Nesses 20 anos de estrada, o Sepultura já fez muito pelo Heavy Metal nacional. Basta lembrarmos que eles foram os grandes responsáveis por o mercado lá fora para as bandas brasileiras, além de terem sido a primeira banda nacional de Rock pesado a excursionar no exterior e, aliás, foi uma excursão tão boa que eles ofuscaram até mesmo os headliners do Sodom na ocasião, o que gerou uma certa dor de cotovelo nos alemães.
Nem os graves problemas da saída de Max Cavalera, que quase culminaram com o fim da banda em 1997 (aguarde para breve aqui no DELFOS uma completíssima entrevista com o guitarrista Andreas Kisser, onde ele aborda esse e muitos outros assuntos de toda a carreira da banda), podem apagar esse passado glorioso e o Sepultura está mais vivo do que nunca com os potentes vocais de Derrick Green e o mais novo trabalho, Roorback, trazendo de volta um Thrash Metal feroz e criativo como há muito não se via.
Para comemorar essa volta por cima na carreira após todos estes problemas, os integrantes da banda criaram o mais novo festival de Heavy Metal nacional, o Sepulfest que, nas palavras do próprio guitarrista Andreas Kisser, será uma espécie de Ozzfest brasileiro, que irá crescer e ganhar cada vez mais espaço com o passar dos anos e, quem sabe, até mesmo rodar o Brasil no futuro.
Para esta primeira edição, o Sepultura trouxe uma seleção de bandas bem variada, passando desde o Punk/Hardcore clássico dos Ratos de Porão, amigos de longa data dos anfitriões, até o Manguebeat dos pernambucanos da Nação Zumbi.
O local escolhido para a realização do primeiro Sepulfest foi o Espaço das Américas, uma casa de shows nova, acessível (bem pertinho do metrô Barra Funda) e com vários estacionamentos grandes ao redor. Estacionamentos, aliás, que cobraram preços bem reduzidos, na faixa dos R$ 3,00 pelo período de 12 horas, muito diferente dos guardadores de carro das outras casas de show que chegam a cobrar absurdos R$ 10,00 para você deixar o carro na rua e ai de você se não pagar. Para quem não conhece o Espaço das Américas, aqui vai um resumo: é um imenso galpão, sem muita estrutura para receber grandes públicos (o lugar fica muito abafado), mas com um ótimo espaço tanto para as bandas quanto para o fãs.
O Sepulfest também trouxe vários stands localizados no interior do imenso galpão que vendiam de tudo um pouco, desde camisetas, CDs, e merchandising das bandas presentes até outros itens mais exóticos.
Vários telões, colocados em locais estratégicos, ajudavam o público, que compareceu em bom número, a não perder nada do que rolava em cima do palco. A estrutura do palco também estava bem legal, com vários jogos de luzes e uma altura bem calculada, que possibilitava a todos enxergarem tudo o que se passava lá em cima.
O número de seguranças no lugar também assustou. Além de dezenas das próprias bandas, mais de 100 seguranças da própria casa, do Villa Country e do Olympia também deram um reforço. Não sei se eles estavam esperando por vândalos, mas o número surpreendeu. Outra coisa é que o ingresso e os folders sobre o Sepulfest sinalizavam que o evento começaria às 15 hs, mas os portões só foram abertos às 16 hs e o primeiro show começou às 18 hs. O resultado foi muita gente do lado de fora, nas ruas ao redor da casa de shows, sem nada pra fazer e em um baita calor.
Polêmicas a parte, temos que dar um desconto afinal, essa foi a primeira edição do Sepulfest em uma casa de shows também considerada recente. O pessoal do Claustrofobia, banda paulistana com 10 anos de estrada, que pratica um Death Metal com pitadas de Thrash mais ou menos na linha Korzus, foram os encarregados de abrir a noite. Os destaques foram o excelente vocal gutural de Marcus e as músicas Thrasher, Be Buried Alive e Pivete. Todos os integrantes têm uma excelente presença de palco, em especial o guitarrista Alexandre e o vocalista/guitarrista Marcus que não parava de invocar o Exú, prevendo o caos sonoro que dominaria a noite. Foi um belo começo para o Sepulfest.
Uma pequena pausa para troca de equipamentos e o polêmico Massacration, banda de “mentirinha” criada pelos humoristas do programa Hermes e Renato da MTV, viria a seguir. A pseudo-banda participou este ano do BMU (leia a resenha delfiana em http://delfos.zip.net/arch2004-07-16_2004-07-31.html) onde foram ovacionados pelos presentes e agitaram bastante. Mas no Sepulfest, as expectativas eram diferentes já que o lugar estava lotado de fãs um pouco mais radicais do Punk e do Metal extremo.
