A reunião das quatro maiores bandas de metal dos Estados Unidos foi a principal fonte de notícias em 2010, e com certeza a coisa mais comentada daquele ano entre os fãs do estilo no mundo inteiro. Agora, anos depois e sem toda a euforia causada pelo Big Four, que não é mais novidade e nem relevante, dá para analisar o DVD resultante dessa reunião com calma. E já posso adiantar, delfonauta, que o quanto você vai gostar dele depende de qual tipo de headbanger você é.
Se você curte metal, sabe do que estou falando. Existem aqueles fãs que veem o heavy metal como um estilo fora do circuito mainstream, acreditam que os músicos tocam por paixão à música, são mais habilidosos em seus instrumentos e que as letras são inteligentes. Esse é o grupo romântico e diria que é mais composto por jovens e pessoas que acabaram de conhecer o estilo. O outro grupo é de pessoas que consideram o heavy metal como qualquer outro tipo de música, com suas qualidades e defeitos, e sabem que ele também funciona de acordo com as regras da indústria cultural. Esse pessoal geralmente é formado por gente que ouve metal há mais tempo.
O que é o Big Four, afinal? Uma tão sonhada reunião das grandes bandas de thrash metal dos Estados Unidos, ou uma tentativa cara de pau de levantar a reputação e encher os bolsos de quatro bandas que não estão mais no auge? Com certeza a sua opinião a respeito disso vai afetar o quanto você pode gostar deste DVD (ou gosta, caso já o tenha assistido).
No meu caso, não tive interesse de comprá-lo quando foi lançado porque não ligo muito para DVDs musicais, e acabei adquirindo-o por pura curiosidade quando o encontrei a um preço baixíssimo em uma loja de shopping (aliás, ainda está muito baixo e se quiser você pode comprá-lo clicando aqui). E, após assisti-lo sem muitas expectativas, gostei do resultado no geral, mas acho que poderia ter sido muito melhor.
O PACOTE
Gravado em Sofia, Bulgária, durante o Sonisphere Festival em 22 de junho de 2010, o dia de show deste DVD foi um dos primeiros do Big Four (a primeira apresentação ocorreu em 16 de junho de 2010). A versão básica vem com os shows das quatro bandas, mais um minidocumentário de 45 minutos que na verdade é um monte de cenas de bastidores editadas em ordem cronológica, mostrando os componentes de algumas bandas conversando, ensaiando algumas músicas e fazendo aquelas típicas brincadeiras bobas de bastidores.
O show do Metallica tem duas horas e todas as outras bandas têm aproximadamente uma hora. Assim, no disco um temos as apresentações das três bandas menores e no disco dois temos o show do Metallica mais o minidocumentário. Isso é uma das coisas que não gostei logo de cara quando o Big Four começou a ser divulgado. Lógico que o Metallica é a maior banda em termos comerciais, mas para um evento desses, que supostamente exalta a qualidade de todos os grupos, o tempo de apresentações das outras bandas deveria ser mais justo.
O encarte do DVD é bem sem graça, com algumas poucas fotos, informações técnicas e setlist de cada banda. E agora chegamos ao que realmente importa: os shows. Antes de pular para a primeira banda, devo dizer que todas as apresentações têm uma qualidade de edição enorme. As imagens não são tremidas e são intercaladas sem pressa. Geralmente os DVDs de metal têm edições muito rápidas e é fácil ficar tonto com elas. Aqui, o trabalho é realmente profissional, o que é muito bom.
ANTHRAX
O Anthrax é a única das bandas do Big Four que eu não conheço realmente bem, mas o setlist deles é bem classicão e curtíssimo, com apenas 10 músicas (infelizmente), então não há muitas surpresas.
Estranhamente, o Anthrax abriu o show com Caught in a Mosh, um de seus maiores clássicos e forte o suficiente para fechar a apresentação. Por outro lado, é difícil pensar em alguma outra música, do Anthrax ou de qualquer outra banda, tão empolgante e divertida para começar, e Caught in a Mosh cumpre muito bem seu papel. O curioso é que a execução dela ficou muito parecida com a versão de estúdio original, gravada em 1987, mas com muito mais qualidade e com a melhora de ser ao vivo. Excelente.
Logo depois, veio uma sequência de músicas que eu não conhecia, mas gostei bastante. Got the Time é totalmente punk, influência clara do Anthrax e de quase todas as outras bandas de thrash metal nos anos 80. Os integrantes da banda se movimentam bastante, mostram claramente que estão se divertindo nessa e em todas as outras músicas e Joey Belladonna é um cara simpático que tem ótima presença de palco.
Nunca fui muito fã de thrash metal cadenciado, que é diferente do tocado por bandas como Kreator, um dos meus favoritos, mas o Anthrax tem uma grande quantidade de músicas desse tipo de ótima qualidade. Madhouse e Be All, End All, as duas seguintes, mostram isso perfeitamente.
