Veja só! Nem um mês depois do nosso glorioso retorno à cobertura de shows com Distant Worlds, cá vou eu de novo, como dizia David Coverdale. E desta vez vamos falar do mais puro suco do heavy metal. Aquele heavy metal tradicional delicioso, feito para ser tocado e usufruído ao vivo. E poucas bandas representam tão bem este estilo quanto o Primal Fear, cujo show eu inclusive cobri outras vezes nos primórdios.
O PRÉ-SHOW
O pré-show veio recheado das muitas coisas que me incomodam em shows menores de heavy metal. Pra começar, não havia divulgação nenhuma do horário do show. A única coisa que você encontrava na internet era que as portas abririam às 18. Mas quem se importa com isso? O importante é a hora que a apresentação começa. Você por acaso olha a hora que o cinema abre antes de ir ver um filme, ou escolhe o horário da sessão? Pois é. Enfim, eu descobri que a previsão de início era 19:30, mas o credenciamento seria feito apenas das 18 às 18:30. Ou seja, precisava pagar uma hora a mais de babá do que o necessário para poder louvar o Deus Metal.
Cheguei lá umas 18:15. As portas não estavam abertas e os funcionários do Fabrique nem sabiam orientar como ou onde seria feito o credenciamento de imprensa. Disseram até que eu tinha que pegar a fila do público e esperar com todo mundo, o que é estranho, já que imprensa costuma ter uma fila e entrada próprios. Enfim, quando as portas abriram, por volta das 19, me orientaram para passar pela fila de entrada e pegar uma fila de um sujeito que estava vendendo ingressos. Este meu novo amigo, que segundo ele trabalha na bilheteria, tinha a lista de imprensa credenciada e liberou nossa entrada, mas não sabia orientar mais nada, como o protocolo para as fotos.
CADÊ CHIQUEIRO?
Acabou que não havia chiqueirinho no Fabrique, então eu deduzi que poderia fotografar o show a qualquer momento de qualquer lugar. E foi o que fiz. Acomodei-me na última fileira (conforto é importante para o súdito fiel do Vento Preto) e lá fiquei, novamente dando graças a Odin por ter uma câmera com um senhor zoom.
Como as portas atrasaram pelo menos uma hora para abrir, ninguém sabia a hora que o show começaria. O colega da bilheteria confirmou que estava previsto para as 19:30, mas como, segundo ele, a passagem de som atrasou, talvez começasse mais tarde. Tive memórias bem ruins de quando fui assistir a Graham Bonnet no Blackmore Bar e, apesar de estar divulgado para começar cedo, acabou começando lá pelas três da madrugada. Eu simplesmente não consigo mais lidar com este tipo de coisa. Afinal, o custo da babá seria maior do que o do próprio ingresso do show. Felizmente, o Primal Fear iniciou sua introdução pontualmente às 19:30. Apesar do atraso na passagem de som e na abertura das portas, o show foi pontual. E agora é hora do rock, meu!
PRIMAL FEAR EM SÃO PAULO
O show começou com uma introdução épica mais longa, seguida da intro Primal Fear e da excelentíssima e empolgante Chainbreaker, a primeira música (embora a segunda faixa) do primeiro disco da banda. Achei isso interessante, uma vez que o Primal Fear costumava começar seus shows com a primeira música do disco mais recente. Mas Chainbreaker é um delicioso heavy metal, perfeita para começar o show com alegria e empolgação. E a banda já veio bem simpática, cheia de sorrisos e muita diversão, como um bom metalzão tem que ser.
A apresentação continuou sem parar com Rollercoaster, faixa que mostra o lado mais farofa do Primal Fear, que muito me agrada. A qualidade da apresentação já chamou a atenção. A performance e o som estavam fantásticos. Todos os instrumentos podiam ser ouvidos perfeitamente, com grande destaque para as guitarras de Tom Naumann e Alex Beyrodt. Pesadas e ritmadas, estilo marcha, lindamente complementados pela bateria de Michael Ehré (também atual membro do Gamma Ray, supondo que esta banda ainda existe após o retorno de Kai Hansen ao Helloween), que dá o ritmo perfeito para bater cabeça. Eu simplesmente amo o estilo de metal do Primal Fear.
Uma coisa bacana no aspecto visual é que, em alguns momentos, Tom e Alex usam uma guitarra do mesmo modelo. Porém, Tom é canhoto e a usa invertida. Desta forma, o design das duas guitarras também é invertido, com a mancha preta sempre ficando na parte de baixo. Isso deixa os guitarristas literalmente espelhados, como você pode ver em fotos como as que está acima deste parágrafo. É uma frescurinha, mas eu amo este tipo de frescurinha.
