Outcast, de 1999, sempre foi muito intrigante para mim. Eu lembro quando foi lançado, com uma campanha de marketing massiva, até mesmo aqui no Brasil. Ele parecia tão diferente. Tão intrigante. Tão filme. Por incrível que pareça, eu nunca cheguei a jogá-lo. Nem o original, nem seus remaster e remake. Sinceramente, acredito que se jogasse hoje, o acharia muito chato. Mas na época, ele parecia mágico. E vou explicar o porquê.
VIAJANDO PELAS CAPAS DE HEAVY METAL
Muita gente foi atraída para o heavy metal pela rebeldia e/ou questionamentos sociais, especialmente os que ouviam as bandas norte-americanas. Mas eu sempre fui mais do lado europeu. O que me pegava no estilo era a fantasia, a imaginação. Eu ficava olhando as capas lindas e imaginava como seria explorar aqueles mundos imaginados pelos artistas enquanto ouvia as músicas.
A capa acima é um exemplo. É um álbum do Zonata, chamado Reality. A arte é de Derek Riggs, o mesmo que ficou famoso pelas capas do Iron Maiden. Eu gostava mais das capas que o Riggs fazia para bandas que não eram o Iron Maiden. Este estilo ficção científica/fantasia, cheio de imaginação e detalhes, me deixava muito intrigado. Na real, eu comprei o álbum acima só por causa da capa, e lembro muito melhor dela do que da música contida no disco.
Explorar novos mundos é uma grande fantasia nerd. Não à toa sonhamos com profissões como arqueólogos ou astronautas. Várias formas de arte nos dão esta possibilidade. Literatura, música, talvez o mais elaborado seja o cinema. Isso, claro, até os games chegarem neste ponto tecnológico. Até jogos como Outcast começarem a existir, e dar início ao que eu gosto de chamar de turismo virtual. É esta coceira que Outcast (e outros clássicos como Myst) coçavam para o Corrales adolescente. Com o advento dos jogos 3D, finalmente tínhamos a oportunidade de explorar mundos diferentes, e ir para onde quiséssemos, no nosso tempo. Com a promessa de realização deste sonho, eu nunca tive oportunidade de jogar o primeiro Outcast, mas ele nunca saiu da minha memória.
REVIEW OUTCAST A NEW BEGINNING
Outcast ficou dormente por muito tempo para um jogo tão importante. Mas 25 anos depois da aventura original, temos uma continuação. Esta é Outcast A New Beginning. O jogo continua a história do anterior, mas sabe que muitos não o jogaram. Então apesar de o protagonista Cutter Slade ser o mesmo, ele começa sem memória e vai aos poucos lembrando do que aconteceu. E a relação com heavy metal não é coisa apenas da minha cabeça, já que o herói faz várias referências ao estilo e a classic rock. Ele diz até que já foi baterista de uma banda de metal. Alguns personagens reaparecem, mas mesmo sem ter as memórias do passado, dá para entender e acompanhar tudo numa boa.
A história envolve Cutter Slade sendo transportado para o mundo de Adelpha, o mesmo em que viveu a aventura anterior. Porém, ninguém acredita que ele é o salvador, então ele precisa convencer os aborígenes a confiar nele para protegê-los dos invasores. A questão é que os invasores são humanos, e como sempre, estão querendo explorar as riquezas naturais de Adelpha.
É uma história bem semelhante à de Avatar. Ou de Pocahontas. Ou de Dança Com Lobos. Enfim, esta história já foi contada muitas vezes, antes e depois de Outcast. E não dá para negar, muito de Outcast a New Beginning remete a Frontiers of Pandora. Porém, ele tem uma enorme vantagem sobre o jogo endinheirado da Ubisoft.
A VANTAGEM DE NÃO SER AAA
Os jogos AAA atualmente não são jogos, mas lojas. Você paga uma fortuna para entrar, e então o game fica a todo momento querendo que você gaste mais dinheiro. É como visitar a Disney, onde dá para pagar até para evitar filas., e se você não pagar o extra, a visita é um tédio. AAs, como Outcast A New Beginning, vendem a experiência. Você compra o jogo, e ele não quer te vender mais nada. Daí é só jogar e curtir.
Assim, Avatar Frontiers of Pandora sem dúvida tinha o dinheiro e a parte técnica necessários para tornar Outcast A New Beginning redundante ou menos interessante. Mas o que aconteceu foi o contrário. Ele queria te vender atalhos para você avançar mais rápido e tornar o jogo menos chato. Outcast A New Beginning é o jogo, planejado para ser o melhor possível. E vou dizer, ele pode não ter a mesma primazia técnica, mas é também muito lindo e impressionante. Vou dizer que, quando fui selecionar as imagens para esta matéria, fiquei perdido em meio a tanto screenshot lindo. Ô, joguinho fotogênico, meu!