Um dos pontos mais fortes do show vem logo a seguir, com Indians/Heaven and Hell/Indians. Sim, o Anthrax emendou no seu clássico do álbum Among the Living, de 87, um dos maiores clássicos do Black Sabbath, embora o tenham tocado apenas até o primeiro refrão. Vale lembrar que o show foi gravado cerca de um mês depois da morte de Dio, e por isso mesmo foi feita essa homenagem ao cantor. Joey Belladonna não tem voz para cantar Heaven and Hell, no entanto, e a performance dele ficou um pouco esquisita. O vocalista termina Indians correndo de um lado para o outro com um cocar indígena norte-americano, o que é muito engraçado, já que ele tem muita cara de índio. =P
Depois dessa, vem a sequência final de clássicos, com Medusa, Only (essa não tão importante como as outras), Metal Thrashing Mad e I Am the Law. Destaque absoluto para Medusa, para mim o ponto mais forte do show.
O Anthrax também parece a única banda a se preocupar com o “espírito” do Big Four, e o guitarrista Scott Ian deseja aos fãs que aproveitem o show das próximas bandas.
MEGADETH
Para mim, o Megadeth é a melhor banda do Big Four e, não só isso, uma das melhores e mais criativas bandas de metal de todos os tempos (acho que o Frodrigues compartilha essa opinião). Claro, o Megadeth fez muita porcaria depois do Rust in Peace e poucas pessoas já falaram tanta besteira como o Dave Mustaine, mas quem se importa com isso com tudo o que a banda já proporcionou (e proporciona) de bom?
O setlist da banda é o melhor de todas as apresentações. Ok, o do Anthrax também é ótimo, mas tenho uma preferência pela banda do Pato Donald. A única música que tiraria daqui é Sweating Bullets que, apesar de ter uma letra legal, acho um pouco chata. Colocaria Tornado of Souls no lugar e, se você gosta de metal, deve concordar comigo.
Mustaine, mesmo após ter se tornado cristão e de conseguir fazer as pazes com metade do elenco do Big Four, continua mal-humorado e quase não se move durante a apresentação, além de falar pouco com a plateia. Isso deveria ser problemático, mas o desempenho da banda é tão absurdo que compensa essa pouca presença de palco. Megadeth are business, and business is good. Já David Ellefson e Chris Broderick, apesar de um pouco paradões, são bastante simpáticos e a todo momento parecem estar curtindo muito o que estão fazendo.
A banda abre com Holy Wars… the Punishment Due que é, simplesmente, detonante. Eles resolveram cortá-la no meio para finalizar o show mais tarde com a parte final dela. Não acho isso legal, mas funcionou porque eles terminaram a música de um jeito que parece que ela realmente acabou. Logo depois vem Hangar 18, muito bem executada, especialmente na parte final, onde há aquele maravilhoso duelo de solos. Técnica não é tudo, mas se você quer alguém que toque os solos do Marty Friedman perfeitamente, você precisa do Chris Broderick, com certeza.
Depois vem Wake Up Dead, música original do Peace Sells e uma das minhas favoritas. Head Crusher é a única a aparecer do então novo álbum Endgame e ela é muito boa. Gostei muito que a banda pegou dois clássicos do So Far, So Good, So What? (In My Darkest Hour e Hook in Mouth), outros grandes destaques. A parte mais pop do show fica com Skin O’ My Teeth, Trust e Symphony of Destruction. Para terminar, Peace Sells e o final de Holy Wars fecham o show muito bem.
SLAYER
Enquanto o Anthrax e o Megadeth foram muito felizes ao montarem seus respectivos setlists para esta gravação do DVD, o Slayer foi na contramão e colocou três músicas do recente World Painted Blood, uma do Christ Illusion e uma do God Hates Us All. As músicas clássicas escolhidas não são ruins, mas são aquelas obrigatórias de todo show, como Seasons in the Abyss, Raining Blood e Angel of Death. Acho que não tive nenhuma real surpresa, mesmo com Mandatory Suicide e Chemical Warfare. Nada contra colocar músicas novas no setlist, mas este é um show especial e deveria ter músicas muito mais marcantes.
Além disso, o que aconteceu com os vocais do Tom Araya? O cara tinha uma voz agressiva e perfeita para o estilo mas, desde o South of Heaven, ele perdeu isso e foi piorando até seus vocais ficarem muito ruins. De todos os vocalistas do Big Four, ele é o que mais sofreu, sem dúvida. Não é como o James Hetfield, que adaptou a sua voz às mudanças do Metallica. O Slayer precisa de um cara nervoso e com uma voz encapetada até hoje, e o Tom não ofereceu isso nesta apresentação.
Tom Araya também tem uma curiosa presença de palco. Enquanto Jeff Hanneman e Kerry King usam roupas trües e fazem caras de malvados (embora nem precisem se esforçar para isso), Tom Araya usa uma camiseta vermelha com o maior estilo esportivo e fica sorrindo o tempo todo. O cara é muito educado e simpático até mesmo no show, e isso é especialmente engraçado quando, depois de tocarem Disciple, que termina com as frases I reject this fuckin’ face, I despise this fuckin’ place, ele agradece a plateia com um simpático “Thank you very much” e um sorrisão na boca.