Vale lembrar que, apesar de ser uma banda de mentirinha, o vocalista Detonator (nome real: Bruno Sutter) canta de verdade e participa, inclusive, de uma banda-tributo ao Death e, se você encarar tudo o que eles fazem como apenas uma brincadeira com os clichês do gênero, consegue rir bastante e aproveitar o “show”. O problema é quando a piada começa a tomar ares mais sérios e o Massacration começa a ser tratado como uma banda de verdade, mas esse assunto fica para uma outra ocasião.
O Massacration aparentemente iria fazer um número acústico pois colocou até um daqueles famosos banquinhos no palco. Mas pouco antes do show começar, o banquinho sumiu e os caras entraram com o “clássico” Metal Milk Shake. Detonator e o guitarrista Blonde Hammet (um dos nomes mais criativos que eu já vi) realmente estavam tocando seus instrumentos, enquanto os outros “encenavam” suas performances. É importante dizer que o baterista, apesar de estar mascarado, não era Igor Cavalera como foi no BMU.
Os comediantes seguiram com Metal Bucetation, Kill With Power (cover do Manowar, com algumas modificações), a novíssima Metal Serial (que, segundo Detonator foi composta um minuto antes da banda subir ao palco) e o primeiro e maior sucesso do grupo, Metal Massacre Attack.
As palhaçadas da banda não poderiam ficar de fora e, em determinado momento, um fã (na verdade, um dos integrantes do grupo) subiu ao palco e mostrou seus órgãos genitais (postiço, é claro) ao público, mas não demorou muito para ele tomar uma bela “guitarrada” do Joselito.
Apesar dos fãs mais “extremos”, o show correu muito bem e a banda foi ovacionada durante toda a apresentação. Quem disse que headbangers têm a cabeça fechada e não gostam de uma boa piada?
O lado interessante é que, após o show, os integrantes do Massacration passeavam tranqüilamente pelas dependências do Espaço das Américas e raramente eram reconhecidos sem suas perucas, braceletes e óculos escuros. Mas preciso dizer que todos são extremamente simpáticos e atenciosos e se divertiam com as apresentações tanto quanto o público.
Os pernambucanos da Nação Zumbi vêm a seguir. É verdade que a banda hoje em dia não desfruta da popularidade de outrora quando era liderada por ninguém menos que o falecido Chico Science mas, mesmo assim, eles souberam superar o trauma da morte de seu líder e seguiram em frente, lançando mais dois trabalhos, sempre com o Manguebeat, uma mistura entre o Rock e as batidas tradicionais brasileiras.
Algumas pessoas estranharam a inclusão da banda no cast do festival, mas novamente vem à tona o objetivo do Sepultura em produzir um festival eclético e acessível a todos os amantes da boa música.
Os destaques do show da Nação Zumbi, foram a surpreendente versão de Purple Haze (de Jimi Hendrix), com um excelente trabalho do guitarrista Lúcio Maia, e algumas músicas mais antigas como Da Lama ao Caos e Quando a Maré Encher. Vale ressaltar também o peso que as músicas ganham ao vivo. É impressionante como a “batida” da Nação, com seus tambores, fez até o chão tremer em frente ao palco. No geral foi um bom show, mas um pouco longo para os padrões do festival, o que deixou o público um pouco arredio em seu final. Mas tudo correu bem e os pernambucanos tiveram mais uma oportunidade de apresentar um belo trabalho aos paulistanos.
Em seguida, foi a vez do lendário Ratos de Porão subir ao palco. Muitos metem o pau em João Gordo, o chamam de traídor do movimento por trabalhar na MTV, mas a verdade é que poucos se lembram o quanto ele foi importante para a história do Punk/Hardcore nacional e, por que não, até para o Heavy Metal. Para quem não sabe, ele foi o primeiro a quebrar uma estúpida rixa que dividia punks e headbangers (que perdura até hoje, infelizmente), ainda nos anos 80, quando usou uma camiseta do Venom em um dos antológicos shows do Ratos. Para completar, João Gordo e os caras do Sepultura se conhecem há quase 20 anos e sempre foram muito amigos portanto, nada mais justo do que a participação do Ratos de Porão nesta primeira edição do Sepulfest.
João Gordo (vocais), Jão (guitarra), Boka (bateria) e o novo baixista, Bin Lacto, fizeram um show muito energético, com direito a um discurso de Jão (guitarra) contra essa política podre que está aí, um discurso muito oportuno em época de eleições. Os destaques foram os clássicos de sempre do Punk e Hardcore nacional: Agressão Repressão, Crucificados pelo Sistema, Igreja Universal (essa é a melhor, a banda jogou uma Bíblia para o público durante sua execução e, bom, vocês podem deduzir o que aconteceu com a pobre Bíblia), Aids, Pop, Repressão, Amazônia Nunca Mais e a eterna Beter Até Morrer.
