Século XIX. Um navio negreiro naufraga. Os sobreviventes, brancos e negros, precisam sobreviver sem as regras da sociedade. Isso causa tensões consideráveis. Afinal, os escravos sabiam trabalhar para sobreviver, enquanto os brancos estavam acostumados a serem servidos. Esta é a temática deveras interessante de Sobreviventes.

REGRAS DA ESCRAVIDÃO

Eu sou um tanto fascinado por histórias dessa época. Temos livros e histórias que aconteciam nesta época, como os livros de Machado de Assis, mas a maioria dela era focada nos brancos e os escravos apenas existiam, sem histórias próprias. Minha fascinação veio quando, em um museu, vi uma carta de alforria real. A carta era um texto de uma senhora de engenho libertando uma escrava. E ela deixava claro e explícito que havia um carinho e respeito mútuo entre ambas.

Isso me marcou. Estamos acostumados a ver os senhores de escravos como vilões, mas isso é nossa mente do século XXI. “Preto não é homem, preto é ferramenta”, diz um dos personagens de Sobreviventes. Mas a realidade é sempre mais cinza, e se há pessoas, há relacionamentos, e se há relacionamentos, há tanto tensão quanto respeito e carinho. Sobreviventes, infelizmente, acaba sendo bastante clichê no desenvolvimento de sua história.

CRÍTICA SOBREVIVENTES

Sobreviventes, Brasil, Portugal, Sobreviventes Filme, Delfos

Com a inexistência das amarras da sociedade, os negros ficam imediatamente em posição de poder, já que sabem sobreviver. E o que eles fazem é o mais óbvio possível: escravizar os brancos. É aquela história, “o sonho do oprimido é ser o opressor”, mas eu esperava algo mais elaborado de Sobreviventes. Outro exemplo de clichê é que, do mais absoluto nada, vemos o padre transando com uma das mulheres. A cena é apenas isso, uma cena de sexo que dura segundos e não tem nenhuma importância para a narrativa e sequer é citada depois. Está lá só para mostrar que os padres também não são exemplo de moral. E não precisa.

Ainda nas críticas, Sobreviventes não é exatamente longo, mas dura muito mais do que o necessário. Tem um monte de cenas com danças, canções, rituais ou mesmo a cena do nascimento, que se estendem muito mais do que o necessário. Veja bem, o filme nunca chega a ficar chato, mas a sensação de que ele não usa bem o tempo que dedicamos a ele é forte.

TENSÕES RACIAIS

Talvez o melhor momento seja mesmo o início, quando vemos apenas os brancos que sobreviveram, e imediatamente um deles começa a agir de forma individualista e um tanto babaca. Como uma das ex-escravas fala depois: “se eu não matar eles, é capaz de eles se matarem”, o que representa bem o fato de que as classes oprimidas têm maior capacidade de se juntarem do que os opressores.

Achei curioso também o fato de que as legendas “traduzem” apenas o que os personagens portugueses falam, enquanto os brasileiros não têm legenda. Sim, é mais necessário termos adaptações para o português de Portugal, mas se eu escolho ativar legendas (a versão a que assisti foi em streaming) não vejo motivo para não legendar tudo.

Sobreviventes é um filme bacaninha e tenso na medida certa, mas os caminhos que sua história segue, inclusive o final, são bem clichês. Apesar da criatividade na temática, é um filme bem familiar, e isso é uma pena, já que esta temática renderia muito mais.