Desde que comecei a gostar mesmo de música, sempre torcia para que alguma das bandas das quais gosto lançassem um CD de estúdio duplo. Finalmente isso aconteceu, com o último lançamento do Therion, Lemuria/Sirius B. Contudo, apesar de na Europa ele ter saído em uma versão especial limitada com os dois CDs em um só pacote e tudo como deveria ser, no Brasil a gravadora optou por arrancar alguns trocados a mais dos pobres amantes da música lançando os dois álbuns separadamente, com o exorbitante preço de 30 reais (na Galeria do Rock de São Paulo).
A desculpa dos vendedores para esse preço é que o CD é em Digipack. Sabe o que eu penso disso? DANE-SE! Em nenhum lugar do mundo CDs em Digipack são mais caros do que os normais. Eles normalmente são apenas uma edição especial para recompensar os fãs que comprem o CD na primeira prensagem. Ora, entre pagar 20 reais em um CD normal e 30 reais em um CD Digipack (que nem faixa bônus tem), sou muito mais gastar apenas 20. Até porque se as caixinhas em Digipack quebrarem ou amassarem, você simplesmente não tem como trocá-las. O problema é que essa opção não foi dada para os consumidores, talvez até porque a própria gravadora sabia que sairia perdendo em lançar duas versões com preços diferentes, sendo que a versão em Digipack não traz nenhuma faixa bônus, como é costumeiro na Europa.
Em todas as resenhas que li sobre os álbuns, apenas um texto foi publicado, abrangendo os dois trabalhos. Mas como são dois álbuns diferentes e cada um deles merece uma resenha própria, aqui você vai ler duas análises distintas. É claro que, como os dois foram gravados e compostos juntos e utilizando a mesma estrutura, muitas das qualidades e defeitos foram compartilhadas. Então vamos falar sobre isso antes de entrar nas músicas em si.
Em primeiro lugar, devo destacar a orquestra que toca nos álbuns. Nada mais, nada menos que a famosa Orquestra Filarmônica da Cidade de Praga. Curiosamente, apesar de contar com a maior e melhor orquestra que já teve em seus álbuns, tanto Lemuria quanto Sirius B são álbuns muito menos orquestrados do que os anteriores. Isso se deve ao direcionamento mais Metal que a banda optou seguir dessa vez, deixando um pouco de lado aquelas músicas normalmente tristes e complicadas para fazer um som mais alegre e empolgante. Aí vai de gosto, mas acho bem provável que o Therion perca alguns fãs que gostavam da banda justamente por ela ser uma banda de Metal completamente diferente de todas as outras (a diferença continua, mas muito menos acentuada).
Para coroar esse direcionamento mais Metal, a banda chamou Mats Levén (At Vance, ex-Malmsteen) para cantar alguns momentos onde uma voz mais agressiva era necessária. No passado, os álbuns da banda sempre contavam com um vocalista do estilo que mostrava seus dotes em uma música mais pesada, mas nestes álbuns, Mats canta em diversas faixas, aproximando a banda de vez do Metal tradicional.
Uma certa volta ao passado também se faz presente aqui, com a volta de Christofer Johnsson aos vocais guturais em duas faixas. Outro que está de volta é o baterista que fazia as vozes limpas na época do Theli (1996), Piotr Wawrzeniuk. Eu, particularmente, não gosto muito do timbre de sua voz, mas ele canta alguns dos melhores momentos dos álbuns, como o refrão de Lemuria, por exemplo.
Aliás, em timbres vocais, o Therion parece ter perdido um pouco nos novos lançamentos. Além de Piotr e de Mats (anteriormente a banda trabalhou com vocalistas do nível de Hansi Kursch e Ralf Scheepers), a soprano que mais faz solos, chamado Anna-Maria Krawe tem a voz um pouco aguda demais e não tão agradável quanto as vocalistas que cantaram anteriormente com a banda.
E já que estamos falando de defeitos, temos que reconhecer que a qualidade da gravação dos álbuns realmente não é das melhores. Muitas vezes o som (principalmente o vocal) fica completamente abafado, deixando difícil até mesmo entender as letras. O melhor exemplo disso é Typhon, uma espetacular composição cuja gravação tira boa parte de seu brilho.
