEDA
Boa parte de A Way Out é jogado em tela dividida (seja jogando em co-op local ou online), mas foi aplicada uma boa dose de diversidade a este formato. Em certos momentos, por exemplo, a tela de um personagem ganha mais espaço que a do outro, a fim de chamar a atenção de ambos os jogadores para um mesmo acontecimento.
Também existem sequências em que a tela se divide em três partes, e outras que assumem uma visão 2D ou até mesmo isométrica, brincando com ângulos de câmera e pontos de vista para oferecer mais dinamismo à cena.
Já nas cutscenes e em momentos pontuais, a visão segmentada dá lugar à tela cheia, de forma que os dois jogadores assistem à mesma coisa. Toda essa variação pode parecer confusa, mas juro que não é. Foi tão bem implementada, na verdade, que merece uma salva de tiros palmas.
Como se não bastasse toda essa variedade, existem ainda árvores de diálogo (que pouco afetam o andamento da trama) e situações em que será necessário aos jogadores escolher entre duas opções: uma sugerida por Vincent, geralmente mais pé no chão, e outra por Leo, sempre inclinado a meter o louco.
Nessas cenas, o jogo somente irá avançar quando ambos os jogadores selecionarem a mesma opção. Essas escolhas podem ser morais (como confrontar ou não determinados personagens) ou puramente táticas (como seguir pelo caminho mais rápido em vez de ir pelo mais seguro).
As decisões tomadas em conjunto são as que mais afetam o gameplay, mas não conseguimos sentir que provocaram grandes mudanças na trama em si. Basicamente, essas escolhas mudam um pouco seus objetivos e o cenário que será percorrido, mas não vão muito além disso.
O fato é que, independentemente das escolhas tomadas, existem apenas dois finais possíveis para o jogo (sim, delfonauta, é claro que eu e o Corrales fizemos os dois). O problema é que o final a ser assistido depende basicamente de um quick-time event, o que nos deixou um pouco desapontados, já que a habilidade dos jogadores, assim como as escolhas anteriores, pouco influenciam na conclusão da trama.
Mas tranquilo: é apenas um pequeno defeito em uma obra cheia de qualidades. E, falando em final, podemos dizer que ele nos pegou de surpresa. Talvez seja culpa dos dois primeiros atos, que pouco arriscaram em termos de reviravoltas no enredo, ou quem sabe nos faltou exercitar a visão além do alcance. Seja como for, é inegável que o último terço do jogo foi um belo de um tapa na cara.
SENTENÇA
Por conta de uma excelente história, gráficos e direção de arte primorosos, mecânicas criativas e uma proposta inovadora, o veredito final do Tribunal Delfiano Supremo é de que A Way Out deve ser julgado jogado por todos aqueles que curtem um bom jogo narrativo e têm à disposição um segundo controle – ou um cúmplice para cometer o delito online.
Ah, e vale lembrar que apenas um dos criminosos precisa ter o jogo! O outro pode entrar de gaiato na história, sem a necessidade de roubar adquirir sua própria cópia. Baixa bastar o demo disponível de graça nas lojas online dos consoles. Mas fique ligado, o jogador com o demo só poderá jogar com convite de alguém que tenha comprado e não poderá usar coop local.
CURIOSIDADES
– Criado pelo mesmo diretor de Brothers: A Tale of Two Sons, A Way Out foi produzido ao longo de três anos por uma equipe de apenas 50 pessoas (ou 40, dependendo da fonte em que você pesquisar). Se fosse no Brasil, caberiam todos na mesma cela.
– Somente em uma segunda sessão de jogo é que eu e o Corrales percebemos que era possível alternar entre os personagens a partir do menu inicial. De qualquer forma, já estávamos apegados aos nossos bandidos de estimação e optamos por manter a escolha original até o fim.
– O orçamento estava tão surrado que o diretor do jogo, Josef Fares, chamou o próprio irmão, Fares Fares (no Brasil seria Silva Silva) para interpretar o criminoso Leo: