O embrião deste texto surgiu quando estava lendo uma entrevista com o Joe Quesada e perguntaram para ele o que ele achava das pessoas que falavam que os jovens de hoje preferem tocar Guitar Hero a aprender instrumentos de verdade. Quando li aquilo, pensei: “mas que espécie de idiota diria uma coisa dessas?”, e continuei fazendo minhas coisas.
Depois, quando saiu o Rock Band, e eu estava pesquisando os potenciais locais para compra, li um monte de comentários de usuários que diziam coisas como “pelo preço desse jogo, você compra um instrumento de verdade”, “deixa de ser preguiçoso e aprende a tocar” e coisas assim, e foi daí que vi que realmente existiam pessoas que achavam isso e foi quando coloquei a possibilidade de escrever sobre o assunto na minha lista de coisas a fazer.
Finalmente, há algumas semanas, quando publicamos a resenha do Rock Band, qual não foi minha surpresa ao constatar que a discussão chegou aqui no DELFOS antes mesmo de eu escrever sobre isso? Ok, diante da vontade do povo, adiantei meu cronograma para falarmos sobre isso.
Depois dessa introdução, devo pedir desculpas ao povo que manifestou a opinião contrária na resenha, mas achar que esses jogos de música realmente afastam as pessoas dos instrumentos reais é uma idéia muito mal refletida, de alguém que visivelmente não sabe nada de videogame, nem de música. E, nas próximas linhas, vou explicar o porquê.
Uma das grandes graças do videogame é que ele consegue fazer o jogador se sentir como se estivesse fazendo coisas que nunca fará na vida real, seja por escolha ou por incapacidade mesmo. Quem joga videogame e se sente “apertando botõezinhos” não sabe aproveitar tudo que essa fantástica máquina nos oferece, pois qualquer jogador que se preze sabe que jogar não é apertar botõezinhos. Dependendo do game, você pode praticar esportes, escalar montanhas, salvar o mundo de um tirano malvado ou até mesmo (o meu preferido) ser esse tirano malvado, que destrói pretensos heróis intrometidos e com tendências comunistas (uma provocaçãozinha desnecessária, só para irritar os xiitas de esquerda e o Torquemada). E isso é que é legal!
A vida humana é cheia de frustrações e boa parte das coisas que queremos ser ou fazer, não nos é possível por pura falta de tempo, ou mesmo de vontade. O videogame possibilita que extravasemos algumas dessas frustrações. E, convenhamos, a maior parte de nós, por mais que tente, nunca vai tocar guitarra como o Ritchie Blackmore (nem para um público tão grande), nem vai “esqueitar” como o Tony Hawk e, felizmente, não vai para a guerra matar nazistas.
Achar que o Guitar Hero e afins vão tirar a vontade das pessoas de tocar instrumentos reais é uma opinião diametralmente oposta àquelas velhas chatas que acham que jogos como o GTA vão fazer seus netinhos que mal conseguem se defender dos bullies escolares saírem por aí roubando carros e atropelando prostitutas. E é ser tão burro quanto. Na verdade, até mais, pois as velhinhas que defendem esse tipo de coisa mal entendem o que é um videogame – e é da natureza humana temer o que não entendemos. Já quem teme pelo fim dos instrumentos, em especial se visitam o DELFOS, aparentam pura hipocrisia. Eles sabem muito bem o que é e para que serve um videogame, provavelmente jogam até mais do que muita gente, mas falam esse tipo de coisa para se fingir de tremendões, de defensores da música. Manja aquele cara que vive falando para todo mundo apoiar o Metal Nacional, mas se você perguntar o que ele ouve além de Angra, Shaman e Sepultura, ele se perde? É por aí.
Eu acredito, e já manifestei essa opinião outras vezes aqui, que o ser humano é uma criatura intrinsecamente violenta. Assim, está na nossa própria natureza acabar com a nossa própria raça e não tem nada que possamos fazer sobre isso. Contudo, vários de nós, embora tenham essa sede por sangue, assim como qualquer um, não querem sair por aí matando pessoas. Aí entram os jogos violentos, que junto com qualquer outra mídia e forma de arte que aborde a violência, ajudam a gente a manifestar esse sentimento nada bonito de forma positiva, sem machucar ninguém.
Aliás, existem outras formas socialmente aceitáveis de colocar essa violência para fora de forma positiva. Por exemplo, sempre achei que médicos eram as pessoas mais sádicas da sociedade, simplesmente porque a maior parte de nós não conseguiria conviver com tamanho sofrimento alheio – e muito menos negar ajuda a alguém que não possa pagar. Embora a maioria dos profissionais de saúde não tenha coragem de assumir isso (talvez nem para si mesmo), é esse sadismo que permite que eles continuem vivendo – e usando esse “lado negro” para o bem. Afinal, um cirurgião pode saciar sua sede de sangue nas operações, ajudando uma pessoa que, se não fosse pelos cortes que ele fez, estaria morta.