O PRAZER DE EXPLORAR UM NOVO MUNDO
Esta beleza, o mistério e toda a atmosfera meticulosamente construída são essenciais para deixar a experiência tão legal. A apresentação de Outcast A New Beginning é simplesmente fenomenal. O mundo é extremamente colorido e variado. As músicas orquestradas são dignas de superproduções cinematográficas. E a cereja no bolo é a movimentação, que começa básica, mas que logo se torna realmente especial.
Cada novo upgrade de movimentação muda totalmente sua forma de se movimentar. Depois de algumas horas, você vai voar, dar pulos quíntuplos, planar e atirar nos meliantes de cima. É uma delícia.
E permita-me dizer que é ótimo que a movimentação e a apresentação sejam tão sensacionais. Porque o jogo é basicamente isso. Outcast A New Beginning carece muito forte de um bom level design. Suas missões e praticamente tudo que você faz são aquelas atividades típicas de mundo aberto. Fetch quests, escort missions, limpar bases. São poucos os momentos em que o gameplay se destaca pelo momento.
FADIGA DE MUNDO ABERTO
Inclusive, durante parte da minha campanha, eu estava meio que jogando de saco cheio. Não estava curtindo o que ele fazia bem (a atmosfera, movimentação e apresentação) e o que ele fazia mal (as missões e atividades) estava me irritando. Eu fiz uma pausa para um lanche e, por algum motivo, quando voltei, EU estava diferente. Parei de encarar o game como um Ubisoft-like de limpar mapa e comecei a curtir simplesmente explorar o mundo. As missões eram apenas desculpas para ver outras coisas, comprar mais upgrades, orientar minha exploração. Isso mudou totalmente minha experiência.
A partir daí, parei de encarar o mundo aberto como algo que gasta meu tempo. Passei a tratar o mundo aberto como o jogo mesmo. E, sim, sei que é esta a forma certa de encarar o gênero, mas estes jogos estão tão grandes e tão comuns que a gente acaba se esquecendo disso, como o milagre da vida humana. E a maioria não tem o cuidado absurdo com atmosfera que Outcast A New Beginning tem.
A VOAR, A VOAR, A VOAR
As atividades não eram o que eu realmente queria fazer. Eu queria existir em Adelpha. Explorar Adelpha. As atividades e missões eram o que eu fazia como intervalo da parte realmente boa, que era andar e voar pelo mundo. Curiosamente, depois de muitas horas, você libera o uso de um bicho voador enorme, no qual dá para montar, como o Falkor de A História Sem Fim.
Andar no bicho é muito mais fácil e rápido que o jetpack de Slade. Você pode simplesmente montar no bicho e escalar uma montanha inteira voando ao lado dela, sem se preocupar com rota ou combustível. Mas o jetpack é tão legal que até evitava usar o bicho. Acho legal ter a opção. Ele me permite evitar o mundo aberto quando quero fazer isso. Mas este é um mundo aberto que gostei de explorar.
De vez em quando também parecia mais rápido ir de jetpack. Isso porque chamar o bicho o faz vir de longe, devagarinho. E você precisa esperar ele estar acima da sua cabeça para subir. Considero isso uma falha da movimentação: seria legal que chamar o bicho já te colocasse na cabeça dele, como se ele estivesse sempre te acompanhando por cima. Felizmente, quando o bicho é liberado, você já está com vários upgrades e com uma movimentação bem divertida.
SOCIABILIZANDO EM OUTCAST A NEW BEGINNING
Além de voar, explorar e lutar, você vai passar muito tempo conversando. Várias missões têm passos que envolvem simplesmente falar de determinado assunto com fulano. Esta é a parte mais RPG de Outcast A New Beginning. Uma espécie de Mass Effect sem as decisões, mas com muita conversa e falação. O que é impressionante, embora não necessariamente vital ou divertido, é que você pode falar com qualquer NPC não agressivo.
Tem um monte de gente com nome, histórias e tal. Mas você pode literalmente chamar pro papo qualquer habitante de Adelpha, e todos têm uma lista de assuntos e respostas específicas. De novo, é impressionante pensar que todo este trabalho de roteirização e gravação de falas foi feito, mas não é algo que eu tenha muito interesse em explorar além da curiosidade natural.
TRADICIONAL E DIFERENTE, AO MESMO TEMPO
O primeiro Outcast foi inovador. Um jogo de proto-mundo aberto lançado antes de games de mundo aberto existirem como gênero. Em contraste, Outcast A New Beginning parece até pitoresco. É um game de mundo aberto com missões que mostram o pior do gênero. Porém, tem um mundo planejado e que não é grande demais, no qual é uma delícia de existir e de explorar. É, para mim, o Frontiers of Pandora que deu certo. E que os games parem de ser lojas que cobram para entrar, e sejam apenas experiências intrigantes e empolgantes.