WE WILL ROCK YOU
Algo interessante rolou após a segunda música. A galera começou a cantar de forma ritmada, “Primal Fear, Primal Fear“. Daí Michael Ehré acompanhou o canto com uma batida. Logo todos perceberam que a batida era exatamente igual a We Will Rock You, o que fez o vocalista Ralf Scheepers começar a cantar a música do Queen. Isso foi imediatamente seguido pela galera, que assumiu os vocais, e a banda tocou a música até o primeiro refrão.
Depois disso era hora de algumas músicas novas, tiradas do recente lançamento Code Red. The World is on Fire e Deep In the Night vieram a seguir, com destaque para esta última, que tem o ritmo cadenciado perfeito para bater cabeça. Uma breve volta ao passado veio com Face the Emptiness, e então voltamos a Code Red, com a faixa de abertura, Another Hero, uma das minhas preferidas do novo disco. E assim nos despedimos dele, pois todo o resto do show foi tirado de discos anteriores.
Aliás, é curioso você olhar a página do show no Setlist.fm. Das 16 músicas tocadas, 11 discos foram contemplados. A banda tem 14 álbums. Isso significa que apenas Black Sun, 16.6 e Unbreakable não foram contemplados. Normalmente as bandas costumam tocar várias músicas dos discos que fizeram mais sucesso. Isso torna o show um tanto especial, pois toda a carreira foi revisitada. Talvez isso se deva ao fato de o Primal Fear ser uma banda consistente, que sempre foi boa, mas nunca teve grandes sucessos. De qualquer forma, é um dado interessante.
PRIMAL FEAR E O FOGO NUCLEAR
Prosseguimos então com Nuclear Fire, uma das minhas preferidas da banda. A combinação da guitarra cantante que inicia a música com o peso e ritmo que vêm depois é muito minha geleia quando falamos de heavy metal.
Depois da música, Ralf perguntou “vocês estão aí?”. Diante da resposta positiva, ele comentou que três anos atrás não tinha ninguém aí, se referindo à pandemia. Ele lamentou que, por causa disso, a banda nunca chegou a excursionar com o álbum Metal Commando. Mas pelo menos poderiam revisitar o disco agora, nem que fosse por uma única música. A música em questão foi Hear Me Calling.
RALF SCHEEPERS
Pausa para algo que deve ser dito: o vocalista Ralf Scheepers é um espetáculo à parte. Ele tem uma das vozes tradicionais de Metal mais fortes e mais belas, além de ter uma técnica considerável. Diante de tantas bandas com vocalistas bons que são ruins ao vivo (ver o Michael Kiske ao vivo foi uma das grandes decepções da minha vida), é realmente impressionante ver este nível de canto sendo reproduzido ao vivo com esta qualidade.
Ralf não é perfeito. Em vários momentos do show, ele errou na respiração, o que o deixou sem fôlego para a frase seguinte. Em determinado momento em que ele estava incitando o público a cantar junto, deu uma desafinada que o motivou até a pedir desculpas e a fazer o guitarrista Tom Naumann fazer uma careta olhando para ele. Mas sabe qual é o copo meio cheio? Isso demonstra que ele está de fato cantando ao vivo. Se você já tentou cantar Primal Fear, sabe que não é fácil. Errar é humano, e é justamente isso que os erros de Ralf provam. E eu adoraria conseguir cantar como ele.
Tão impressionante quanto é a potência de sua voz. A gente vê muito cantor que parece que está engolindo o microfone e mesmo assim você quase não ouve a voz ao vivo. O Primal Fear toca alto, e reproduz as músicas na afinação original. E mesmo assim, nosso amigo Ralf canta boa parte do tempo com o microfone consideravelmente afastado de sua boca. O cara é o senhor potência vocal. Realmente impressionante.
TROCANDO A CAIXA
Fighting the Darkness foi a próxima, o que me surpreendeu, porque na minha memória, que pode ser falha, o Primal Fear não tocava baladas ao vivo. Mas funcionou que é uma beleza e o solo de guitarra estendido ficou lindão, cheio de harmonizações e guitarras gêmeas, duas das principais e mais gostosas características do bom metal tradicional.
King of Madness foi a próxima e depois disso aparentemente houve um problema com a bateria. Parece que precisaram trocar a caixa, ou pelo menos foi o que entendi. Enquanto o problema era resolvido, nosso amigo Ralf brincou com a plateia, fazendo melodias e pedindo para o público copiar. E dessa vez ele não desafinou, foi alto, brincou, fez barulhos engraçados. Se ele não tivesse falado que estavam trocando a caixa, nem teria percebido que não era parte do show.