Falando nas letras, justiça seja feita. O Therion manteve a altíssima qualidade que sempre teve neste quesito, continuando a falar de assuntos místicos e lendas através de pequenas obras de arte que, infelizmente, são ininteligíveis para grande parte das pessoas que escuta seu som.
Um último defeito que quero comentar é em relação ao encarte nesta versão nacional. Tanto Lemuria quanto Sirius B trazem encartes lindíssimos. É sério, são possivelmente os encartes mais bonitos que já vi na vida, coisa para se admirar página por página mesmo. Infelizmente, por algum motivo bizarro, a gravadora resolveu colá-lo na caixa. Sim, é isso mesmo que você leu, o encarte é colado dentro do Digipack. Isso não só impede que você possa manuseá-lo e admirá-lo à vontade, como obriga você a segurar a caixa junto enquanto acompanha as letras e olha as figuras. O negócio é realmente desconfortável de segurar e acompanhar e foi uma verdadeira bola fora da gravadora. Confesso que não sei se a versão européia também é assim, mas isso é irrelevante, pois é ruim de qualquer jeito.
Qualidades e defeitos gerais comentados, vamos falar agora exclusivamente do álbum Lemuria, que considero o mais legal entre os dois. A abertura com a ótima Typhon assusta um pouco para aqueles que esperavam um álbum na linha de Deggial e Vovin, pois é pesada, empolgante e alegre. Lembra bastante o som que a banda fazia no álbum Theli, quando começou a fazer experimentações com orquestras, até mesmo pela presença vocal de Christofer Johnsson no refrão, que é muito legal, mas mal pode ser ouvido direito, graças ao problema na gravação citado anteriormente.
A música seguinte, Uthark Runa tem um dos arranjos corais mais fortes do álbum. Contudo, o refrão cantado pelo vocalista Mats Levén deixa um pouco a dever, não pela sua performance, mas pela própria melodia que não é tão agradável, ainda mais se compararmos com a parte do coral. Ainda assim, Uthark Runa é um dos grandes destaques.
A seguir vem a maravilha chamada Three Ships Of Berik. Na minha opinião, a melhor música entre os dois álbuns, é talvez a música mais alegre já composta pelo Therion. Chega a lembrar até o estilo do Rhapsody, o que pode gerar alguns descontentamentos por parte dos fãs do lado mais gótico do Therion. Desnecessariamente, a música foi dividida em duas partes, sendo a parte 1 chamada de Calling To Arms And Fighting The Battle e a parte 2 (que é instrumental) chamada simplesmente de Victory. O desnecessariamente de algumas linhas atrás se deve à pequena duração de ambas as partes. A primeira dura mais ou menos 3 minutos e meio, enquanto que a segunda dura apenas 40 segundos. Ou seja, as duas partes somadas não são nem ao menos a música mais longa do álbum. A impressão que dá é que a banda optou por dividi-la em duas partes para criar a ilusão de que Lemuria não é um disco tão curto (tem apenas 42 minutos, conheço EPs maiores que isso). Apesar disso, Three Ships Of Berik é fantástica e ainda estou tentando me conformar com o fato de que ela não foi tocada ao vivo no Brasil (leia uma resenha detalhadíssima do show de São Paulo clicando aqui).
A faixa-título é a quinta faixa (que na verdade é a quarta música) e apenas agora chegamos à primeira balada do disco (o que é estranho, já que o Therion sempre investiu forte nas baladas). Essa é, possivelmente, a música dos dois álbuns mais próxima ao Therion que conhecemos e amamos e é outra das minhas preferidas. Seu refrão é simplesmente fantástico, daqueles que ficam marcados na cabeça na primeira ouvida.
Depois de um início tão forte, a segunda metade do álbum não mantém o mesmo pique e uma esfriada é inevitável. O que não significa que a outra metade é ruim, pois ainda traz outras músicas muito legais, como a pesada Abraxas, que conta com um grito especial de Mats Levén que é para lá de empolgante. Outro destaque é a última música Feuer Overture/Prometheus Entfesselt que, talvez por ser cantada em alemão, tem um quê de Rammstein que a deixa bem interessante.
Como já deu para perceber, Lemuria é um tremendo de um disco. Tem seus defeitos, é claro, mas as qualidades indubitavelmente os superam sem nenhuma dificuldade. Amanhã você confere aqui no DELFOS a resenha de Sirius B e uma conclusão final sobre os dois trabalhos. Não perca!