Assisti ao filme Slumdog Millionaire (Quem Quer ser um Milionário?) no primeiro dia do ano de 2009. Saí do filme tão emocionada que tive que correr para o banheiro porque não conseguia parar de chorar e a cena já estava ficando ridícula. Meu marido, não entendendo nada, dizia que concordava que a história do filme era realmente muito bonita, mas será que era para tanto?
Opções:
A – Sim, porque apesar de começar com uma cena de tortura, o filme é um dos melhores romances dos últimos 10 anos;
B – Sim, Danny Boyle conseguiu fazer melhor do que Trainspotting, porque consegue levantar o espírito de qualquer espectador no final sem deixar o filme cair no ridículo, mesmo com um personagem revelando uma trágica história de vida;
C – Sim, porque o roteiro de Simon Beaufoy, baseado no livro Sua Resposta Vale um Bilhão, de Vikas Swarup, é uma colcha de retalhos bem costurada, e permite que você seja surpreendido em vários momentos do filme, sem se perder;
D – Sim, porque a fotografia de Anthony Dod Mantle é de tirar o ar e fazer chorar, de tão linda!
E – Todas as anteriores.
A minha resposta é E e, também impressionada e assustada com a minha reação ao filme, tento racionalizar o porquê dessa minha resposta tão apaixonada e vou expor minhas razões, começando com um resuminho.
O filme revela a história de um rapaz indiano paupérrimo, Jamal Malik (delicadamente interpretado por Dev Patel). Ele é proveniente de uma favela, muçulmano e órfão. Paralelos com a vida de crianças em favelas brasileiras à parte, o filme começa dançando no gênero policial, e vai do drama com momentos de comédia, ao romance, sem deixar de apresentar a música que tanto faz parte dessa cultura e que podia beirar o ridículo, mas com a direção de Danny Boyle e fotografia de Anthony Dod Mantle, vira, na verdade, uma obra de arte.
Jamal tem 18 anos e participa de um programa de televisão muito famoso na Índia e no mundo inteiro chamado Who wants to be a Millionaire? (no Brasil, a versão teve o nome de Show do Milhão e era transmitido pelo canal SBT) onde o participante responde a perguntas variadas de conhecimento geral.
Apesar de não ter tido nenhum tipo de educação formal, Jamal Malik está há dias respondendo às perguntas do programa e acertando a maioria delas, passando para a fase seguinte. O país inteiro assiste. Agora, ele está prestes a receber 20 milhões de rupias – maior prêmio do programa – e o apresentador acredita que ele esteja roubando, porque para ele, um rapaz inculto como Jamal não poderia saber as respostas a perguntas tão difíceis.
Na véspera do dia do grande prêmio, Jamal é preso. Tentando provar sua inocência, ele conta a história da sua vida ao inspetor de polícia. Da favela às ruas, onde viveu com o irmão Salim (Madhur Mittal), passando pelas aventuras dos dois pelas estradas, ele fala de Latika (Freida Pinto), o grande amor de sua vida, com quem ele perdeu contato. E cada episódio dessa história revela a resposta das perguntas do programa. As coincidências podiam parecer exageradas, no entanto estão ali por um motivo: celebrar as experiências humanas, principalmente aquelas que nos parecem mais negativas no momento em que ocorrem, mas que se tornam valiosas no crescimento do indivíduo. Por aí já dá para perceber porque o filme me provocou aquela reação, não é?
Mas Jamal demonstra não ter muito interesse no dinheiro que está prestes a receber e a razão dele ter entrado no programa é revelada no final (quer dizer, dá para entender tudo antes do final, mas o roteiro te deixa um pouco na ponta da poltrona se perguntando se tudo vai dar certo mesmo).
Slumdog Millionaire foi indicado a dez Oscars e merece ganhar o de melhor filme e direção e, em minha opinião, pode até mesmo tirar de O Cavaleiro das Trevas o prêmio de melhor fotografia. O filme tem tudo o que a Academia gosta e mais, afinal, brinca na linha entre o comercial e o independente, o que agrada a mais votantes.
Danny Boyle traz um filme fresco, atrevido e sedutor, sem comprometer sua integridade. A trilha sonora acompanha o ritmo do filme, com sua explosão de cores insaciável. A fotografia, mostrando o novo e o velho, numa Índia contemporânea, é um deleite. Os atores, novos aos nossos olhos, inquietam, hipnotizam. Enfim, acho que só o destino para explicar a reunião de tantos talentos num só filme, e se você assistir, vai entender o que eu estou querendo dizer.
PS: Essa resenha foi obviamente escrita antes do Oscar.