Eu não sou muito de fazer listas ou eleger favoritos. Mas, se pusessem uma arma na minha cabeça e me pedissem educadamente para listar os cinco melhores álbuns que já ouvi na vida, certamente Songs for the Deaf, de 2002, estaria entre eles.
Foi por meio deste álbum (o terceiro na discografia do grupo) que conheci o Queens of the Stone Age, banda responsável por abrir minha cabeça para um tipo de sonoridade ainda desconhecida por aquele Yohan de milênios atrás, algo que navegava perfeitamente entre o rock clássico, os acordes furiosos do metal e o que havia de melhor em termos de música pop.
Desde então, o QotSA lançou quatro álbuns, todos muito bons, mas nenhum tão bom quanto o cada vez mais longínquo Songs for the Deaf.
E a cada lançamento eu espero que eles consigam se equiparar àquele álbum de 2002, mas não adianta: a banda mudou, eu mudei, e já admiti que nunca mais sentirei o mesmo que sentia quando acordava de manhãzinha, botava meus fones de ouvido e pegava o ônibus para a faculdade chapando em sonzeiras como Go with the Flow, First It Giveth e Song for the Dead.
Até que gostei bastante do último álbum deles, …Like Clockwork, lançado em meados de 2013. Mas havia todo um climão ao redor da produção do álbum que acabou deixando as músicas meio tristonhas demais, sem aquela energia toda. Josh Homme, o líder do grupo, passou por uma experiência de quase morte em 2011, e é claro que o resultado final acabou sendo influenciado por todas as reflexões que são trazidas à tona depois de um evento como esse.
Agora, quatro anos depois, temos enfim o lançamento do aguardado sétimo álbum de estúdio da banda, bastante conciso, com apenas nove faixas.
LIFE IS HARD, THAT’S WHY NO ONE SURVIVES
Com uma lenta introdução que vai crescendo ao longo de quase dois minutos inteiros, atiçando a ansiedade de qualquer ouvinte, Feet Don’t Fail Me abre o álbum já metendo o pé na porta, como quem entra no bar anunciando em alto e bom som que dali só sairá carregado.
Com um riff agradavelmente pegajoso e um refrão contido, é uma excelente faixa de abertura, cuja sonoridade remete levemente ao Them Crooked Vultures – banda de um disco só formada por Homme, John Paul Jones e o arroz de festa Dave Grohl. A bateria com muita caixa e as guitarras confortavelmente pausadas estabelecem um clima familiar, enquanto as pequenas intervenções de um sintetizador estilo anos 80 dão uma carinha nova à sonoridade da banda.
The Way You Used to Do, o primeiro single deste novo projeto, mantém as emoções no alto com uma bateria minimalista e vocais amenos, além de constantes palminhas que permeiam toda a canção, conferindo a ela aquele ar de roquenrrou despojado.
É uma música animada como um shot de tequila, adornada por um pequeno e reluzente festival de guitarras. A letra, praticamente uma declaração de amor, traz linhas como “My heart, a ding-a-ling, a puppet on a string / C’est la vie / So lay your hands across my beating heart, love”, mostrando que o QotSA já se afastou um bocado de toda a deprê destilada no último álbum.
DIZZY, DIZZY, DIZZY, WE ALL FALL DOWN
Na sequência temos Domesticated Animals, que chega para fechar com chave de ouro o festivo primeiro terço do álbum. Ela me lembrou um pouco a fodástica“You Got a Killer Scene There, Man…”, do álbum Lullabies to Paralyze. Sabe aquela música de barzão mesmo, para ouvir enquanto enche a cara de Montilla e carbura o pulmão com Hollywood de filtro vermelho? É essa aí.
Ela tem qualquer coisa de perigosamente sedutora em seu início, soando quase como uma ameaça que, contudo, acaba não se concretizando, já que o clima tenso de sua introdução é rapidamente substituído por uma guitarrinha toda maliciosa e pela voz malandra de Homme, deixando a faixa bem divertida, com um ar quase praiano.
O riff da guitarra é repetido à exaustão por mais de cinco minutos, mas é bom pra cacete e funciona perfeitamente para dar o tom da letra, repleta de simbolismos e cheia de versos metafóricos como “Beat the kids to the punch / You’ve got heart, I’ll have it for lunch”.
