Back Then entrou no meu radar unicamente por causa de sua temática. Em uma mídia tão focada em fantasias de força e mobilidade, aqui você controla um idoso cadeirante vítima da doença de Alzheimer. Acredito que é o único jogo existente em que você pode capturar uma imagem como esta.
Back Then acompanha narrativamente a progressão da doença no protagonista, ao mesmo tempo em que apresenta pequenas histórias estreladas pela sua família imediata. Esta é sua força. Sua única força, diria.
INTERLÚDIO: ALZHEIMER E EU
Minha picuinha com Alzheimer está marcada aqui no site desde que eu era mais jovem. Vou desenvolver mais minha relação com a doença hoje. Entre o fim da minha infância e o início da minha adolescência, minha tia-avó, que era também minha madrinha, teve Alzheimer. Apesar de ser criança, eu era velho o suficiente para me lembrar dela antes, e acompanhar o cruel definhamento de tudo que ela era foi doloroso. Por outro lado, era jovem demais para entender o que estava acontecendo.
Eram os anos 90, e eu me lembro que até ela morrer ninguém sabia de fato o que era aquilo. A doença nunca foi diagnosticada. Uns anos depois, eu por acaso estava ouvindo a banda de death metal Messiah e ao acompanhar a letra da música Alzheimer’s Disease, reparei nas semelhanças com o caso da minha tia.
O tempo passou, eu li muito sobre a doença e não tenho a menor dúvida hoje que ela teve um Alzheimer nunca diagnosticado. O avanço da doença nela foi exatamente como descrito na Wikipédia, por exemplo. Isso inclui até o tempo médio de vida depois do início dos sintomas. Era o mais próximo de um caso de livro que eu já vi. Não sei porque nenhum dos muitos médicos aos quais a levamos a diagnosticou com isso, mas esta falha médica aumentou muito o sofrimento da família que, mesmo conhecendo o inimigo, já seria considerável.
REVIEW BACK THEN
Este interlúdio foi necessário para deixar claro quão importante obras culturais que visam aumentar a visibilidade desta terrível doença são para mim. Não quero que mais ninguém tenha que lutar contra o Alzheimer sem saber o que esperar. Infelizmente, Back Then é um jogo péssimo. Toda a interação e game design dele é sofrível, e mesmo a narrativa não se salva. Basicamente, ele só merece atenção pela temática, não pelo que faz com ela.
Comecemos pela narrativa. A família protagonista é composta por artistas. Escritores, músicos. Você sabe, gente interessante. Por um lado, isso o assemelha a um Layers of Fear piorado (sim, ele é ainda pior que Layers of Fear). Por outro, isso de ser uma história sobre o drama que afligiu uma família da mais alta elite o afasta do cidadão comum. Do sujeito que nem conseguia pagar um médico capaz de diagnosticar a doença.
A cultura pop já conta muitas histórias sobre “gente interessante”. Back Then tem na banalidade sua principal força. No fato de ser uma história que pode acontecer com qualquer um. Embora parte de seus dramas sejam universais, como o filho que não consegue dizer que ama o pai, sinto que o drama de um escritor que não mais consegue escrever é muito sem graça perto do de uma pessoa que não consegue ter mais prazer jogando baralho, por exemplo.
APRESENTAÇÃO E MECÂNICAS DE BACK THEN
O jogo apresenta algumas boas ideias. A residência do escritor se desmontando conforme a doença avança e suas memórias ficam mais nebulosas é uma ótima metáfora para o estado do seu cérebro. Mas em geral, Back Then é péssimo em comunicar qualquer coisa. Isso às vezes até estraga boas ideias. Por exemplo, o protagonista colocou etiquetas na sua casa dizendo onde fica o quarto, o banheiro e afins. É tocante pensar que ele fez isso quando ainda tinha algum domínio de suas faculdades, já prevendo o que viria a seguir. Mas o jogo parece rodar numa resolução muito baixa, a letra cursiva é difícil de entender (garrancho mesmo) e o zoom não chega perto o suficiente para dar para ler confortavelmente as “dicas”. Para cada aviso tocante como “não esqueça de trancar a porta”, eu passava por vários que simplesmente não conseguia “traduzir”.
Como um jogo composto de uma quantidade limitada de mecânicas, é curioso também que ele falhe tão miseravelmente nestas. Assim como em Layers of Fear, você abre portas segurando um botão e movendo a alavanca. Porém, empurrar uma porta às vezes é feito colocando a alavanca para cima. Às vezes para baixo. Em algumas situações absurdamente estranhas, para os lados. Não há consistência e isso parece ter sido colocado só para usar mais botões do controle ao invés do muito mais apropriado botão único para interação geral.
CADEIRA DE RODAS
Também é tocante o protagonista estar o jogo inteiro em cadeira de rodas, mas mecanicamente isso deixa o jogo ainda mais sofrido. Girar no lugar, por exemplo, demora muito. A cadeira quase não anda para trás. Coisas assim deixam se movimentar um suplício, e o jogo é praticamente um walking simulator. Curiosamente, seus piores momentos são aqueles que tentam colocar um pastiche de gameplay, como uma parte logo no início em uma biblioteca que abre passagens secretas codificadas por cores da engrenagem.
Em outro momento, eu precisava ficar andando a esmo por um enorme labirinto para encontrar trechos de um poema. Eu sinceramente quase desisti nessa parte, já que tinha a sensação de que andava em círculos e não tinha mapa nem nada que me ajudasse a encontrar o maldito canto que ainda não tinha explorado.
Back Then é um jogo que até tem o coração no lugar certo, e sou muito a favor de mais jogos que saiam da fantasia de força e mobilidade tão comuns nos videogames. Porém, seu único sucesso é que conseguiu ser uma simulação desconfortável e chata de jogar, assim como a doença que retrata. E uma coisa é fugir da fantasia de poder. Outra totalmente diferente é ser um jogo que você não quer jogar, não por causa de uma temática pesada, mas porque suas mecânicas são simplesmente muito ruins.