Monsters of Rock e a polêmica do Black Veil Brides

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No último fim de semana aconteceu uma das maiores vergonhas que o público do Metal brasileiro já protagonizou. Refiro-me, é claro, à ojeriza que o Black Veil Brides sofreu no Monsters of Rock, sendo tão vaiado que acabou deixando o palco.

Esse acontecimento apenas se junta a outros tantos que já aconteceram nos mais diferentes festivais. Pensando rapidamente, eu lembro das vaias que o Glória recebeu em pleno Rock in Rio, na edição de 2011, e também das vaias ao Ghost, na edição seguinte do festival, em 2013. E, como o Frodrigues me disse em uma conversa recente, o problema não é a vaia em si, mas o que ela demonstra.

A VAIA É SÓ O SINTOMA

Primeiro de tudo, é importante dizer que a vaia não é um instrumento para medir a qualidade do show, como pode parecer, e para isso basta lembrar do supracitado Rock in Rio 2011. O Glória fez um show bastante honesto, mas sofreu com as vaias durante todo o início do show, enquanto o Angra, que fez um show deplorável e com todos os problemas que se pode imaginar, foi apoiado do início ao fim.

Mas vamos colocar isso em perspectiva: eu estava no Rock in Rio quando o Glória foi vaiado, e destaquei que elas aconteceram apenas no início do show porque me lembro exatamente de quando elas pararam: foi quando a banda fez um medley com Domination e Walk, do Pantera.

No mesmo Rock in Rio, também houve o show do Coheed and Cambria, que, se não foi vaiado como o Glória, sofreu de uma grande indiferença por parte do público. Ninguém se empolgou com a performance da banda e o silêncio imperou por quase todo o show. Até que eles tocaram The Trooper, do Iron Maiden.

E ainda tenho um último exemplo, dessa vez do Rock in Rio de 2013. Alguém lembra do Kiara Rocks? Eles fizeram um show no Palco Mundo com um setlist recheado de covers e contando ainda com a participação especial de Paul Di’Anno, ex-vocalista do Iron Maiden. Eu pergunto, eles foram vaiados? Se você entendeu a minha linha de raciocínio, sabe a resposta.

A CENTRALIZAÇÃO É PARTE DO SER HUMANO

Em uma entrevista recente, um dos fundadores do Pirate Bay, Peter Sunde, declarou que a internet deu totalmente errado: “Não sou pessimista, sou realista. Nós criamos a melhor infraestrutura descentralizada, e a primeira coisa que fizemos foi construir um sistema super centralizado sobre ela, o que é muito bizarro.”. Ele tem razão, a internet não é um mundo de mil possibilidades como deveria: buscador é Google, conteúdo humorístico é 9gag e jornalismo parcial-reflexivo de conteúdo nerd é DELFOS. E na música acontece o mesmo.

Olhe para as bandas que lotam casas de show, e você vai ver sempre os mesmos nomes.O Metallicavai tocar no Rock in Rio pela terceira vez em três edições, e o Monsters of Rock foi aplaudido por trazer os chavões que todo mundo queria (Kiss, Ozzy, Judas Priest, Manowar). Isso tudo, na verdade, não é um problema, mas uma característica humana.

O público do Metal pode ser bastante exigente com bandas que estão começando, mas qualquer coisa que se refira às bandas antigas já é motivo para festa. Basta ver o próprio Paul Di’Anno: ele toca as mesmas músicas do Iron Maiden há anos, mas sempre que faz turnê pelo Brasil, os shows vendem bem.

E eu não acho que deva ser diferente, muito pelo contrário: a necessidade de um referencial é inerente à condição humana, seja na política, na música, na internet ou na hora de comprar papel higiênico. O problema surge quando se esquece que um referencial é apenas um referencial, e não a única opção. Vou explicar.

TWISTED SISTER E MOTÖRHEAD

Existe uma história clássica do Twisted Sister, a respeito da turnê da banda com o Motörhead, em que o Twisted Sister era a banda de abertura. A banda estava começando, e eles estavam receosos com a reação do público absurdamente exigente do Motörhead. Eles tinham medo de serem vaiados e massacrados pelo público, e aí o que aconteceu? O Lemmy entrou no palco com eles no início do show e disse que aqueles eram seus amigos. E não aconteceu nada.

Hoje em dia, o Twisted Sister é tão ou mais respeitado que o Motörhead, e não há quem questione a qualidade da banda dentro do que se propõe. E isso é muito curioso, pois dá a impressão de que eles sempre foram horsconcours como são hoje. Ninguém olha para os gigantes do Metal e pensa que um dia essas bandas já foram pequenas.

Por exemplo, o Iron Maiden e a tão amada New Wave of British Heavy Metal nasceram quando o punk estava em alta. O próprio Paul Di’Anno – sim, de novo – era um vocalista com forte influência do punk, e Steve Harris sempre disse que isso era algo que o fazia divergir do vocalista. E a pergunta que eu quero fazer é: você acha que as bandas da NWOBHM nunca sofreram questionamentos?

Pense nas bandas mais recentes: Slipknot, Limp Bizkit, Korn foram questionados. Soundgarden, Nirvana, Alice in Chains, também. E os novos nomes do Metal, como Trivium, Avenged Sevenfold e Black Veil Brides também são questionados a todo momento. E isso é natural – tudo o que difere do que já está estabelecido é posto em xeque.

O problema é que muito se perde quando o público tende a essa excessiva centralização. Imagine se o Lemmy não tivesse apoiado o Twisted Sister? Provavelmente teria acontecido o mesmo que aconteceu com o Black Veil Brides no fim de semana passado – e vai saber se o Twisted Sister teria sido tão grande quanto é hoje.

A PROVA DE FOGO DAS BANDAS SÃO OS FESTIVAIS

Já vi algumas pessoas falando que a prova de fogo das bandas novas são os festivais, e eu concordo em parte com isso. Realmente, é em festivais que as bandas têm a chance de levar sua música a pessoas que normalmente não as ouviriam por livre e espontânea vontade, e isso pode ser a chance de fazê-las gostar. Mas, se o público não está predisposto a aceitar algo novo, não será enfiando goela abaixo que eles vão gostar – a não ser que você faça covers, como a história recente tem provado.

Talvez a recepção fosse melhor se o Black Veil Brides tivesse investido em covers e músicas mais próximas do que o público do Monsters of Rock esperava, mas isso poderia significar diluir a própria identidade da banda. E, se a escolha foi entre ser uma banda cover de luxo ou uma banda original que dá a cara a tapa, o Black Veil Brides merece admiração por ter escolhido o caminho mais difícil.

Não nego que a banda tem um visual bastante característico, e isso pode tanto gerar curiosidade quanto repulsa. Confesso também que, considerando apenas o visual, não seria uma banda que eu ouviria, mas o som que eles fazem é bastante competente e merece ser ouvido, e talvez por isso eu tenha lembrado tão rápido do Twisted Sister. A questão é que não estou dizendo que o público deve parar de ser chato e começar a ouvir tudo o que aparece por aí – mas apenas quero lembrar que, se você ficar preso aos chavões, pode acabar perdendo muita coisa boa que aparece.