Pouco mais de um ano atrás, eu fiz um joguinho com meus camaradas delfonautas. Na crítica do filme Tempo, disse que se tivesse mais de cinco comentários ali, escreveria um número da coluna Pensamentos Delfianos sobre a cruel passagem do tempo e as exigências da sociedade. Cá estamos. E como sempre nos números dessa coluna, este artigo é só o ponto inicial da conversa. Quero ouvir você e seus pensamentos sobre o assunto nos comentários.

Crítica Tempo: Where have all the years gone?

A CRUEL PASSAGEM DO TEMPO

Apesar de a semente para este texto ter surgido na crítica Tempo, a inspiração real veio quando o plugin que destaca matérias antigas nas nossas redes sociais (FacebookTwitter) lembrou do Top 5: Memória Afetiva, publicado por aqui em 2009.

Top 5: Memória afetiva

Eu não lembrava dessa matéria, e resolvi relê-la. Isso realmente me marcou. Reler aquilo foi como ler algo que escrevi quando era criança. Afinal, o texto relembra de fato coisas marcantes da minha infância, como a esquecida marca de TVs Telefunken e meu primeiro contato com as BBS, sistema precursor da internet.

Mas mais do que simplesmente reavivar memórias. Reler esse texto me lembrou de como eu escrevia quando estava na casa dos 20 anos. E como eu era naquela época.

WHEN 20 SUMMERS PASS

Como todo mundo, eu mudei muito dos 20 aos 40. Amadureci. Fiquei mais amargo. Mas também menos bravo. Em geral, quando eu penso nos textos que escrevia para o DELFOS nos primórdios, lembro de piadas que não faria mais hoje, como a então famosa mistura de “mulheres com alimentos”. Embora mesmo as leitoras e delfianas tendo entrado na brincadeira (lembro da Taís Boeira misturando o Hugh Jackman com molho curry e comentários de leitoras falando de “cabeludos com chocolate”, entre outras misturas), sinto que isso não envelheceu bem. Era coisa de jovem, de um período específico em que isso ainda era engraçado. Não é mais.

Estas matérias antigas, com suas respectivas brincadeiras, ainda estão aqui, como parte da história do DELFOS. Mas são parte do passado, onde devem ficar. E admito que me envergonho um tanto delas. Porém, o Top 5 Memória Afetiva me lembrou de outro Corrales que não existe mais. O Corrales sonhador. Que queria dominar o mundo. Que se identificava como Ditador Supremo do DELFOS em referência a uma historinha do Calvin e Haroldo. E eu tenho saudade desse Corrales.

Sinto que escrevo melhor hoje. Tenho mais vocabulário e sei fazer melhor uso dele. Entendo mais da criação de humor e roteiro e sei criar piadas e narrativas melhores. Porém, tem algo muito mágico naquela postura dos 20 anos, que não é determinada pela habilidade de redação ou experiência profissional. Na verdade, essa magia vem justamente da inexperiência.

A MAGIA DA INEXPERIÊNCIA

Eu comecei o DELFOS realmente sentindo que o site poderia se tornar grande. Que poderia ser um trabalho rentável para mim e para as pessoas que trabalhavam comigo. Isso nunca aconteceu. Olha como tem pouca gente assinando nosso financiamento coletivo, a mais direta forma de ajudar o site a continuar existindo. E, sinceramente, não vejo isso aumentando consideravelmente. Cada vez que aparece um novo assinante, é dia de festa. Mas o fato é que se o site ainda é deficitário hoje, provavelmente sempre será.

O Corrales daquela época, da casa dos 20, ainda acreditava que isso podia mudar. Era um Corrales que não apenas tinha sonhos, mas que ia atrás deles. E isso é uma mágica que só acontece antes da vida nos encher de cicatrizes.

CICATRIZES DO TEMPO

Decepção atrás de decepção, a vida vai destruindo seus sonhos. Sonho é onde você começa a vida antes da realidade chegar. Algumas pessoas alcançam seus sonhos. Viram atores de cinema, escritores, músicos ou outras profissões legais. A maioria de nós, quando tem sorte, fica na segunda opção. Muitos vão para a quinta, oitava ou décima. Outros nem opções têm, são apenas levados pela vida e pela crueldade da passagem do tempo e da necessidade de pagar contas.

Quando você tem 20 e poucos anos, ainda não sabe onde vai parar. Então você mira alto. Você sonha. Você voa! Aos 40, a realidade já chegou. Muito provavelmente sua vida aos 40 será onde sua vida estará para o resto da sua história. Dificilmente uma banda, ou um projeto como o DELFOS, vão vingar depois dos 40. Se continuam existindo, acabam virando hobbies, que podem até ser levados a sério, mas são resquícios de sonhos e esperanças do passado.

