Pathologic 2 é um jogo russo, reimaginação do original de 2005: uma mistura de terror, suspense e RPG.
Neste ano de 2020, duas coisas chamam absoluta atenção sobre ele: 1) a sinopse, que é assustadoramente pertinente ao mundo atual; e 2) o quanto, apesar de remake, ele é um jogo obtuso, cheio de mecânicas desnecessárias e um modo tedioso de contar histórias que vão testar a sua paciência. Bem, pelo menos testam a minha!
Este é um jogo que pede para ser jogado com o menos de informação possível. Então, vou falar sem spoilers sobre Pathologic 2. Vamos lá?
Pathologic 2: os temas são para te deixar desconfortável
Boa parte da história de Pathologic 2 lida com uma praga, que dizima a maioria das pessoas da cidade natal do protagonista, o cirurgião Artemy Burakh. Nos primeiros minutos do jogo, você literalmente vê pessoas contaminadas serem queimadas vivas para conter o avanço da doença. Sim, a nossa realidade é muito melhor do que isso, mas essas cenas mexeram com os meus neurônios nesta quarentena.
Note que no parágrafo anterior dei ênfase a “boa parte da história”. Devo te dizer: Pathologic 2 tem uma das histórias mais difíceis de entender e acompanhar que já conheci. Isto é proposital: os desenvolvedores informam, em uma das telas de loading no começo do jogo, que você vai ficar “boiando”, mas é normal e vai passar com o tempo (?!).
Pathologic 2 tem diversos outros temas. O protagonista é descendente de uma tribo cheia de costumes e crenças estranhas. Seu personagem é acusado de assassinato do pai, sem nem ter estado na cidade quando isso aconteceu. Artemy também sofre de alucinações e clarividência ou viagem no tempo (não fica claro qual). A loucura impera na sua cidade natal, onde meliantes tentam te assassinar quando te veem.
Pathologic 2: ah, e você tem limite de tempo para fazer essas coisas!
O jogo se passa ao longo de 12 dias e a passagem do tempo influencia nas sidequests. Da virada de cada dia, todas as sidequests do dia anterior desaparecem! Seu personagem precisa dormir para se recuperar, então, é necessário planejar cada ação a ser feita – mesmo que você não tenha ideia do que fazer.
A cada nova descoberta, vem um novo enigma, tema ou personagem para deixar claro que você não detém o real conhecimento sobre Pathologic 2. Que diabos está acontecendo aqui, afinal? Este é um jogo que pretende te deixar desconfortável, desinformado, despreparado para tudo que vem depois.
Se fosse eu lendo tudo isso, ao invés de escrevendo, pode ter certeza que estaria super interessado pelo jogo. Afinal, adoro jogos com propostas similares em relação a gerenciamento de tempo e que colocam desafios ao jogador, como Dead Rising e The Legend of Zelda: Majora’s Mask. Mas como você vai saber a seguir, não é bem assim com Pathologic 2.
Pathologic 2: os fins justificam os meios e os meios vão te punir!
Aqui no DELFOS, normalmente tenho mais paciência (e até admiração) com jogos autorais e muito difíceis que são “cheios de si”. Pathologic 2 me fez repensar muitos desses valores.
Pathologic 2 tem uma série de mecânicas para fazer você sentir que seu personagem é fraco e indefeso. Sem exagero, esta é a lista de coisas que você precisa administrar:
- Vida. Se esvaziar, você já era.
- Stamina. Funciona do jeito que você conhece, mas se você estiver com sede, ela diminui!
- Exaustão. É o cansaço, igual ao que você sente na vida real. Sabia que ele pode diminuir se você dormir horas suficientes?
- Fome. Se esvaziar, você já era. Se você comer algo muito salgado, vai aumentar a sua sede.
- Sede. Ela diminui a sua stamina – menos correr e bater, mais ficar lento e apanhar dos NPCs!
