Okami é um dos jogos mais clássicos, famosos e queridos que vieram depois da era dos 16-bit. Não à toa, já foi relançado várias vezes, mesmo sem ser assim tão velho.
Eu tentei jogar Okami duas vezes no passado. Próximo ao lançamento, joguei no PS2. Não fui muito longe. Enchi o saco e fui jogar joguinhos de Mega Drive nos emuladores. Depois, tentei na versão do Wii. Não fui muito longe. Enchi o saco e fui jogar Super Mario Galaxy.
Nessas distantes épocas, eu tinha um gosto mais limitado para games do que tenho hoje. Basicamente, não tinha a menor paciência para qualquer coisa que fosse mais complexa ou mais lenta do que Sonic ou Streets of Rage. Se um helicóptero não explodisse no primeiro minuto de jogo, eu provavelmente não iria muito longe nele.
Apesar de ter abandonado Okami duas vezes no passado, eu sempre fiquei com aquela pulga atrás do orelha. O jogo é simplesmente clássico demais. Querido demais. Eu precisava ter a experiência de jogá-lo até o fim.
Felizmente, desde aquela época meu gosto mudou. Hoje eu coloco The Witcher 3 entre os melhores jogos do ano. Hoje eu jogo o Resident Evil original, que eu sempre achei chato pra burro, e acho maior legal. Com isso em mente, estava esperando este relançamento de Okami para jogá-lo novamente. Desta vez ia me obrigar a terminá-lo, e eu sinceramente acreditava que agora eu gostaria dele. Afinal, não é possível que todo mundo goste tanto e eu não.
REVISITANDO UM CLÁSSICO
Não demorou praticamente nada para eu perceber porque não tive paciência para Okami no passado. Antes de você poder começar a jogar, de ter qualquer controle sobre o seu personagem, há uma introdução em texto que dura 20 minutos. Veja bem, não é uma cutscene propriamente dita. É basicamente um livro ilustrado. E o texto não aparece de uma vez, mas vai aparecendo letrinha por letrinha, de forma muito mais lenta do que você consegue ler. Então mesmo que você tenha leitura dinâmica, vai durar 20 minutos.
Nos momentos de história menos importantes, você pode segurar o botão para as letrinhas aparecerem mais rápido, mas em partes mais importantes, como na abertura, não dá para acelerar. Não há vozes e quase não há animação. Você pode pensar que é assim porque o jogo é velho, mas era assim que se contavam histórias em games na época do Super Nes, não do PS2.
Façamos uma comparação com jogos da época. Okami é de 2006. God of War é de 2005. E enquanto Okami contava sua história através de textos e desenhos, God of War fazia assim:
A própria Capcom já contava histórias com uma narrativa mais caprichada em Devil May Cry, de 2001. Hoje em dia quando jogos usam textos e figuras para contar suas histórias é por causa de falta de orçamento. Não à toa, é comum em jogos indie. Não acho que foi o caso de Okami em 2006. Ele não parece um jogo de baixo orçamento, muito pelo contrário, ele representa bem o zeitgeist gamer da época do PS2.
Provavelmente foi uma opção estética/narrativa, mas é uma opção bem estranha para um jogo com tamanho foco na história. E mais, para um jogo com uma história e um mundo tão legais e tão bem desenvolvidos.
Na resenha que fizemos de Metal Gear Solid 4, eu comentei que ele tinha tantas cutscenes e elas eram tão longas que eu não colocava o jogo quando estava a fim de jogar, mas sim quando queria assistir algo. Pois Okami é um caso parecido. Sem exagero, você passa 80% do seu tempo com ele lendo. Um trecho típico do jogo envolve uma cutscene (em texto e figuras), um pouquinho de locomoção, outra cutscene, anda mais um pouquinho, conversa com um NPC, que desimbesta em uma cutscene.
Assim, ficou claro bem rápido porque eu não tive paciência para ele no PS2 e no Wii. A história é legal e eu adoro a mitologia japonesa, mas convenhamos que contar uma história num videogame através de texto não é exatamente aproveitar as forças da mídia.