Depois de um tempo de brincadeiras, ele virou para o baterista para perguntar se estava ok. Michael respondeu com uma batida, que inicialmente pensei ser apenas um sim, mas que emendou direto na banda começando a tocar The End is Near, o que pareceu ter surpreendido Ralf. O nome da canção é apropriado, pois estávamos chegando ao fim do show.
THIS IS PRIMAL FEAR
Depois da música, Ralf fez uma pausa para apresentar os músicos. Ele abordou o elefante metálico da sala, a ausência do baixista Mat Sinner. Disse que ele está com problemas de saúde, e que a turnê só está acontecendo graças ao baixista substituto, cujo nome eu infelizmente não consegui entender nem descobrir no Google durante a pesquisa para este texto (o nome dele é Alex Jansen – agradecimentos especiais ao Ronaldo, que me contou nos comentários).
O que aconteceu com Mat Sinner? Eu sinceramente não sabia, e inclusive estranhei quando vi outro baixista no palco, uma vez que o Primal Fear é um projeto de Ralf com Mat. Bom, ele parece estar com problemas de saúde bem sérios, passando por várias cirurgias e reabilitação. Aparentemente tudo aconteceu por uma reação adversa à vacina, o que é realmente assustador. Espero que isso não torne o cara ou o próprio Primal Fear politicamente anti-vacina, pois sabemos que os problemas podem acontecer, mas os benefícios para a população como um todo compensam isso.
When Death Comes Knocking foi a próxima música, e depois dela veio aquele tradicional fim de show, com algumas das músicas mais fortes e bacanas da longa carreira da banda.
O CLÍMAX DO PRIMAL FEAR
“Estamos chegando às duas últimas do show”, disse Ralf, em meio a protestos da plateia. “Ei, precisamos ir para o México, para o Peru, para a Argentina”. Plateia vaiou, de brincadeira, claro. “Vocês amam heavy metal?”, perguntou Ralf, ao anunciar a divertida Metal is Forever, que foi seguida da Rainbow-like Final Embrace. E então a banda saiu do palco, fingindo que o show acabou. Enquanto andava para as laterais, Alex Beyrodt levantava as mãos, como que agitando a galera para pedir bis.
Depois de uma bem pequena pausa, é hora do bis. A primeira foi a ótima Angel In Black. Daí a banda começou a tocar You’ve Got Another Thing Comin’, do Judas Priest. Isso me surpreendeu, mas era só um trechinho, que desembestou na esperada última faixa, Running in the Dust.
Forever rolou em playback, enquanto a banda dava as mãos na frente do palco, em agradecimento aos aplausos. Juntos, fizeram uma ondinha junto com a plateia, coraçãozinho com as mãos e muitos tipos de agradecimento. Eles pareciam não querer ir embora, com Ralf e Alex especialmente ficando um bom tempo por ali, distribuindo palhetas e apertando a mão da galera que estava na frente. Como falei no início, shows pequenos têm muitas desvantagens. Mas esta proximidade com a banda é uma vantagens. Todo copo, afinal, pode estar meio vazio ou meio cheio.
THE END IS NEAR
E este foi o show do Primal Fear em São Paulo. Com duração de apenas 1h40m, foi bem curto. Mais do que acho aceitável para um show internacional. Porém, eles são uma banda bem consistente, cujo estilo muito me agrada. Eles fazem este estilo de heavy metal bem roots. Como eu gosto de dizer, é heavy metal como foi originalmente concebido por Odin. E isso funciona muito bem ao vivo. Talvez você não saiba pelo conteúdo do DELFOS, mas eu gosto de muitos estilos de música, e já vi vários deles ao vivo. Portanto, posso dizer com propriedade que poucos shows são tão legais quanto um show de metal tradicional. Em especial, o Primal Fear é uma banda que eu gosto mais em shows do que quando ouço em casa. Curioso, não? Antes de encerrar, fique com mais algumas fotos do show, e voltamos mais embaixo para o último parágrafo.
Espero que tenha sido um relato divertido de ler, e como sempre, se quiser mais coberturas de show no DELFOS, não deixe de contar nos comentários para a gente saber. Fazer este tipo de cobertura, especialmente com fotos, dá muito trabalho. Se você quer ajudar o DELFOS a fazer mais disso e continuar no ar, pode assinar nosso financiamento coletivo ou, se quiser cortar intermediários ou não pagar mensalmente, simplesmente fazer um pix de qualquer valor para delfos@gmail.com. Qualquer contribuição ajuda muito e ficamos eternamente gratos. High five telepático! O/