A Primavera Delfiana: Capítulo Final

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Nada de resumos do capítulo anterior. Se quiserem saber o que aconteceu até agora, leia a introdução, o início da aventura e a parte 2 de nossa jornada épica.

Lá estavam os delfianos, frente a uma nova esperança. Um dia mais claro após a noite mais densa.

DV: o plano é o seguinte. Amanhã chegaremos mais cedo ainda, por volta das 5:30. Vamos refazer a programação do grande portão de aço e, quando o Ditador chegar, às 9:30, não conseguirá entrar. Declararemos a Tomada do Oráculo. Construiremos nossa pauta de reivindicações e não negociaremos sequer uma vírgula. Concordam?

HA: aqui está uma sugestão de nossas reivindicações. 1 – abertura imediata de uma janela em nosso local de trabalho. 2 – construção de um banheiro em nosso local de trabalho e livre acesso a ele quando desejarmos. 3 – jornada de trabalho de oito horas e não mais de 12 horas como é atualmente. 4 – as resenhas de filmes nacionais e oscarizáveis deverão ser distribuídas igualmente entre todos. 5 – quando assistirmos a algum filme para fazer a critica, receberemos vale refeição e não mais o valor equivalente a uma coxinha e um suco descontados do nosso salário. 6 – ficam extintos os descontos em nossos salários. 7 – as assinaturas de revistas masculinas serão compartilhadas por todos no Oráculo, não serão mais privilégio do Ditador. 8 – Nossos aumentos salariais serão vinculados aos índices de aumentos concedidos aos deputados federais e senadores. 9 – faremos todos os anos comemorações cívicas quando for o dia da morte de Ernesto Che Guevara e Emiliano Zapata. Concordam?

JPR: Sim, camaradas. A pauta é bastante razoável. Vamos para nossas casas e aguardemos o glorioso dia de amanhã. Seremos lembrados pelos livros de História.

CCy: Que a força esteja com a gente.

HA: não, camarada. Essas não são mais palavras adequadas para nós. Não é uma saudação digna de destemidos revolucionários. Devemos de agora em diante dizer uns aos outros: ousar lutar, ousar vencer. Digam em voz alta companheiros:

Nesse momento, mais um marco histórico se fez no Oráculo. Todos os seus escribas gritaram a uma só voz: OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER.

No dia seguinte, nossa revolução se iniciou. No horário combinado, e com seus trajes revolucionários adquiridos no shopping mais próximo, nossos valentes heróis deram inicio a seu plano. Trocaram o código de acesso e aguardaram silenciosamente até o horário de chegada do Ditador.

AC: 9:50. Como sempre, o Ditador está atrasado.

RP: lá vem ele. Todos para a janela. Vamos ver sua cara de indignação.

DITADOR: o que é isso? Alguma brincadeira? Abram imediatamente esse portão. Isso é uma ordem.

Da janela, todos os redatores gritaram juntos suas palavras de ordem: “abaixo a opressão! Por melhores salários e condições de trabalho, tomamos o Oráculo. Só sairemos daqui quando tivermos a garantia de que nossas reivindicações serão totalmente atendidas”.

DV: ei, colegas, tive uma idéia. Vamos irritar ainda mais o Ditador.

DV: (gritando pela janela) Ei, Ditador, esse é o momento em que você diz assim: vou inchar e vou soprar e sua casa derrubar.

Nesse momento, nas janelas do Oráculo, todos os redatores caíram na gargalhada e deram socos no ar. O Ditador, possesso, iniciou seu contra-ataque.

DITADOR: muito bem, se é isso o que querem, então lá vai. Vou iniciar uma contra ofensiva, sentado confortavelmente naquela padaria, tomando um café colombiano. Afinal de contas, parece que vai chover e não posso correr o risco de molhar meus sapatos italianos.

Assim, nobres leitores, o fim de nossos destemidos revolucionários se iniciou. O Ditador usou de toda a sua influência junto ao poder público e a grande mídia, leia-se forças de repressão. Ligou para diversos coronéis e apresentadores de TV cujos filhos são visitantes regulares do DELFOS e sempre ganham os apetrechos daquelas promoções suspeitas.