MAS AGORA VAI
O jogo se passa em meio à belíssima mitologia japonesa, assim como o mais recente Nioh. Tem várias criaturas, inclusive, que dão as caras nos dois jogos. No entanto, se Nioh tem uma pegada mais sombria e violenta, Okami é mais mágico e mais poético, além de ter bastante daquele humor tipicamente japonês. Por mais que eu tenha ficado de saco cheio de ter que ler tanto no jogo, eu me afeiçoei aos personagens e não era raro um deles me fazer rir alto.
Na história, você é Amaterasu, deusa do sol e mãe de todos. Um demônio chamado Orochi foi despertado de um sono que durava 100 anos, e você ressuscita para colocar as coisas nos conformes.
Isso, que parece a sinopse de tantos outros jogos, no entanto, é apenas o início da história. Com 18 horas de jogo, eu venci o Orochi, e o texto na tela falou “mas a sua história está longe de acabar”. Antes de ele terminar de vez, rolaram lutas com “chefes finais” mais duas vezes. Em outras palavras, a história termina três vezes antes de terminar definitivamente, o que dá uma cara de Retorno do Rei à jornada.
Uma coisa que me incomodou é quão lento ele é. Por exemplo, eu demorei seis horas para sair da vila onde o jogo se inicia e de fato começar a explorar o mundo. Apenas depois de oito horas de jogo eu entrei no primeiro dungeon.
Os dungeons são a melhor parte de Okami. É quando a história e a profusão de texto dão uma pausa para você de fato jogar, explorando um cenário, lutando e resolvendo puzzles. Há momentos em que você para para conversar com NPCs mesmo dentro dos dungeons, mas o timing fica bem melhor. É ali que Okami lembra que é um jogo, e não um livro.
E eles são realmente bons, do mesmo nível dos que você encontra nos melhores do gênero, como Darksiders que, aliás, traz claras e frequentes influências de Okami. Tem um em especial que você fica pequenininho e tem que atravessar um jardim que é muito legal.
APRESENTAÇÃO
Okami é comumente lembrado como um dos jogos mais bonitos de todos os tempos. E eu me lembro quão embasbacante ele era no PS2.
O jogo empresta a estética Ukiyo-e, que realmente é lindíssima. O visual é desenhado, com contornos grossos e funciona muito bem. No entanto, se jogos pixelados envelhecem bem, o mesmo não pode ser dito de jogos poligonais. Visto com os olhos de hoje, Okami ainda é artisticamente bonito, mas tecnicamente ele mostra a idade. A ausência de detalhes e expressões faciais o deixam realmente com cara de um jogo de PS2. Um jogo bonito, é verdade, mas um jogo com cara de 2006. Além disso, a draw distance é especialmente curta. É comum árvores, baús e outras coisas aparecerem só quando estiverem ao seu alcance, o que parece algo que poderia ter sido melhorado neste relançamento facilmente.
Seria muito legal ver um remake real de Okami, como o feito recentemente com Crash Bandicoot. Ele seria lindíssimo e, se fizessem o esforço de colocar vozes e cutscenes reais, provavelmente causaria um enorme impacto e repercussão no mundo dos games.
PORRADARIA
Há combate em Okami. Você pode equipar duas armas e cada uma delas tem um botão de ataque dedicado. Não é nada especialmente elaborado, este não é o foco do jogo, mas está lá e funciona bem.
Você também pode parar a ação para desenhar na tela, o que usa seus poderes de deusa. Ao longo do jogo, você aprende a controlar elementos, causar explosões e conjurar bombas. Há poderes bem variados, que podem ser usados tanto em combate quanto na exploração. O vídeo abaixo mostra um pouquinho do combate do jogo, no Xbox One.
Reparou que o combate começou quando eu me aproximei de algo que parece uma bandeira? Isso significa que é bem fácil evitar combate quando você não quiser lutar. É só passar longe das bandeiras. Há algumas lutas inevitáveis, mas a imensa maioria delas está dentro dos dungeons.
Não que o combate seja chato, ou mesmo difícil. Okami é um jogo tão fácil que nem parece ser da mesma Capcom que lançou Devil May Cry, Mega Man e Resident Evil (claro, Okami foi desenvolvido pela Clover Studio, mas ainda assim…).