Depois de três canções irretocáveis e muito bem casadas, o QotSA mete o pé no freio em Fortress, fazendo dessa faixa uma pequena ilha de calmaria no oceano cheio de groove em que estavam mergulhadas as faixas anteriores. É um som mais chatinho, muito preso à sobriedade de …Like Clockwork. Não é de todo sem graça, mas refestela-se em um lado do Queens que não me gusta.
Apesar disso, tem uma das letras mais delicadas do álbum, com bonitezas poéticas como: “Every fortress falls / It is not the end / It ain’t if you fall / But how you rise that says / Who you really are” e “If ever your fortress caves / You’re always safe in mine”. Percebe a afronta, delfonauta? Não bastasse ser um puta guitarrista, um letrista de responsa e marido da Brody Dalle, o cara ainda precisa esfregar na nossa cara que também sabe ser fofo.
YOUR HEAD’S LIKE A HAUNTED HOUSE
Chegando à metade do álbum, encontramos Head Like a Haunted House, que coloca o disco (eu ouvi no Spotify, mas vamos fingir que é um disco mesmo) de volta para acelerar na estrada da embriaguez musical. É talvez a composição mais dançante do álbum, com uma bateria surda e frenética de tons graves.
Pegando uma vertente quase rockabilly, como um B-52s que tivesse cheirado muita cocaína, esta faixa traz de volta as guitarras praianas, mas agora ligadas em 220. É uma faixa que está de porre, cozidona, girando os braços para o alto e sacudindo a cabeça enquanto Homme professa em versos ligeiros: “Tonight I’m gonna put up a fight / I’m gonna get a reaction that I like / Burn the days / I reject your displays / I demand satisfaction or the knife”. Então tá bom, então.
Un-Reborn Again mantém o clima de “perigos no boteco”, sendo animada sem deixar de ser sombria, com um baixão pesado e bateria quadradona. É uma faixa que ainda está tentando processar as cavalares doses de álcool ingeridas pela canção anterior – às vezes se mostra alegrona, de repente fica meio cabisbaixa, como você naquela vez em que tomou todas e ficou passeando pra lá e pra cá em uma montanha-russa de emoções, até chafurdar de vez na lamaceira da depressão e voltar a sorrir de novo como se nada tivesse acontecido. Rola até uns violinos bem legais no final, e tem uma letra que deixaria qualquer Nick Cave orgulhoso, cheia de personagens na sarjeta e brincadeiras linguísticas.
Já Hideaway volta a pisar desnecessariamente no freio. Trata-se de uma música mais baladinha, suavezenta. Não faz feio, mas também não chama a atenção. Destaque para o vocal maroto de Josh e para o sintetizador muito bem colocado. De qualquer forma, é o tipo de música que eu só queria pular de uma vez para saber como seria a próxima.
HERE WE COME, GET OUTTA THE WAY
The Evil Has Landed, penúltima música do álbum, recupera a aura descompromissada das composições iniciais, apresentando riffs cheios de pausas cobertas pela bateria e guitarras descontraídas que se alinham ao vocal suave de Homme – você sabe, aquele semifalsete que ele sabe fazer tão bem.
Não é uma canção especialmente criativa, e por vezes exagera na pentelhação com notas agudas e estridentes demais, afastando-se dos tons mais graves das demais faixas. O último minuto, porém, dá uma salvada na composição, sendo mais acelerado e virtuoso que o resto da música. Você consegue até balançar a cabeça, se quiser.
Se até aqui o álbum foi um homérico pileque com os brothers no bar da esquina, com todas as suas nuances etílicas e variações de humor, Villains of Circumstance chega para encerrar a noite com uma bela de uma badtrip. É a música que o dono do boteco colocaria para rodar a todo volume na jukebox uando quisesse acabar com a festa e mandar os trastes de volta para casa.
Aqui o álbum morre e temos o retorno do pior que …Like Clockwork tinha para oferecer. Não que seja uma faixa ruim, só não é gostosa de ouvir. É triste. É deprezona. Que merda, eu não queria que o álbum terminasse na fossa. Para piorar, o refrão parece pronto para embalar a cena final de qualquer filme da Sessão da Tarde, naquele espírito de “vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem”, o sol brilhando no horizonte, fade-out, sobem os créditos e começa a propaganda da novela.
Mas também não podemos reclamar muito. Afinal, as melhores noites de bebedeira são sempre acompanhadas das piores ressacas, e o saldo dessa cachaçada sonora até que foi bastante positivo. Agora é chegado o momento de se recolher, limpar o vômito da camisa, enfiar a cara no travesseiro e esperar pelo próximo porre.