O Zangief Kid e a aceitação do diferente

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Alexandre Dumas foi o cara que escreveu O Conde de Monte Cristo. Se você não leu o livro, eu não preciso fazer uma sinopse, porque você certamente assistiu ao filme estrelado por Jim “Jesus” Caviezel ou, pelo menos, viu V de Vingança, que foi claramente inspirado no livro de que falei e contém uma referência expressa a outro filme, mais antigo, sobre a obra de Dumas.

Pessoalmente, eu não acho o livro genial. Ele é bastante previsível, mas todo mundo acaba torcendo pelo protagonista porque, acredito, temos algum senso de justiça dentro de nós, e sentimos especial realização quando ela é, muitas vezes precariamente, feita através de vingança – daí a sacada de gênio do autor. Afinal, a vingança tem um conteúdo passional e irracional muito forte, e tem raízes na nossa faceta mais primitiva. Quer gostemos disso, quer não, somos menos racionais do que nos julgamos ser, e nossos instintos sempre falam mais alto.

É por isso que temos a sensação de que o sistema legal não funciona. Juízes não são vingadores. São (ou deveriam ser) instrumentos para a resolução racional dos conflitos, o que nós, seres nem tanto racionais, ainda não conseguimos entender direito. De qualquer forma, essa é uma maneira mais efetiva de se resolver problemas entre indivíduos e foi preciso muita evolução para que chegássemos a esse ponto, desde os tempos em que podíamos esmagar a cabeça de quem roubou nossa comida, empalar o sujeito que botou fogo na nossa igreja, etc.

O fato, porém, é que ainda não evoluímos. Nós vibramos e aplaudimos quando vimos um vídeo em que um garoto aparentemente acuado reage e arremessa seu agressor no chão. O público nerd, então, nem se diga. Predominantemente excluídos, somos muitas vezes agredidos por sermos diferentes. Como seria bom tomar a justiça com as próprias mãos e fazê-la, por conta própria, a la Monte Cristo. Olho por olho.

Como alguém que sofreu boa parte da vida por não ser igual aos outros, eu já pensei em vingança. Nunca concretizei nenhuma das minhas fantasias, mas hoje sou grato por isso, porque houve um momento em que, digamos, tive uma espécie de epifania, no sentido de enxergar o assunto sob um prisma mais amplo: ora bolas, o problema não é meu! Eu tenho todo o direito do mundo de ser diferente e não apenas de ser aceito e respeitado por isso, mas também de ser admirado. Por Belenos, qual é a razão de os diferentes serem, necessariamente, excluídos? Por que as pessoas não podem perceber a riqueza de conviver com alguém que pense e aja de forma diferente? Se, pela Terra, só tivesse existido o senso comum, não haveria evolução. Só muda quem ousa, quem arrisca ser diferente a ponto de tomar a pílula vermelha.

É aí que chego ao meu ponto: nossa cultura tem a tendência de julgar que o problema da exclusão está no excluído. A maioria das correntes da psicanálise é nesse sentido: adapte-se, aprenda a aceitar o mundo ao seu redor. E se fosse o contrário? A premissa deveria ser: aprenda a celebrar as milhões de diferenças que existem entre todos nós, não mude, seja você mesmo, torne o mundo um lugar menos monótono, mais rico e fascinante.

Nós ficamos extasiados com aquele vídeo porque enxergamos que o problema da exclusão estava no garoto Casey. Daí ele se transformou, ao menos naquele breve momento – num sujeito violento e perigoso -, e nós comemoramos. Isso porque pensamos que era ele o inadequado, que era ele quem deveria mudar. Ainda que num simples e primitivo ato de pura vingança, que poderia ter sido mais grave, envolvendo armas e coisas do tipo.

Penso que uma sociedade mais evoluída tentaria mudar os grupos que excluem. São eles os frágeis e inseguros, que precisam humilhar e execrar pra se sentirem plenos e fortes. No caso específico das escolas, é preciso que haja um intenso trabalho envolvendo pais, professores e alunos, para que a auto-estima dessas crianças – que não aceitam as diferenças – melhore, a ponto de elas não precisarem fazer os outros se sentirem mal para ficarem contentes. Hoje, fazemos o contrário, jogamos toda a responsabilidade para o excluído, ao qual só damos duas opções: mude e elimine todos em seu caminho ou mude e se torne mais um pé-de-alface. Vamos lá, pessoal, nós somos melhores do que isso. Se não somos, vamos pelo menos deixar os diferentes, que têm a capacidade de assim ser, em paz.