Este é um debate comum entre fãs de games. Em geral, quem gosta dos jogos da From Software (Dark Souls, Bloodborne, Demon’s Souls, Sekiro, etc) do jeito que são, defende que eles não deveriam ter um modo fácil. Quem não consegue jogá-los, ou não tem saco para tanta repetição, gostaria desta opção.
Talvez eu esteja num meio termo aí. Eu consegui terminar quase todos os jogos supracitados (embora com muita dificuldade) e gosto deles. Porém, a dificuldade exagerada é, para mim, mais um impeditivo do que algo que contribui para a experiência.
Apesar de ser uma discussão comum no meio gamer, nós vamos abordar o assunto de forma diferente. Hoje, eu vou defender a existência de um seletor de dificuldades e, amanhã, o Daniel vai defender o contrário. Concorde com quem quiser e faça comentários com seus próprios argumentos. Afinal, o DELFOS é um site que quer que você pense por conta própria.
VAMOS AO DEBATE
Estes jogos têm predicados absurdos. Mundos muito bem construídos, design de personagens excelentes e impressionantes, uma atmosfera marcante e, talvez o principal, mecânicas de combate divertidas e únicas (pelo menos até começarem as cópias).
Eu costumo comparar estes jogos a um relacionamento abusivo. Eu os adoro, mas odeio como eles fazem eu me sentir. Jogá-los é uma mistura de empolgação e frustração, a alegria de explorar uma nova região sendo pouco depois destruída pela necessidade de ficar repetindo cada checkpoint e chefe dezenas de vezes.
EM DEFESA DA SELEÇÃO DE DIFICULDADES
Quando se fala em incluir seleção de dificuldades nestes jogos, logo surge aquele discurso machão tóxico. Aquela trueza de “git gud“. Aquela ideia de que, se você não consegue jogar, você não merece jogar. Eu odeio isso, e discordo efusivamente. Acho que os games, como toda outra forma de cultura, devem ser tão acessíveis quanto possível.
Por isso, quem defende que os jogos devem continuar difíceis como o inferno costuma defender uma ideia de inacessibilidade. De que são obras para uns poucos escolhidos. Convenhamos, esta atitude é um tanto imatura.
O argumento que eu consigo respeitar, ainda que discordando, é de que a dificuldade é uma opção artística. A repetição e a frustração fazem partes da experiência como a From Software quer que ela seja. E obviamente, a desenvolvedora tem direito de fazer os jogos que desejar, e conseguiu encontrar sucesso mesmo fazendo coisas tão inacessíveis.
O ponto que eu vou desenvolver aqui, no entanto, é que incluir uma opção de dificuldade não é uma decisão criativa, mas de acessibilidade.
ACESSIBILIDADE
Eu posso escrever um livro denso e obtuso. Isso é uma opção artística minha. Daí eu posso resolver imprimí-lo em fonte tamanho seis. Poucas pessoas vão conseguir ler. Algumas vão precisar de lupas. Eu – e meus fãs – respondo que, se você não consegue ler como o livro foi impresso, a experiência não é para você.
É isso que eu penso da obrigação de todo mundo ter que jogar os Soulsborne na dificuldade padrão “mais difícil do que a vida real”. Parece-me não algo artístico, mas uma teimosia preciosista que visa afastar pessoas da obra.
Pela minha experiência com amigos da vida real, eu jogo videogame melhor do que a maioria. Em jogos competitivos, eu normalmente ganho. Eu também tenho mais tempo para jogar do que outras pessoas da minha idade, uma vez que trabalho com isso. E ainda assim, a habilidade, o tempo e a tolerância para frustração que estes jogos exigem são demais para mim.
Algumas pessoas sentem realização ao vencer um chefe difícil. Eu sinto alívio. Finalmente posso ver o que mais o jogo tem de criativo para me apresentar. Se você não entende um parágrafo de um livro, pode pulá-lo e continuar lendo. Sim, pode ser que perca algo fazendo isso, mas ainda vai pegar a mensagem da obra. Imagine se você tivesse que ler novamente todo um capítulo caso não entendesse o último parágrafo. Nos games, um chefe difícil demais pode interromper totalmente sua experiência com a obra e exige uma repetição que não existe ao consumir nenhuma outra forma de arte.
ACESSIBILIDADE NA FROM SOFTWARE
Os games atualmente estão dando grandes passos rumo à acessibilidade. A Microsoft lançou um controle para jogadores com deficiência. Mesmo no aspecto de software, há grandes avanços nisso.
É comum, por exemplo, os jogos apresentarem opções de design para daltônicos. Os designers não argumentam “são essas cores que eu quero usar e, se você não consegue enxergá-las apropriadamente, dane-se, o jogo não é para você” ou, sendo menos babaca “esta é uma opção artística minha e eu não vou fazer uma versão para acomodar você”. Não, eles fazem o design da forma que desejam e daí fazem uma opção para incluir pessoas com este problema de vista.
Outra coisa que os jogos costumam fazer é dar a opção de martelar um botão ou segurá-lo, pois não são todas as pessoas que conseguem movimentar os dedos tão rápido. Isso é positivo. Acho que só um babaca argumentaria que os jogos não deveriam ter estas opções e, felizmente, nunca vi alguém dizer isso.
Então por que pessoas legais e inteligentes dizem que os jogos da From devem se manter inacessíveis a tantos que poderiam admirá-los? Ninguém argumenta que os jogos deveriam ficar mais fáceis para todo mundo. Apenas acrescentar opções para incluir todo tipo de jogador. E isso é uma opção de acessibilidade que os videogames apresentam há décadas, antes mesmo do que o design específico para daltônicos.
A FAVOR DA ESCOLHA
E não pense que a From é contra colocar dificuldades diferentes, já que todos os Soulsborne, e o Sekiro, têm dificuldades mais difíceis que a padrão para quem jogar uma segunda, terceira ou quarta vez. Por que não incluir uma mais fácil então?
Por fim, a turminha do “git gud” costuma dizer que todos os jogos atuais são fáceis. Isso é totalmente falso. Nunca os jogos de videogame foram tão difíceis quanto em 2019, e nunca seleção de dificuldades foi algo tão raro. Cuphead, Hollow Knight, Eternity, Immortal: Unchained e tantos outros. A dificuldade padrão de um jogo hoje em dia é hard as hell. E muito disso se deve à influência absurda dos jogos da From Software.
Além disso, justamente quem jogava videogame na época dos 8 e 16-bit e ainda joga hoje, é quem mais precisa desse tipo de possibilidade. Afinal, hoje somos adultos com trabalhos e família. Não temos mais tempo nem disposição para ficar repetindo a mesma coisa em uma vã tentativa de parecer melhor do que os outros ou fazer parte de um clubinho exclusivo.
Os jogos ainda teriam a opção “mais difícil do que fazer um casamento dar certo”, mas quem só quer se divertir e admirar a imensa criatividade da From sem ser obrigado a colocar sua vida em pausa para isso, também vai poder brincar. E ver como estes jogos são fantásticos, quando você tira a barreira da trueza machona da frente.
Não deixe de ler o outro lado desta discussão:
DELFOS debate: por que os jogos da From Software NÃO deveriam ter modo easy?