Através do videogame, podemos colocar nossa violência para fora enquanto brincamos de guerra, de fatalities e de outras atrocidades (aliás, acredito que este texto será um prato cheio para o Torquemada) sem machucar ninguém. A maior parte de nós não tem a menor vontade consciente de realmente fazer essas coisas na vida real, mas a possibilidade de fazermos no mundo virtual, nos permite ser pessoas mais calmas e mais felizes no dia a dia. Assim, de forma lógica, demonstrei que os jogos violentos não transformam um cidadão inocente em um assassino. Pelo contrário, apenas possibilita que o dito-cujo não reprima esses sentimentos e continue vivendo como o carinha de bem que sempre foi.
Por outro lado, nenhuma pessoa sensata tem alguma coisa contra praticar esportes ou arte. E enquanto está cada vez mais comum ver esses guardiões do Rock, eu nunca soube de algum caboclo que realmente achasse que Fifa Soccer ia fazer com que nossas crianças não jogassem mais futebol. Mas a lógica é a mesma, afinal, trata-se de uma atividade saudável, que o videogame simula. E se ninguém tem nada contra esportes ou arte, não tem porque não levar essas atividades do videogame para a vida real. Nesses casos, portanto, se jogos como o Guitar Hero, Tony Hawk, Fifa Soccer, ou qualquer outro vão afetar nossos pimpolhos, será de forma positiva, levando-os a praticar – ou ao menos tentar – fazer isso no mundo real.
Dizer que tem cada vez menos headbangers querendo tocar em uma banda é pura ilusão. Pegue qualquer revista de música na seção de classificados e você vai encontrar um monte de músicos que procuram banda e vice-versa. Tente um contrato com uma gravadora e você vai sentir quantas outras bandas querem aquela vaga. Finalmente, tente fazer um show e sinta na pele quantas bandas querem tocar ali. Músicos existem aos montes, e se o Guitar Hero vai fazer algo para mudar isso, sem dúvida vai ser para aumentar exponencialmente a concorrência.
Encare o Guitar Hero e afins como um demo. Um sujeito que nunca teve interesse em tocar alguma coisa, pode ver através do jogo como isso é legal e acabar procurando aprender um instrumento de verdade. Afinal, no jogo ele pode tocar umas 70 músicas, mas na vida real, esse número aumenta em progressão geométrica, sem falar que abre a possibilidade de ele mesmo se expressar através das notas musicais (ou seja, compor) e isso é muito mágico.
Para defender a minha opinião, apresento minha própria história. Na minha adolescência, eu queria tocar guitarra e acabei ganhando uma. Toquei por algum tempo, mas acabei desistindo diante da imensa dificuldade em conseguir fazer qualquer som agradável sair dela. Assim, ela ficou encafifada em algum lugar da minha casa durante muitos anos.
Finalmente, veio o Guitar Hero e me fez ver quão legal pode ser tocar Free Bird e outros grandes clássicos do Rock que muito me apetecem. Isso acendeu em mim aquela chama adolescente que queria fazer música e eu cheguei até a compor algumas coisas (uma em especial para um projeto ultra-secreto que você em breve conhecerá) no piano que tinha em casa – e que era praticamente peça de decoração.
Não satisfeito, quase uma década depois, eu resolvi tirar o pó da minha guitarra e voltar a tocá-la. Para minha surpresa, percebi que, graças ao jogo, estava com muito mais facilidade para fazer acordes e para mover minha mão e meus dedos através do braço, que eram minhas principais dificuldades de anos atrás. Ainda assim, a lógica da guitarra (posição das notas e tal) é algo meio ilógico para mim, e descobri que tenho muito mais facilidade em criar coisas legais no piano.
Mas tem mais. Um dos principais argumentos de venda do Rock Band é que se você consegue tocar a bateria do jogo no Hard ou no Expert, você consegue tocar uma bateria de verdade. Ou seja, enquanto o Guitar Hero serve de exercício para os dedos, o Rock Band ensina a tocar bateria! E tudo isso de forma muito mais divertida do que qualquer aula dada em instrumentos de verdade. Aliás, não duvido nada que o jogo também ensine o jogador a cantar. Afinal de contas, ao contrário de um videokê, ele mostra as notas que você tem que alcançar e avisa quando você canta fora do tom.
Para completar, eu, que humildemente admito ter um conhecimento considerável de vários estilos do Rock, conheci um montão de músicas legais nesses jogos. E isso também é legal pra caramba.
O Guitar Hero e seus asseclas não vão acabar com a música. Pelo contrário, vão deixá-la ainda mais forte e mais competitiva, pois vai mostrar para muita gente quão legal pode ser tocar um instrumento ou mesmo simplesmente ouvir Rock. Então vamos parar de sair falando besteira por aí, pois tenho certeza que ninguém que acessa o DELFOS acha que GTA vai fazer alguém sair por aí roubando o primeiro carro que aparecer na rua. Nem 8, nem 80, meu amigo. E isso vem de um cara que normalmente é deveras maniqueísta, hein? 😉
Curiosidade:
– Há alguns anos, os EUA financiaram a criação de um jogo gratuito chamado America’s Army, que visava incentivar os jovens a se alistar no exército. Sabendo que não seria a violência extrema que atrairia as pessoas, o game é focado em treinamento, trabalho de equipe e até mesmo em lealdade e fidelidade. Em outras palavras, nas coisas positivas que existem em um exército. A coisa deu tão certo que virou até uma franquia e teve jogos vendidos comercialmente para consoles mais recentes, como o Xbox 360.