Acho que já não é mais nenhum segredo para o delfonauta a minha aversão aos musicais. Ao menos os delfianos sabem disso e não perdem uma oportunidade de me sacanearem por conta desse fato em seus textos. Pois bem, mesmo tendo pleno conhecimento de minha ojeriza a esse estilo cinematográfico, o Corrales, como chefe sádico e sem coração que é, me passou a missão de cobrir a cabine de Rent – Os Boêmios. Fazer o quê? Afinal, trabalho é trabalho. E ao menos a missão me rendeu a oportunidade de explicar neste texto por que não gosto de musicais.
Não é tanto um caso de ódio propriamente dito, e sim de um simples fator que não entra na minha cabeça de jeito nenhum. Fala sério, por que nos musicais as pessoas simplesmente começam a cantar e dançar do nada, sem nenhum motivo aparente e, depois de terminada a música, voltam ao que estavam fazendo antes como se nada tivesse acontecido? Totalmente incompreensível.
Que motivos fora do comum elas têm para sair cantando e dançando no meio da rua? E ás vezes os números são tão contagiantes que até os figurantes entram na onda! Imagine isso: você está naquela tradicional fila do banco e aí o cara que está na sua frente começa a cantar e dançar sobre as contas a pagar e os impostos abusivos. De súbito, todos os presentes no recinto passam a acompanhá-lo em seu número e depois de três minutos e meio tudo acaba e o sujeito se dirige ao caixa, paga a sua conta e vai embora, como se não tivesse acontecido nada de mais. Parece um episódio do Além da Imaginação!
Eu só abro uma exceção ao estilo em duas ocasiões. Naquele episódio musical de Buffy – A Caça Vampiros, por questionar de forma bem humorada justamente a cena que acabei de descrever, e os musicais de zoeira, tipo Monty Python e South Park. De resto, acho que esses filmes seriam mais válidos se ao invés de cantarem do nada, absolutamente todas as falas fossem musicadas, como em Os Guarda-Chuvas do Amor.
Bem, com isso encerro meu argumento e passarei ao Rent propriamente dito. É, amiguinho, o filme é exatamente tudo aquilo que me tira do sério em musicais, com direito a um bairro inteiro cantando uma música e, quando ela acaba, todos voltam para suas casas e ninguém nunca mais menciona o fenômeno. Mas estou me atravessando. Antes de prosseguir, devo apresentar a sinopse.
A adaptação cinematográfica de uma das peças de maior sucesso da Broadway trata de um grupo de amigos, na virada dos anos 80 para os 90. São todos, como o subtítulo brasileiro entrega, boêmios. Ou deveriam, mas alguém (roteirista, diretor, sei lá) os confundiu com vagabundos, o que é bem diferente e impede que se tenha qualquer simpatia por essas pessoas e pelas situações vividas por elas.
Eles moram num bairro decadente e três deles vivem no mesmo prédio, à beira de ser demolido para virar um moderníssimo estúdio musical. A solução encontrada pelo grupinho para contestar o avanço corporativo em seu bairro é das mais revolucionárias (atenção para o sarcasmo): eles decidem não pagar o aluguel (daí a parte em inglês do título). Uau, isso é anarquismo puro!
Ao mesmo tempo em que lutam para não serem despejados, eles convivem com problemas como drogas, o medo de perderem suas verdadeiras identidades ao arranjarem empregos corporativos e a Aids, na época no auge de sua epidemia.
A história é só isso. E, a partir daí, dá-lhe um número musical atrás do outro. Sério, nunca tinha assistido um filme do gênero que enfileira tantos números com um descanso entre eles tão pequeno. A proporção é mais ou menos de uma música para cada duas falas… hã… faladas.
E sendo bem franco, isso não seria um problema, já que a maioria das canções são Rocks bem legaizinhos. Mas as letras são deprimentes de tão fracas (do tipo que rima “amor” com “flor”) e muitas das músicas simplesmente não tem a menor função para a narrativa, bem como algumas tramas paralelas. Como conseqüência, o filme é uma tortura de duas horas e quinze de projeção. Tivessem limado uma meia hora de seqüências supérfluas (e dava pra fazer isso fácil), o resultado teria sido bem melhor e menos cansativo.
Assim, Rent – Os Boêmios nem mesmo chega a ser um programão garantido para os apreciadores do gênero. Mas se você curte musicais e quiser arriscar, vá sabendo que o filme é arrastado. Se você é como eu e não suporta cantorias sem sentido, passe bem longe, pois esta película é como se fosse uma visão do inferno. E nele, ao invés de fogo e enxofre, há pessoas cantando sem razão.