DITADOR: alô, Coronel? Sim, agora é hora de retribuir aquele grande favor. Preciso imediatamente de uma operação de reintegração de posse. Tenho também uma firma que mantém no ar o site de um grande clube de futebol da capital paulista. Ela foi invadida. O quê? Não, não se importe em usar de toda a truculência… são apenas alguns arruaceiros torcedores do maior clube de futebol paulista que protestam por melhores resultados no campeonato brasileiro. Não. Não fazem parte de nenhum movimento digno de ocupação por moradias. Pode usar de toda a truculência. Hein? Entendi. Há algumas bombas de gás lacrimogênio que estão perto de acabar a validade e precisam ser usadas? Ok. Os marginais estão acostumados a isso.

HA: conseguem ouvir o que ele está falando?

GV: não, está muito distante. Certamente está pedindo ajuda a seus familiares.

BS: vejam, ele pediu um café. Está batendo os dedos na mesa seguidamente, seu principal sinal de ódio. Ele faz assim quando vai demitir alguém. Está telefonando sem parar.

DITADOR: alô, sim, sou eu. Claro, dei todas as dicas pros seus filhos terminarem aquele jogo dificílimo. Como vão as coisas aí na emissora? Ah, sim. Continuam buscando manter o primeiro lugar na audiência como nos últimos quarenta anos? Espero que consigam. Olha, tenho um furo de reportagem que pode render muitos pontos de audiência. Sim, há uma grande chance de haver derramamento de sangue. Alguns torcedores radicais invadiram minha firma, que mantém no ar o site de um grande time de futebol. Estão quebrando tudo. Parece que vai haver invasão da Tropa de Choque. Isso, o Choque está a caminho.

Estão percebendo, leitores, quão ardiloso é o Ditador? Usa suas boas relações sociais, alcançadas depois de muitas partidas de golfe com os principais mandatários do país, para minar o movimento revolucionário dos trabalhadores oprimidos.

CCy: companheiros, que barulho é esse?

RP: vejam, há um helicóptero sobrevoando o Oráculo.

GV: olhem aquilo, uma equipe de TV se instalando do outro lado da rua.

JPR: venham ver isso, o Oráculo está na TV. Estão transmitindo ao vivo as imagens captadas pelo helicóptero. Vejam, vejam, agora o repórter da calçada está ao vivo.

BS: vitória, camaradas. Agora nosso movimento será visto pelo mundo todo. Criarão infinitos movimentos de apoio nas redes sociais, como fizeram na Primavera Árabe. Entraremos pros livros de História. Nossos nomes estarão nas principais avenidas e praças. E mais importante, estaremos nos trending topics do Twitter e o Ditador vai ser xingado muito. Sério!

AC: Silêncio. Vamos ouvir o que eles estão dizendo na TV.

REDE G – ao vivo da calçada do outro lado da rua do Oráculo: nesse exato momento uma facção radical de uma torcida organizada de um grande clube da capital paulista acaba de invadir a sede da firma que mantém o site do clube no ar. Segundo informações obtidas com os moradores, houve quebra quebra e explosões de coquetel molotov. Vamos ouvir o que tem a nos dizer o proprietário do imóvel, o Sr. Carlos Eduardo Corrales.

REPÓRTER: o que realmente está havendo lá?

SR. CORRALES: não houve nada que eu pudesse fazer. Fui expulso violentamente de lá. Não houve sequer uma tentativa de negociação. Ameaçaram explodir o prédio, sequestrar meus familiares e quebrar minhas action-figures.

REPÓRTER: é verdade que eles são um braço das temidas FARCs colombianas?

SR. CORRALES: não sei se isso é verdade, acho que não. Tudo que sei é que usavam camisetas do FATAH e do HAMAS.

REPÓRTER: então parece que a situação é muito séria.

Dentro do Oráculo, nossos destemidos revolucionários continuavam incrédulos com o que estavam ouvindo na TV.

CCy: maldita mídia imperialista. Vejam o que estão fazendo, mais uma vez enganando as massas.

JPR: não temam, camaradas, os tempos são outros. Logo teremos o apoio das massas que, a essa altura, já criou milhares de pontos de apoio à nossa causa nas redes sociais.

HA: vejam, no final da rua. O que é aquilo? Parece que centenas de pessoas estão vindo pra cá. Parece que todas estão usando camisetas pretas. Vitória, camaradas. Vitória, as massas estão do nosso lado. São os caras pintadas novamente.

DV: silêncio, ouçam. As massas estão entoando palavras de ordem. Vamos ouvir.