O show teve aproximadamente uma hora, devido a um problema com os amplificadores de Jão, que encurtou sua duração. Esse problema também gerou uma certa confusão no backstage onde Boka e Bin Lacto tentaram tirar satisfação com o pessoal da produção do Sepulfest e a coisa não ficou feia por muito pouco. De qualquer forma, os caras fizeram um puta show empolgante e mostraram que não estão dispostos a parar, apesar dos quase 40 anos de João Gordo e mais de 20 anos de estrada da banda.
Finalmente era chegada a hora dos anfitriões. Um intervalo para a troca de equipamentos e o show do Sepultura já começou com uma surpresa: o eterno Zé do Caixão, diretor e ator de dezenas de filmes trash, sobe aos palcos para anunciar a maior banda brasileira de Rock pesado. O público foi ao delírio, mas todos se surpreenderam mesmo quando a introdução soturna, The Curse, a faixa que abre o primeiro trabalho da banda, Bestial Devastation, começou a sair do P.A. Eu estava quase acreditando que eles tocariam a faixa título a seguir, mas não foi o que aconteceu. Não que eu tenha me frustrado afinal, Igor, Andreas, Paulo e Derrick simplesmente começaram com o clássico Troops of Doom. A resposta de todos os presentes foi imediata e o Sepultura já começou com a platéia nas mãos.
Para não perder o pique, a banda emendou Slave New World (do Chaos A.D) e Attitude (do Roots) e, para cada um destes hinos tocados, a resposta só poderia ser uma: gritos, aplausos e todos cantando junto. É difícil descrever a sensação de união quando se está presente em um show do Sepultura. Só presenciando mesmo para sentir. Sem demoras, Derrick anuncia a próxima música: Choke, o primeiro som que ele gravou com a banda em 1998 e Desperate Cry.
Em seguida, Andreas vai ao microfone e anuncia que a banda irá tocar uma coisa especial para os fãs nesta noite e começa o clássico Escape to the Void do disco Schizophrenia de 1987. O mais legal é que o próprio Andreas comandou os vocais neste momento. Seguindo com o show de clássicos, a banda mandou Inner Self, sempre com uma ótima resposta do público. Mais uma surpresa. Desta vez, Andreas chama o vocalista Marcus do Claustrofobia e detonam uma versão pesadíssima de Beneath the Remains em um dueto com Derrick. A essa altura, algumas pessoas já estavam cansadas, mas o Sepultura segue com a música Mind War de seu mais recente trabalho, Roorback.
Uma brincadeira de Andreas Kisser, e os caras começam a tocar Seek and Destroy do Metallica, mas o que parecia apenas uma encheção de lingüiça acaba virando um “bônus” e o clássico é tocado até seu primeiro refrão para o delírio dos bangers presentes. A forte Sepulnation é cantada em uníssono por todos e mostra que, se esse CD tivesse um melhor trabalho de divulgação, poderia ter se tornado um dos grandes clássicos do Sepultura.
Mais uma participação especial, desta vez João Gordo sobe ao palco e, em meio a diversos elogios para os seus amigos do Sepultura, detona Reza e uma inusitada versão de Biotech is Godzilla onde Gordo divide os vocais com Derrick em um dos momentos mais legais da noite.
O cover do U2, Bullet the Blue Sky também teve uma ótima recepção dos presentes e a banda já emenda com mais um clássico: Refuse Resist, em uma versão impecável. E não parou por aí não pois, para a próxima música, Derrick anuncia que São Paulo é o seu território. Matou a charada? Certo, eles detonam com Territory, mais uma vez levando os fãs à loucura.
Novamente, Derrick chama um convidado especial. Não um, aliás, mas vários: parte da Nação Zumbi sobe ao palco para tocar a instrumental Kaiowas com a banda. Uma música bem brasileira, mas que não estava no set do Sepultura há bastante tempo. Para fechar o show normal, temos mais um clássico, Arise, novamente cantado em uníssono por todos.
O primeiro Sepulfest estava perto de seu fim, mas o Sepultura ainda tinha duas cartas na manga para o bis: a primeira é Come Back Alive, uma das faixas mais rápidas e pesadas do novo trabalho, e a segunda é a eterna Roots Bloody Roots, fechando com chave de ouro a primeira edição de um festival que tem tudo para dar certo.
Faltaram músicas do Sepultura? Bom, para uma banda com mais de 20 anos de estrada e uma dezena de trabalhos, é absolutamente normal que o set não tenha agradado a todos. Eu, particularmente, gostaria que eles tocassem alguma coisa do Bestial Devastation.
Fica registrado o parabéns ao evento, à organização (apesar das falhas supracitadas), às bandas participantes e uma saudação especial ao público, que compareceu em grande número, soube respeitar todos os estilos participantes e ganhou mais um festival de peso (literalmente) daqui em diante. Se alguém tinha alguma dúvida da importância do Sepultura para o Metal nacional, acredito que agora não tenha mais o que se contestar.