Turistas

É possível que esse seja o texto mais polêmico que eu já escrevi. Fala sério, só a chamada de capa “A realidade brasileira em celulóide” já deve fazer com que muitos falsos patriotas (aqueles que só lembram que são brasileiros em copa do mundo ou quando algum gringo fala mal do nosso país) saia copiando esta matéria nos fóruns da vida para depois me escrever falando coisas como “a internet inteira está contra você”. Sério mesmo, minha resenha do Live ‘n’ Louder fez com que um fã do Nevermore e aspirante a símio nas horas vagas me mandasse essa pérola.

Aliás, sempre tem uns manés que, por ver que um fórum da sua banda preferida concorda com ele ao alvejar um crítico que, ao exercer sua profissão, criticou o conjunto em questão, deduz que TODO MUNDO concorda com ele. Onde vai parar a humanidade? A história desse aspirante a símio e de muitos outros fica para outro dia (pretendo compilar as pérolas mais engraçadas e estúpidas que já recebi em um artigo especial), mas acho que é seguro dizermos que a humanidade vai parar (ou melhor, já parou), no mundo mostrado em Turistas. Mas antes de entrar na polêmica do filme, vamos falar dele. Primeiro a obrigação, depois a divagação, certo?

A história é basicamente uma cópia de segunda linha de O Albergue. Troque a Eslováquia pelo Brasil e os ricaços sádicos por uma gangue de tráfico de órgãos e pronto. O resto é igual. Ou melhor, pior, já que o filme de Eli Roth é uma pérola do terror enquanto Turistas é, se tanto, genérico. Lembra quando saiu aquele Medopontocom (ou alguma coisa parecida) para capitalizar no sucesso de O Chamado? Pois entonces, Turistas está para Medopontocom assim como O Albergue está para O Chamado (eu nunca me dei bem em matemática, mas regras de três são bem úteis).

Aqui temos um bando de gringos que vem para o Brasil em busca de sexo, bebidas e praia e acabam vivendo uma experiência aterrorizante. Se bem que o terror mesmo só aparece nos últimos 15 minutos de filme. A primeira hora lembra bastante o início de O Albergue, só que com MUUUUUUUITO mais enrolação e muito menos pessoas peladas. Durante todo o filme tem bastante violência, muita dela explícita, mas nada comparado a um olho queimado, por exemplo.

Nenhum ator é conhecido e suas habilidades variam do ruim ao péssimo. Especialmente os brasileiros parecem que estão lendo os textos, sem sentimento nenhum. Pelo menos todos estão visualmente bem escolhidos e principalmente os atores tupiniquins parecem o tipo de gente que você encontra no ponto de ônibus, o que é bem legal.

E aí chegamos na polêmica. Bão, para começar, é fato que brasileiros têm uma auto-estima extremamente baixa e uma hipocrisia pra lá de alta. Isso faz com que a gente viva falando mal do nosso país, mas quando um gringo vem e fala, a gente fica bravinho. E, claro, pimenta nos olhos dos outros é refresco e eu NUNCA vi ninguém falar sobre como O Albergue tratou mal a Eslováquia. E olha que ele dá muito mais medo do que Turistas, sem falar que tem uma premissa muito mais perturbadora e, ao mesmo tempo, mais fantasiosa.

Só que aí é que eu quero chegar: tirando a parte fantasiosa de todo e qualquer filme (afinal, um terror precisa de um vilão), eu vi mais o Brasil que eu conheço em Turistas do que em Cidade de Deus ou em qualquer um daqueles milhões de filmes que se passam no sertão ou em favelas. Aqui nós vemos pessoas que se odeiam e que se tratam mal sem nenhum motivo (além de arranjar brigas à toa), lugares feios (e outro lindos), motoristas de ônibus que dirigem mal e que ameaçam atropelar motoqueiros, sem se preocupar com o bem estar dos passageiros e por aí vai. E isso são só os primeiros cinco minutos. “A-há, aí está o país em que eu moro”, pensei com meus botões.

Nada daquelas baboseiras de que o brasileiro é amigável (e, nas palavras de Gabriel O Pensador: “mas que gracinha, imagina se não fosse, se o brasileiro é amável, Adolf Hitler é um doce!”) ou coisas do tipo. É sério, o motorista do ônibus no qual o filme começa quase atropela um motoqueiro. E quem nunca, ao atravessar a rua, percebeu um carro/moto/ônibus acelerando para tentar atropelar você, provavelmente não mora no Brasil. Ou mora em uma das poucas partes onde as pessoas se respeitam (e, na minha experiência – e eu já visitei várias cidades bem diferentes – são pouquíssimas e, normalmente, são muito pequenas). E, quem mora em grandes cidades como Rio de Janeiro, Porto Alegre ou São Paulo (curiosamente, Curitiba foi a única grande cidade que visitei onde as pessoas pareciam ser civilizadas) sem dúvida tem que agüentar esse tipo de coisa sempre que sai de casa.