A BELEZA DOS 40 ANOS

Isso não significa que ter 40 anos seja ruim. Como falei, sinto que sou um escritor muito melhor hoje do que era entre 2004 e 2010. Além disso, hoje sou casado. Realizei meu sonho adolescente de casar com uma moça oriental. Tivemos uma filhinha que é a criança mais fofa que eu já vi. E ter uma filha menina era um sonho que eu tinha antes de conhecer minha esposa. E é o tipo de coisa que se realiza ou não pelo total acaso. Você tem 50% de chance de vir cada um dos gêneros e eu fui abençoado com receber o que eu mais queria.

Tempo, Reflexão do Tempo, Passagem do Tempo, Essência de quem somos, Isis, Isis Yoshimi, Delfos
A tradicional foto que todo pai tira: meu dedão e a mãozinha da minha nenê.

Mais do que isso, absolutamente tudo que eu achava que seria legal em ter uma menininha veio com a minha querida Ísis Yoshimi. Ela é fofa, ela é alegre, ela tem uma ilha da bobeira tão desenvolvida quanto a do pai. Minha menina é extremamente meiga. Sem nenhum incentivo real por parte da família, ela naturalmente começou a gostar da cor rosa, ser vaidosa e a se vestir de princesinha. São coisas que vieram da personalidade dela, mas que acabam deixando tudo mais gostoso. Afinal, eu também adoro a cor rosa e coisas fofinhas, e é mais uma coisa que compartilho com ela.

Para quem olha de fora, minha vida pode parecer ótima, e eu entendo isso. Tenho uma condição financeira estável. Uma família linda e amorosa. Um apartamento próprio em São Paulo. Um site do qual tenho muito orgulho, onde praticamente toda minha vida adulta foi narrada. É um jardim bonito que construí para mim. Mas por que o jardim do vizinho sempre parece mais verde?

O JARDIM MAIS VERDE

A fantástica banda do mais delicioso rock farofa, Boston, tem uma música bem famosa chamada Peace of Mind. “I don’t care if I get left behind, People living in competition, All I want is to have my peace of mind“.

Eu concordo com essas palavras. Tomei decisões diferentes na minha vida que as de boa parte das pessoas. Resolvi seguir meu sonho com o DELFOS ao invés de trabalhar para outras pessoas. Alguns amigos já tinham salários altos quando eu ainda estava lutando para sobreviver. E isso foi opção minha.

Eu fiz o meu caminho, e colhi muitas coisas boas dele. Mas também colhi coisas ruins. Carrego muitas frustrações comigo, e acho que isso é verdade para a imensa maioria das pessoas. Uma coisa que essa música do Boston nos ensina é que a gente deve construir nosso jardim da melhor forma possível, e não ficar comparando com os jardins que parecem mais verdes. Mas concordar com isso racionalmente e fazer na prática são coisas diferentes. E é muito difícil.

I WASTED MY TIME, UNTIL TIME WASTED ME

Mas vamos tentar. Aos 40 anos, é fácil sentir que a vida já acabou. Eu já passei do ponto em que a maior parte das histórias terminam. Sou casado, tenho família, tenho moradia e sustento. Minha história aparentemente já acabou. Eu estou no “viveu feliz para sempre”. Mas não é assim que me sinto. Alguns sonhos se realizaram, outros não. Mas a vida continua. O tempo continua passando. E o melhor que podemos fazer é decidir como gastar nosso tempo antes que o tempo nos gaste.

Isso é o que eu penso sobre tempo, envelhecimento e o momento de vida em que estou agora. E isso pode mudar. Caramba, isso vai mudar. Quando eu tinha 20 anos, achava que seria daquele jeito para sempre. Eu sonhava em trabalhar em jornalismo de heavy metal – e você vê muito disso nos primeiros anos do DELFOS. Hoje trabalho muito mais com games e cinema, e gosto muito mais de falar dessas áreas do que de música. Mas é claro que ainda gosto de música. Todos os textos publicados aqui foram escritos enquanto ouvia música. A gente muda, a gente evolui. Mas continua sendo a mesma pessoa. Com a mesma essência.

IN THE END, THE LOVE YOU TAKE IS EQUAL TO THE LOVE YOU MAKE

No fim, só o que podemos esperar, é que a essência se torne um pouquinho melhor enquanto estamos na Terra. E, quem sabe, sonhar que consigamos deixar o planeta um pouquinho melhor para outras pessoas. Se o DELFOS te trouxe alegrias, te fez sorrir ou contribuiu com algo de bom na sua vida, eu adoraria ler nos comentários. O site nunca deve me trazer dinheiro, mas se consegui trazer algo positivo para as pessoas, posso tentar me convencer que todo o trabalho valeu a pena. =)

Me conta de você também. Onde você está hoje? É onde gostaria de estar? Ainda está correndo atrás de seus sonhos? Como sempre, o artigo termina aqui, mas nossa conversa está apenas começando. E espero uma discussão bem legal nos comentários. Ei, se tivemos cinco comentários pedindo este texto, é racional esperar ainda mais agora que ele saiu, não?