Nesse momento, leitores, a tragédia se abateu sobre o Oráculo. Nossos valentes revolucionários sentiram o golpe mortal. A multidão que se aproximava finalmente se fez ouvir:

MULTIDÃO: Timão, eh oh, timão eh oh, timão eh oh. Fora, pipoqueiros, queremos jogador.

Nossos heróis começavam a sentir os ares da derrota.

CCy: não há esperança. Não eram os caras pintadas, as camisetas pretas eram na verdade camisetas do Curíntia.

HA: e agora? O que faremos. A mídia imperialista e defensora do capital internacional nos apresentou como torcedores baderneiros e acabamos recebendo o apoio daquela truculenta torcida de futebol.

AC: vejam lá do outro lado da rua, o Ditador está soltando gargalhadas e dando socos no ar.

MULTIDÃO: timão, eh oh, timão eh oh. Queremos jogadô, queremos jogadô….

DV: ah não. a Tropa de Choque está vindo.

O fim está próximo. O Choque estava trajando seus uniformes de assalto, sem identificação de nomes. Ao megafone, o Coronel Nascimento, amigo pessoal do Ditador, disse:

CORONEL: a gente estamos bem aqui disposto a negociá. Saiam tudo cas mão pru alto e nada de bom… quer dizer, de ruim vai acontecer conceis. Não nos forcem a invadi, temos cãos brabos e bombas de gás.

MULTIDÃO: uh, vai morrê! Uh, vai morrê!

JPR: e agora, o que faremos? Vamos nos render.

DV: claro que não, retrodecer nunca, render-se jamais.

GV: vamos ser mortos, lembram o que o governador do Rio fez com os bombeiros?

DV: vamos eleger uma comissão pra negociar.

JPR: isso mesmo. Quem será nosso negociador? Você, DV, confiamos em você. Vá até lá e os derrote nas negociações; afinal de contas foi você que começou com esse negócio de sindicato. Todos concordam, camaradas?

Nosso bravo revolucionário aceitou o desafio de sentar-se à mesa de negociação. Juntamente com o Sr. Corrales, o Coronel e um representante da truculenta Torcida Organizada. E as negociações foram pesadas. Propostas sedutoras e ameaças não deixaram outra alternativa a nosso negociador: assinar um acordo.

DITADOR: vamos acabar logo com essa palhaçada. Tenho uma proposta. Sabe aquele meu exclusivo exemplar da Playboy ucraniana com as melhores ruivas de todo o leste europeu? Pois bem, deixo você vê-la todos os dias pelos próximos quinze anos.

CORONEL: Vamu invadi logo. Lembra do Carandiru? Isso aí vai fica pió qui o Pavião 9.

DV: mas e a nossa pauta de reivindicações? Como fica? Meus companheiros vão me chamar de pelego.

DITADOR: tenho a resposta certa pra acabarmos logo com isso. Minha proposta é de aumento de 4% nos salários de vocês a partir de janeiro de 2013. Diga a seus companheiros que os professores das Universidades Federais brasileiras aceitaram um acordo assim mês passado, portanto também devem aceitar. É um aumento muito justo.

MULTIDÃO: uh, vai morrê! Uh, vai morrê!

Nesse momento, colegas, nosso negociador, sentindo as pressões dos poderosos, nada pôde fazer. Assinou o acordo, obrigando imediatamente seus companheiros a desocuparem o Oráculo e voltarem a suas atividades normais.

HA: traidor!

CCy: pelego!

GV: como pôde fazer isso conosco?

RP: fomos humilhados em cadeia nacional.

Querem saber o fim dessa história leitores? Pois bem, fast-forward para o Oráculo, cinco meses depois dos eventos de nossa jornada épica.

DITADOR: há uma crise econômica mundial. Vou precisar cortar seus salários em 30%.

DV: sim, Ditador.

CCy: se for necessário, faremos horas extras. Não precisa nos pagar, entendemos o momento econômico desfavorável.

HA: camaradas, olhem isso. Peguei este panfleto na padaria. Trouxe um para cada um. Não deixem o Ditador ver.

Querem saber o que havia no panfleto, leitores? Pois bem, lá estava escrito assim:

Fórum Social Mundial de Porto Alegre – outro mundo é possível.

Alaúde mode on: e eram trabalhadores / sofriam humilhações / um Ditador sem coração / traíram sua revolução / Alaúde mode off.