Sinceramente, eu, que moro em São Paulo, sinto que estou vivendo eternamente em uma guerra civil, ou melhor, em uma selva de concreto, e isso nunca foi mostrado no cinema. Em filmes como Cidade de Deus, vemos a violência do tráfico de drogas, mas eu nunca tinha visto algo próximo da minha realidade, como a guerra que é pegar um ônibus ou atravessar uma rua, por exemplo. Para entrar no metrô, por exemplo, você sempre tem que empurrar as pessoas, pois, mesmo que você tente formar uma fila, sempre chega um espertinho para entrar pelo lado. E esses costumam ser os mesmos espertinhos que param em frente à porta, dificultando o movimento dos demais passageiros. Ajudar os outros? Deixar a vida dos demais brasileiros mais fácil? Pra quê? O que importa é eu entrar primeiro no trem, mesmo que eu saiba muito bem que isso não vai fazer diferença nenhuma no tempo que eu levarei para chegar ao meu destino.

Turistas não explora isso como poderia (e nem é essa sua proposta), mas o Brasil representado aqui está bem mais perto do que eu conheço, o que achei bem legal de ver no cinema. Talvez a gente precisasse de um estrangeiro para colocar essas coisas em celulóide, já que a maior parte de nós está muito próximo para enxergar e, mesmo sendo mostradas essas coisas, ainda acham que nosso país é uma maravilha. Afinal, mesmo que não tenhamos nenhum prêmio Nobel, somos pentacampeões de futebol. Isso é o que importa, né? Dane-se o estudo e o fato de que as poucas pessoas dispostas a exercer uma das profissões mais nobres que já existiram (a de professor) têm que trabalhar três turnos e mesmo assim ainda passam fome. Eu fico extremamente frustrado em pensar que talvez o ofício mais importante para qualquer país seja tão desvalorizado aqui. Para falar a verdade, a única coisa que realmente me incomodou neste filme foi um trecho onde um brasileiro fala para um dos estadunidenses “I love you, America”. Essa é a parte mais irreal do filme, já que eu nunca vi um brasileiro se referir aos EUA como América. Isso seria patético, considerando que somos todos americanos, da Argentina ao Canadá, por mais que os estadunidenses queiram acreditar que eles são os únicos e façam o maior esforço para convencer o mundo disso.

É, o pior cego é o que não quer ver. Eu já tive oportunidade de conhecer alguns outros países e posso dizer sem sombra de dúvida: de todos os povos com quem tive contato, o brasileiro é o mais hostil. Nem os estadunidenses, que têm fama de serem bullies ou imbecis que adoram guerra tratam os outros da mesma forma que a gente (e, veja bem, eu me incluo nisso, pois tenho plena consciência de que não sou nenhum santo e muito menos um modelo de “como alguém deve ser quando crescer”). Toda essa selvageria e violência e a ridícula rivalidade entre paulistanos e cariocas ainda vão render uma Pensamentos Delfianos. Encare esses parágrafos como um teaser desse futuro texto ainda sem data para sair. 😉

Claro, o lado ruim de ter um filme gringo mostrando essas coisas é que realmente pode prejudicar o nosso turismo e, conseqüentemente, nossa economia (vide o Rezek, que não visita a Eslováquia nem que o paguem por causa de O Albergue). Mas, sinceramente, Turistas é tão “filminho”, tão genérico, que duvido que alguém não brasileiro ainda lembre dele quatro horas depois de tê-lo assistido. E, falando sério, se não fosse toda essa polêmica, ou se a história não acontecesse aqui, tenho minhas dúvidas se ele chegaria a passar nos nossos cinemas. E você provavelmente não teria nenhum interesse nele.

PS: Só para não dizer que eu reclamei muito pouco nessa resenha, deixe-me soltar um pouco de veneno em relação aos críticos que assistiram comigo. Os caras ficavam rindo o tempo todo. Era só o vilão abrir a boca que eles riam. Mas não riam como se fosse engraçado, mas como forma de protesto, como quem diz “o Brasil não é assim”. O cara ao meu lado, em especial, era o mais irritante, já que ele não só ria, mas ainda exclamava coisas como “Pelo amor de Deus”. Ok, amigões, vocês têm o poder da mídia, o popular “quarto poder”, ao seu lado. Se quiserem protestar, façam no lugar apropriado: em seus veículos ou em conversas depois do filme. Não durante a projeção, cacilda. Por que brasileiro é assim, hein?