Mesmo assim, a banda tem uma postura de “f*d*-s*” maior até do que a do Megadeth. Tom Araya fala pouco entre as músicas, a banda as toca de forma mais rápida do que suas versões originais, os solos são ainda mais barulhentos e elas não parecem tão pesadas como realmente são. Eles têm uma atitude bastante punk no palco e os riffs simplesmente não têm o mesmo peso com os quais estou acostumado. É só assistir à apresentação de Angel of Death ou Seasons in the Abyss para perceber isso.
Assim, realmente falta uma voz melhor do Tom Araya e um setlist melhor escolhido. Uma apresentação bem mediana, com destaque para as músicas clássicas, claro.
METALLICA
Quando eu disse no começo da resenha que dependia do seu ponto de vista a respeito da reunião das bandas o quanto você iria gostar do DVD, estava principalmente me referindo ao Metallica. Com o setlist maior e mais variado de todas as bandas, somando duas horas de apresentação, o Metallica reúne os clássicos incontestáveis dos anos 80 com um monte de coisa lançada do Black Album até o Death Magnetic. E o engraçado é que, quanto mais recente a música, melhor é o desempenho da banda.
Eles abrem com Creeping Death, uma das melhores que já escreveram, e a performance simplesmente não desce. A música é bem agressiva e não combina com a voz de James Hetfield hoje em dia, Lars deixa a desejar e os riffs não têm pegada suficiente.
Depois dessa introdução, entra uma sequência de músicas cadenciadas e/ou recentes, e nelas a banda vai bem melhor. Eventualmente, eles conseguem estragar tudo, no entanto. Em Fade to Black, por exemplo, na parte final da música, assim que vai começar aquele riff legalzudo, a banda para de tocar e James Hetfield grita: “você sente o que eu sinto?”. Ele repete isso, as meninas entram em êxtase e eu seriamente considero apertar o botão skip para ir até That Was Just Your Life, que talvez não tenha frescuras como essa.
Vale lembrar que o Metallica pegou o melhor horário, à noite, e eles são os que têm mais efeitos no palco e a única banda com explosões. E é justamente esse o problema: os efeitos do espetáculo e a preocupação excessiva com a presença de palco funcionam bem com bandas como o Kiss, mas não com o Metallica. Lars toda hora levanta da bateria e mostra a linguinha, Robert Trujillo fica agachado, como um sapo, e James Hetfield fala demais às vezes. O problema não são essas coisas em si, mas sim que elas tiram a atenção da música e, por vezes, parecem mais importantes do que elas. O Metallica, neste show, parece um espetáculo da Rede Globo em final de ano. E isso dói o pâncreas.
A pior parte é sem dúvida o “discurso” que James Hetfield dá na hora de chamar as outras bandas para tocarem o clássico Am I Evil?, do Diamond Head. Longo, exagerado e tão ruim que, se você assistir ao vídeo de bastidores do DVD, vai perceber que os músicos dos outros grupos se entreolham em dúvida se James Hetfield realmente os está chamando para entrarem no palco ou se ele ainda vai chamar. Nesse mesmo bônus, os quatro membros dizem a si mesmos antes de entrarem que eles são o Metallica, a melhor banda do dia. Essa postura de última “bolacha do pacote” atrapalha na introdução de Am I Evil? e de outras músicas no show.
É claro que, quando eles não estão de sacanagem, ou tirando a gordura do bacon de clássicos furiosos como Master of Puppets, a coisa flui bem demais e eles detonam. Eu comecei a gostar de That Was Just Your Life por causa desse show e, para mim, é o ponto mais alto da apresentação. Sad but true combina com o jeitão bad boy, “we’re cowboys, baby” da banda, nas baladas eles vão bem (e contam com o apoio legal do público) e em outras músicas cadenciadas, como falei, eles também não deixam a desejar.
Assim, o show do Metallica é mais irregular, ora ridículo, ora sensacional, mas diria que consegue ser melhor que o do Slayer. Acho até que, dependendo do meu estado de espírito, eu posso voltar a ver essa apresentação, fazer cara de mau e mostrar a linguinha. Se não funcionar, eu pego um DVD do Kiss.
CONCLUSÃO?
Se eu tivesse resenhado esse negócio quando ele saiu, teria dado uma nota bem menor, tamanha a expectativa e o preço absurdo no lançamento do DVD. Hoje, vejo-o como um bom DVD de metal, com qualidade de edição, som e imagem melhores do que 90% das bandas de metal, segundo o DataDelfos. Vale a pena especialmente se você for mais fã do Anthrax e/ou do Megadeth, e o preço não vai torná-lo mais pobre ao final do mês.