Isso não é um problema, especialmente em uma obra claramente mais concentrada em contar uma história do que em desafiar o jogador, mas é digno de nota o fato de que eu terminei o jogo sem morrer nenhuma vez. Eu sinceramente acho que isso nunca tinha acontecido antes, especialmente sem eu sequer tentar.
Isso é bom, já que você costuma ficar com frequência 40 minutos sem salvar e ter que passar 40 minutos adiantando texto depois de uma morte seria bem frustrante. Ainda assim, seria legal se nesta nova versão houvesse autosaves sempre que você mudasse de área. Assim, o jogador poderia ficar imerso na aventura, sem ter que se preocupar com a última vez que salvou.
No entanto, nada foi de fato acrescentado nesta versão 2017 de Okami. Talvez o mais curioso para um jogo com tanta história é que não há tradução em português (imagino que deve haver aqui mais de mil páginas de texto, então de fato daria um trabalhão traduzir tudo), mas também não há nenhuma novidade ou acréscimo.
A única coisa digna de nota são os minigames da tela de loading. Até hoje, eles só apareceram na versão de PS2, mas daí a Namco Bandai registrou a ideia, e ninguém pôde usar até este ano.
Na prática, no entanto, estes jogos do loading exigem que você aperte options para voltar à aventura propriamente dita, então eu os deixei desativados durante quase toda minha história.
OUTROS ASPECTOS CURIOSOS
Uma coisa digna de nota é quão pervertido é o seu sidekick Issun. Ele a toda hora faz comentários inapropriados para o elenco feminino e tem até uma personagem à qual ele se refere apenas como “busty babe“.
Ah, e os peitos da moça em questão são totalmente animados, com um cuidado que não foi dado nem para o rosto da Amaterasu. É curioso ver esse tipo de coisa mantido no relançamento atual, considerando que vivemos em um mundo no qual o balanço dos peitos da Chun-Li em Street Fighter V pegou tão mal que a própria Capcom teve que lançar um patch para mudar isso e inventar uma história de que era um glitch.
Curiosamente, o jogo com frequência faz uma pergunta para criar a ilusão de escolha.
E não é uma ilusão tipo Telltale, do tipo “não faz diferença no final”. Tipo no caso acima, se você escolhe “não”, a moça fala “por favor, reconsidere”, e a pergunta volta a aparecer. Você só pode progredir quando escolher “sim”. Para que colocar a pergunta então?
Há também uma grande quantidade de minigames, como os de pescaria ou de cavar, que até aparecem na história em alguns momentos, mas são basicamente relegados a sidemissions e a formas de ganhar dinheiro e itens.
Outra coisa que me chamou a atenção é a inexistência de uma versão para Switch. Como boa parte do jogo envolve desenhar na tela, ele combinaria bastante com os controles com sensor de movimento e com a touch screen. Além disso, ele tem a maior cara de jogo da Nintendo, o que torna uma versão para Switch uma decisão fácil, e provavelmente seria o console preferido para comprar o jogo entre as pessoas que têm mais de um.
OKAMI HD
Demorou, mas eu finalmente consegui pegar Okami e jogá-lo até o fim. Foi uma imensa jornada, que durou mais de 50 horas e foi uma grande aventura, na qual eu explorei o Japão inteiro, conheci um monte de personagens legais e aprendi bastante sobre a mitologia nipônica. Foi uma jornada especialmente divertida? Não, não foi.
Okami tem seu valor. É um jogo belíssimo, com uma das melhores trilhas que já ouvi e uma história muito legal, embora contada de forma errada. A essa altura você provavelmente já sabe se gosta ou não do jogo, mas se ainda não teve uma experiência própria com ele, escrevi este texto pensando em apresentar coisas que normalmente não são comentadas e ajudar você a tomar uma decisão mais embasada, sabendo o que vai encontrar.
Embora eu não tenha me divertido como esperava, não foi um daqueles casos que eu quero meu tempo de volta. Eu tenho bastante interesse na história dos videogames e Okami é um capítulo importantíssimo nessa história, que influencia os jogos até hoje.
FICHA TÉCNICA
Disponível: Xbox One, PS4 e PC
Versão analisada: Xbox One Desenvolvedora: Clover Studio Editora: Capcom Gênero: Metroidvania/Exploração/Fantasia Lançamento: 12 de dezembro de 2017 |