- Reputação (diferente para cada área do mapa). Se “você é odiado aqui”, as mulheres irão gritar se você falar com elas, os homens vão te perseguir e te socar até a morte!
- Armas que quebram. Sim, elas quebram, mas o pior é que você dificilmente vai encontrar uma substituta.
- Itens que quebram. O seu bisturi e seu lock-pick vão quebrar, não importa o que você faça.
- Dinheiro e itens para troca. Dificilmente você vai ter dinheiro para comprar um revólver. Então, é melhor trocar os itens que tem para conseguir adquirir o que precisa!
- Lanterna. Se os seus fósforos acabarem, você não vai conseguir enxergar quase NADA à noite.
- Tempo: a cada segundo que passa, você está mais próximo de estragar alguma coisa.
- Main-quests e sidequests. É melhor terminá-las antes do dia acabar!
- Save points. O jogo não tem salvamento automático e alguns pontos de save ficam inacessíveis em alguns dias da história.
Pathologic 2: mas não é só a lista de preocupações um problema!
O que torna Pathologic 2 tão diferente da maioria dos jogos que têm sistemas semelhantes é que ele não só não quer ver o jogador bem-sucedido, como também vai se esforçar para te punir por qualquer decisão desinformada que tomar. Com isso, quero dizer que ele não explica direito as suas mecânicas ou história, mas espera que você tome decisões, que com toda certeza vão te prejudicar.
Os personagens, inclusive, falam que se você se “meter onde não é chamado”, vai piorar as coisas. E nada do que fizer vai realmente ser relevante para tornar este mundo melhor. Ou seja, era melhor se você nem jogasse! Esse é o princípio do jogo, de que você não está sob controle das coisas. Os personagens ora estão contra você, ora não ligam muito para o que você faz.
Pathologic 2: quando a verba não ajuda
A cereja do bolo na experiência sadomasoquista que é Pathologic 2 chama-se orçamento.
Há muito diálogo aqui, muitas opções de respostas para escolher. Eles pedem por boas dublagens e animações, mas infelizmente as possibilidades têm limites para uma proposta tão específica quanto essa.
Nas conversas, você sempre tem respostas diferentes para escolher, que trazem consequências diretas (os personagens podem decidir esmurrar seu pobre cirurgião, por exemplo). Algumas vezes, ao escolher uma, o NPC responde como se o jogador tivesse escolhido outra!
Se você não fala inglês, este jogo não tem localização em português, então, prepare-se para boiar ainda mais. Para completar, os loadings são demorados e até o tempo de salvamento demora vários segundos.
Pathologic 2: você irá falhar, não importa o que faça
Narrativamente, a proposta de Pathologic é empolgante. Um jogo em que seu personagem irá falhar e vivenciar uma grande e profunda história sobre isso? Porém, na prática, para mim, o que ele consegue é fazer com que não seja legal jogá-lo.
O mundo de Pathologic 2 é intrigante. Coisas inexplicáveis acontecem e você é sempre surpreendido pela maneira que os NPCs te abordam. Se fosse uma experiência interativa-narrativa, semelhante a Life is Strange, ou Firewatch, ou What Remains of Edith Finch, por exemplo, onde o “esforço” do jogador é mínimo, eu não teria problemas em recomendá-lo.
A ausência de gameplay nesses jogos não torna as obras menos incríveis. Na verdade, elas deixam as experiências mais focadas.
Pathologic 2 é, sim, um jogo “artístico” e autoral – e único, diferente de tudo que você já viu. O problema é que ele, de forma deliberada, quer ser muito, mas muito difícil de ser jogado.
É um paradoxo, de uma grande obra que não quer se tornar acessível, pois a própria experiência pressupõe o fracasso do jogador. Claro, existe um público que gosta disso e deve ser respeitado.
Pathologic 2 é uma releitura leal ao original e relevante nos tempos atuais, mas não é para qualquer um. Se ficou interessado(a), confira no PC, Xbox One ou PS4. Ele também está disponível no Game Pass.